Voltando do futuresonic

Voltei a Barcelona domingo à noite, depois de quatro longos dias em Manchester. Fui para lá participar do Futuresonic, principalmente os dois dias de Social Technologies Summit. Saí bastante satisfeito da conferência: um monte de gente interessante, conversas boas, idéias para futuros. Também tive a impressão de que, comparando com outros eventos do tipo, as pessoas estavam interessadas em dialogar, não se limitando a fazer suas apresentações e ir embora. Mais do que isso, achei as apresentações um pouco mais aprofundadas - mas isso pode ser porque eu fui praticamente obrigado a prestar atenção em toda a sessão de abertura, o que geralmente não faço ;) Também digno de nota é o fato de que o ambiente colaborativo criado pra acompanhar o Futuresonic foi efetivamente usado: antes de chegar em Manchester eu já tinha uma lista de amigos e algumas pessoas pedindo para encontrar ou enviando mensagens. Ano passado no Picnic, em Amsterdam, tentaram fazer algo parecido, mas eu não senti tanta apropriação (no bom sentido).
30
Saí de Barcelona na véspera do primeiro de maio. Fiquei um pouco receoso com carimbos no passaporte, expiração de vistos e coisas assim, mas acabou rolando bem. Desci em Manchester, tomei um trem até o centro e quase me perdi saindo da gigantesca estação Piccadilly (na verdade eu deveria ter descido na estação Oxford Rd, muito mais perto do hotel, mas ninguém me falou isso). Caminhei alguns quarteirões a esmo, até conseguir me encontrar nos mapas que ficam em lugares meio improváveis. Cheguei no hotel e larguei as coisas. Sinais de que estou na Inglaterra: a paisagem de tijolos laranjas por todo lado através da janela, e a chaleira elétrica com saquinhos de chá disponível no canto do quarto. No fim da tarde encontrei Vicky Sinclair e Mick Fuzz em um pub, e um pouco mais tarde conheci Simon Yuill, de Glasgow. Conversamos bastante, Vicky falou de seus planos de vida e projetos e intercâmbios. Assunto recorrente, que ainda apareceria nos dias seguintes com outras pessoas, é o Fórum Social Mundial em Belém, em 2009. Saímos dali pra comer um fast-food indiano daqueles (em que "mild, please" não parece fazer muito efeito).
1
No primeiro dia da conferência, eu era painelista na sessão Social Futures: havia seis pessoas falando, e eu e mais duas pessoas comentaríamos cada uma das apresentações. Cumprindo com minhas tradições pessoais, eu cabulei a pré-sessão às nove da madruga e cheguei a cinco minutos do início do barato. Tenho que admitir que ouvir e comentar cada uma das falas foi bastante complicado pra minha atenção fragmentada. Teve uma que eu perdi, e tive que responder com um 'não tenho nada a pergunta'. A vantagem desse formato foi que fiz um monte de anotações, que vou publicar em outro post. De modo geral, todas as apresentações levantaram questões bem interessantes em relação às terminologias de 'social' e 'amigxs' que são utilizadas nesse monte de sistemas online que existem hoje. Deu pra sentir uma resistência grande à idéia de 'virtualizar' todas as amizades, e o nível de diálogo foi bastante alto, com poucas exceções.
Saímos ao fim da sessão para almoçar e já conversar sobre a sessão que rolaria à tarde no Kro Bar, chamada "How collective is your revolution", capitaneada por Ele Carpenter, e que contaria com James Wallbanks falando sobre o Access Space em Sheffield e comigo falando sobre... MetaReciclagem, é claro. Combinamos alguma coisa bem solta, e antes da conversa começar ainda dei uma bicada no debate 'Collective Media', que agregou coisas como o projeto freewear de Geraldine Juarez; a pesquisa da blogosfera indiana do Ravikant Sharma, do Sarai; um vídeo dos manos do Platoniq sobre o Bank of Common Knowledge pra suprir a ausência do Olivier, e outras falas a que não dei muita atenção. Aí fomos pro nosso debate mesmo. Encontrei pela segunda vez na vida Tori Holmes, que está fazendo o doutorado na Universidade de Liverpool, a uma hora de Manchester. A conversa em si foi bastante marcada pelo contraste entre os diferentes contextos: o Access Space é antes de tudo um laboratório, um espaço físico de articulação de rede. A MetaReciclagem, em alguns sentidos, é exatamente o contrário: uma rede de agenciamentos que muitas vezes nem chega a se concretizar em ação presencial. A conversa também triangulou com Dougald Hine, da School of Everything - um projeto que tem bastante a ver com o BCK -, e com Tim Davies e Pete Cranston, que trabalham com a metodologia Open Space para desenvolvimento organizacional. Gostei bastante da conversa, a sala era pequena mas lotou.
Ainda no primeiro dia, perdi meu tempo assistindo à palestra do Gerd Leonhard. Eu já tinha ficado meio cabreiro com algumas coisas que ele falou na sessão de abertura. Na hora da palestra, piorou. Além do pieguismo dos efeitos de powerpoint e das repetidas tentativas de fazer declarações bombásticas, o que me incomodou mais foi uma mistura desequilibrada entre insights realmente inspirados e conclusões limitadas. Percebi que um monte de gente discorda dele, mas acho que são tantos os pontos e pequenos detalhes a refutar na apresentação que acaba dando preguiça de começar. O fato de que ele fala alto e tem carisma pra se impor mesmo com argumentação equivocada também dificulta o diálogo.
Ia rolar um show interessante, mas eu estava cansado e tinha perdido minha credencial. Passei num mercado pra comprar cerveja, cup noodles e um sanduíche, e fui pro hotel capotar.
2
Acordei com um fisgão no ombro direito. Devo ter dormido torto ou algo assim. Tentei fazer um alongamento, mas a dor era aguda. Recorri ao estojo de viagem do efeefe, com drogas brasileiras pra todo tipo de enfermidade, e uma hora depois estava sob efeito de anti-inflamatório: meio lerdo, meio irritado. Cheguei ao Contact Theatre no fim da apresentação do Stallman. Cheguei a estrimar pelo el o finalzinho das perguntas & respostas. Stallman cumpre seu papel de evangelizar, mas não se deve esperar novidade no discurso dele. Ele é bastante específico com os assuntos que quer ou não responder.
Nas sessões seguintes, além do mau humor por conta da dor no ombro, entrei em modo semi-catatônico com wi-fi. Respondi alguns emails e li um par de textos que tinha guardado. Fui almoçar com Paulo Hartmann, Marcelo Godoy e uma australiana cujo nome não lembro. À tarde, dei uma circulada nas três sessões paralelas que tentavam trazer a produção colaborativa para fora da internet: a primeira era uma mesa com 12 pessoas que podiam mudar de lugar; a segunda uma sessão aberta de conversas sobre a School of Everything; a terceira uma sessão de Open Space com Tim e Peter, mesas temáticas e rodízio, daquele jeito. Algumas conversas boas, algumas teimosias irredutíveis. Acabei ficando de fora, circulando e encontrando pessoas no café ali fora. Conversei um pouco com o Martin Giraldo, que contou sobre a cena na Colombia. A dor no ombro me levou de volta ao hotel pra meia hora de olhos fechados, um banho quente e um dorflex. Ainda peguei o encerramento do Summit com Drew Hemment. Palmas.
Atualizando: acabei esquecendo de comentar sobre a apresentação de Justin Hall, do PMOG. A idéia do projeto é interessante: identificar as gestualidades contidas na navegação cotidiana por diferentes partes da internet, e a partir disso criar um jogo que acontece 'passivamente': tá browseando, tá jogando. Fácil e simples, com emblemas e distintivos. A idéia quase se perde por causa da excessiva empolgação do Justin com a internet. Nortamericano geek meio estranho e otimista demais, daquele jeito.
3
Sábado foi mais tranqüilo. Não tinha nenhum compromisso específico. Passei no Contact Theatre pra ver se pegava o workshop da Geraldine Juarez, mas já tinha acabado. Fui conversando com ela (e vou escrever outro post só sobre isso) até Piccadilly Gardens, onde estavam rolando algumas intervenções de 'social media'. Fiquei um tempo por lá conversando com Ele Carpenter e Jake em um tapete-mesa cheio de comidas que tinha sido alguma ação mais cedo. Saímos para ver algumas das mostras que faziam parte do Futuresonic: o Cube tinha algumas peças eletrônicas meio fora de contexto, mas tinha um workshop bem legal, no qual as pessoas podiam montar seus 'livros de amigos' em papel, e dentro deles preencher seu perfil, estampar com carimbos suas listas de amizades de flickr, facebook, youtube e essas coisas. Lembrei bastante da oficina de colaboração lowtech / caderno 1.0 que fiz com o Maratimba no Com.Com em Itapeva, há quase meia década. Apropriação, reflexão, construção de histórico. Gostei. De lá fomos à National Gallery, onde uns suíços ou austríacos (ou ambos) montaram um 'chinese cybercafé'. Eles estavam meio perdidos, sem conexão direito, meio confusos. Mas foi legal pra conhecer o picidae, software fácil de proxy que faz screenshots de sites pra evitar censura. Um deles estava fazendo umas brincadeiras com feedback e realimentação gerados por delays em stream de icecast no pd. Ainda dei uma volta pelo centrinho e voltei pro hotel. Mais tarde, desci no (muito estranho) bar do hotel pra beber escrevendo e escrever bebendo.
4
Último dia. Chuva. Fechar a mala, check-out e tomar um táxi até o Zion Arts Centre. Era domingo e tinha pouca gente, mas deu pra perceber que o lugar é fantástico. Muito grande, com uma infra invejável. A idéia era fazer uma conversa sobre a experiência dos pontos de cultura no Brasil, que no ano passado inspirou um grupo de pessoas a se juntar pra propor a criação de um laboratório permanente dentro do Zion. As coisas não andaram muito desde então, segundo o pessoal de lá por conta de um monte de variáveis e uma falta generalizada de empolgação (eu comentei que não só empolgação, mas também confiança é necessária para esse tipo de coisas). O fato é que existe bastante gente fazendo coisas ali em volta, e ainda não se encontrou uma maneira de vencer os isolamentos. Falei bastante de processos, de engajamento, de sensibilidades e gatilhos de confiança. Mostrei alguns vídeos, repeti muito sobre MetaReciclagem (e pensando agora, tem alguns insights de mobilização naquilo tudo: a fisicalidade, os gabinetes pintados, o ir além do computador, o aprendizado distribuído, o 'pega aí e faz, mano' e outros elementos). No fim, participei pouco da conversa mais específica sobre como e quem e quando, perdi o interesse. Espero que a galera por lá encontre formas de se articular, porque tem muita gente boa e a estrutura é bem atraente. Mas enfim, eles que são brancos...
Às 15h, um carro me esperava lá fora. Tori foi com a gente até Liverpool e conversamos um pouco, chamei ela a colaborar com o Mutirão da Gambiarra e tal. Aeroporto John Lennon, segurança, aquelas coisas. Achei engraçado que dá pra comprar um passe pra evitar a fila da checagem de segurança, acho que umas três libras. Comprei uma versão de bolso do Silmarillion do Tolkien, e voltei para o calor de Barcelona.