Há alguns meses, eu já acompanhava a movimentação do Wintercamp como um evento extremamente potente, mas com alguma coisa estranha. Potente por conta das redes, algumas das quais eu admiro há tempos, como Dyne, Goto10 e Flossmanuals.
Nas semanas anteriores ao evento, houve alguma tensão sobre o formato na lista de discussão: questionamentos sobre as plenárias e a grade de horários bastante apertada. Devo dizer que a idéia das plenárias também me incomodou desde o começo: ecos da minha infância acompanhando o petê dos anos oitenta em Porto Alegre e aquelas discussões intermináveis sobre qualquer coisa que na verdade eram sobre território e supremacia.
Uma mensagem que circulou por outras listas também colocava algumas das questões do wintercamp: "O que vem depois da empolgação inicial? O que acontece depois que nos ligamos, encontramos colegas antigos, ficamos amigos e até nos encontramos? Enredar-se vai continuar sendo visto como um nível solto adicional de interação social ou os laços ficarão mais sérios? O que as redes fazem com nossa cultura a longo prazo? (...)". Algumas das perguntas me parecem de certa forma preconceituosas, uma visão européia sobre as redes como uma camada em cima da sociedade ocidental, o que acho que é só parte da verdade.
A proposta do tal metagrupo era que eles queriam "ajudar" as redes, o que me sugere uma ação externa, de alguma forma artificial e alienada do engajamento na rede, que não faz assim tanto sentido na lógica enredada. Na abertura do evento, ouvi que queriam "fortalecer as redes". Como se elas já não fossem fortes normalmente.
Cheguei lá pra comprovar: a quantidade de pessoas muito interessantes foi uma das maiores em todos os eventos que já participei. Poderia passar um dia inteiro conversando com cada uma de algumas dezenas de pessoas que conheci ou re-encontrei no wintercamp. Por esse motivo, sem dúvida nenhuma o evento valeu a pena. Conhecer o Vlad, de Oaxaca, ou o pessoal da Freaknet da Itália, estreitar os laços com muita gente e compartilhar o cotidiano por uma semana têm efeitos totalmente positivos na minha vida e na minha atuação no mundo
Último dia
Tive a impressão que o wintercamp durou tempo demais. No último dia, eu tive que sair pra caminhar depois de acordar. Não aguentava mais estar lá no meio, me esforçando pra falar língua de gringx e tentando acompanhar as dezenas de conversas interessantes. Fui dar uma volta na cidade, ver um pouco de Amsterdam (dezucéu, quanto turista...).
Perdi a primeira metade das apresentações finais. É uma pena, porque eu queria participar, mas já não conseguia absorver mais nada.
A apresentação dos Bricolabs foi na linha caótica de sempre: nosso "coordenador" não estava, o que nos ajudou a definir a estratégia. Colamos um cartaz do evento remixado (a identidade visual do wintercamp usava uma iconografia de rede centralizada: pontos ligados a partir de um centro, e o pessoal fez por bem fazer ligações entre todos os pontos, pra se aproximar mais da topologia de uma rede mesh).
Uma situação incômoda era o fato de um evento dedicado a redes se encerrar em uma estrutura de auditório, com palco iluminado, sistema de som e a platéia sentada em silêncio e no escuro. Sabotamos o formato, não mandando ninguém para o palco, só pessoas escondidas no meio da platéia, conversando aos microfones. Alguns dos pontos centrais eram mostrar que não temos liderança, que temos também pessoas em outras redes, e que não existem fronteiras definidas para o que é Bricolabs. Em determinado momento, eu peguei o microfone e falei que não queria ser rude (o que pode ter feito o lance ser rude de verdade), mas que achava que as questões colocadas pela organização do evento estavam ultrapassadas e não nos interessavam mais. Falei também que muita gente ali era "post-networked" (pós-enredadxs?) - não estamos mais deslumbradxs com o hype das redes: estamos atuando efetivamente em rede, e isso não precisa de argumentação em si.