Mobilefest - resumo da ópera

Dei uma circulada pelo MIS durante os três dias de mobilefest, na semana passada. Conheci um pessoal legal, e acompanhei algumas apresentações.

No sábado, primeiro dia, não cheguei a tempo da abertura. O pessoal já estava lá fora, aproveitando os coquetéis. Eu vinha da ressaca do almoço, e me esforcei pra uma conversa longa com uma gringa que a Fabi Borges me apresentou. Encontrei alguns conhecidos, incluindo o Palm e o Bambozzi.

Domingão, cheguei cedo pra acompanhar a oficina que ia rolar com o alemão Max Schleser e os canadenses Rob King e Geoff Shea. Tinha um pessoal interessante e boas possibilidades por lá, mas no meio do workshop o Hartmann nos chamou para uma pausa e a mesa que ia rolar lá no auditório:

16h às 18h- Mesa 1: CIDADES MOBILE
GABE SAHWNEY (CANADA), FABIO JOSGRILBERG (BRASIL), SERGIO AMADEU
(BRASIL), MARCELLO DANTAS (BRASIL), CHUN-CHI WANG (TAWAIN), GUSTAVO
SYLLOS (BRASIL)

Mediação: MARCO CHIARETTI (BRASIL)

Minhas anotações soltas, abaixo:

Gabe: Wireless toronto. Hotspots. Login, sem cobrança. Portal da comunidade local - evitar o efeito zumbi (pessoas conectadas mas ausentes do local). Feeds do flickr (lembrei da Fonera). Aspecto tecnológico, mas também o aspecto comunitário.

Marco: o aspecto comunitário é legal de explorar. Gabe tava falando que 0,4% da população da cidade acessa pelo projeto.

Fabio: coisas que preocupam. A chamada cidade digital. Telecentros. Implantação de computadores em Mauá. Pesquisa comparando 3 projetos brasileiros vs. 3 projetos europeus. Tiradentes, Piraí e Sud Menucci. Preocupação e probema em todos os casos: com qual cidade você sonha? Sonhos em cada lugar são diferentes. No Brasil o foco é a universalização do acesso. Na Europa, caráter complementar à vida da cidade. Projetos brasileiros com ênfase na escola, docentes. Europa, mobilidade e trabalho em movimento. França, área empresarial. Prefeitura liberava equipamentos, postes e uma empresa de telecomunicações opera. Em Bristol, é financiada por meio público. No Brasil, amarração de governos, empresas, e por aí vai. Pergunta: governos municipais têm que investir ou não? Depende do que você entende por papel do governo, do que você entende por pobreza. Milton Santos: pobreza não é dado estatístico, e sim político. Está vinculada aos objetivos que a sociedade traça pra si mesma. Se há pobreza, o governo passa a ter um papel. Pode ser, onde não há mercado, estimular a criação do mercado. Ou até oferecer o servico. A situação é contingente. Na França, mais interesse na internet como complementar. Pode ter regiões mesmo dentro da cidade européia que precisam do acesso, e aí precisa da intervenção do governo.

(a bateria do meu computador acabou, continuei anotando no caderno)

Marcello: Mobilização, mobilizar. Penetração do celular em 60% da população mundial. Celular como cigarro - alívio da ansiedade. Fez um paralelo desse momento com os anos 80, até inspirado pelo MIS. Sergio Amadeu discordou, falou que a rede é fundamentalmente aberta e sem controle e interconectada. Marcello falou sobre o projeto da Biblioteca Nacional de Brasília, que é horrível pra livros (o sol entra de manhã e à noite). Acessibilidade. Adobe center (!?).

Amadeu: fez uma defesa bem objetiva e correta da idéia de espectro aberto.

Chun-chi: não sabia o que estava fazendo lá.

Marco: em algum comentário falou sobre como a gente herdou a idéia de cidade de cima pra baixo - não foi um processo natural de evolução como na Europa. Existia uma norma que definia como uma cidade deveria ser feita.

Fiquei a mesa inteira esperando a sessão de comentários sobre as apresentações, mas o tempo estourou e não recebi o microfone. O que eu queria falar ia mais ou menos nessa linha:

* A conversa saiu do "cidade mobile" (que de qualquer forma pra mim não fazia sentido - que cidade grande hoje em dia não é essencialmente "móvel"?) e foi mais na linha de "cidade conectada". "Que cidade queremos" é uma pergunta profunda e fundamental. Eu acho que dá pra juntar a pergunta do Fábio com o comentário do Marco. E também inferir dos dados que o Marcello colocou sobre a penetração do celular no mundo que a própria idéia de "6 graus de separação" tende a se reduzir a potencialmente "1 grau" à medida que os celulares se disseminam (1 SMS de separação, de alguma forma, abstraindo custos, linguagem e intermediários - secretárixs e assistentes). Isso tudo muda profundamente a maneira como as pessoas conversam, trabalham e se relacionam. Imaginar a cidade que a gente quer para o futuro não pode se limitar a olhar o modelo mental de cidade que a gente tem hoje e ver o que falta. Precisamos reinventar o próprio conceito de cidade, e pensar em como a cidade pode ser modelada para facilitar o que precisa ser facilitado nessa nova vida e nesses novos fluxos de comunicação. Não é só internet de graça pra todo mundo, é pensar as conseqüências dessa hiperconexão no deslocamento, educação, saúde, trabalho, entretenimento e tudo mais. A gente ainda nem arranhou a superfície do assunto.
* A mobilização não é mais o que era. Política partidária parece uma coisa cada vez mais anacrônica. Daquele jeito: eu vou sabotar qualquer coisa do outro partido pra ele não levar vantagem. Quando estiver no poder, vou propor coisas parecidas e reclamar quando o outro partido sabotar. Política de massas passou. A política da multidão ainda não apareceu. No meio-tempo, ficamos nessa mistura de alienação e sensação de inevitabilidade.
* Acesso não basta. É uma luta antiga, simbolicamente ultrapassada. Tem toda uma questão longa, de cultura de uso, de como a gente aproveita a hiperconexão, e como a gente se previne contra abusos políticos ou econômicos. Lembrei do lançamento do internet of things do broda Kranenburg há duas semanas. (no dia seguinte consegui falar sobre isso, então comento abaixo).

Depois da mesa, fui embora. Voltei na segunda-feira, em cima da hora da primeira mesa. O MIS estava sem energia elétrica, e ninguém sabia por quê. Aproveitei pra dar uma corrida ao posto ali perto pra sacar uns trocos e comer alguma coisa. Obviamente, depois de meio quarteirão a chuva começou. Voltei pro MIS ensopado. Hartmann me apresentou ao Julien Ottavi, que tinha feito uma performance na noite anterior tirando som das emissões eletromagnéticas de diversos aparelhos e instalações. Na conversa, descobri que o Julien é um dos caras do apo33, grupo do qual eu já tinha conhecido a Sophie no ano passado, durante o Pedagogical Faultlines. Depois de algum tempo esperando ali na frente, o pessoal resolveu fazer a primeira mesa sem energia mesmo, lá dentro:

14h às 16h15 Mesa 1: DESIGN DE INCLUSÃO COM TECNOLOGIAS MÓVEIS
TARCISIO BANNWART (BRASIL), EDUARDO HENRIQUE MARCONDES (BRASIL)
CRISTIANO CORDONI (BRASIL), EUGENIO TISSELLI (ESPANHA), MARCELO RUBENS PAIVA (BRASIL), MARA GABRILI (BRASIL)

Fiquei meio de fora, só me meti a falar quando o Eugenio comentou as guerras do Coltano no Congo. Falei sobre consumo consciente. A galera achou que estávamos saindo do foco da discussão (e estávamos). Mais tarde, instigado pelo cara da AACD (não lembro do nome dele) que disse que não se podia contar com o governo pra nada. Discordei porque alguém estava elogiando as iniciativas da Barcelona, e eu comentei que Barça tem toda a tradição anarquista, e se o governo se mexe é justamente porque as pessoas se envolvem e fazem acontecer. Marcelo Rubens Paiva lembrou que o governo tem feito coisas, e que o próprio Lula se solidariza com a questão, mas que há muito ainda a se fazer.

Depois passamos a outra sala para a mesa seguinte:

16h30 às 18h30 Mesa 2: EDUCAÇÃO E INCLUSÃO COM DISPOSITIVOS MÓVEIS
PAULA CAROLEI (BRASIL), MARIO LYNCH (BRASIL), MARIANA DI STELLA
(BRASIL)SIMONE FREITAS (BRASIL),

Mediação: Paulo Hartmann

Hartmann: apresentou cada um. Falou que comparado com os celulares, um computador é caro, a banda larga é cara. "Dá pau". Dificuldades de fazer EAD para todas as plataformas possíveis.

Sandra: está fazendo o doutorado em antropologia social, realizando uma etnografia do uso de celulares em "comunidades de baixa renda". Pessoas que estão na comunidade. Não me lembro se foi nessa ocasião, mas a Sandra contou que já viu muitas vezes a garotada compartilhando músicas por bluetooth, o que eu achei bem interessante.

Mario Lynch, da Nielsen: apresentou algumas estatísticas. Telecom é 6% do PIB no Brasil. Existem 146 milhões de assinantes (em 2007 eram 121 milhões, 5o lugar no mundo). A previsão é 100% de penetração em 2010. Uso de "internet" - 7%. 60% desse uso é com SMS (achei confuso chamar SMS de uso de "internet", mas enfim...). 57% recebimento e uso de email (?) - limitação tecnológica. Nos EUA, a maior parte do uso de informação no celular é clima, tempo, etc. Na Índia, são games. Maior uso depois da voz: câmera. Seguindo: games, rádio FM, MP3. A pesquisa não tem estratificação social, só por idade. Falou que 3G e iphone vão trazer mais rapidez e acesso. Estrutura. Sites feitos para celular.

Hartmann: um amigo, integrador, falou que horóscopo é blockbuster em celulares.

Simone, do IPSO: pesquisa com jovens de periferia, teatro de rua, profissionais do sexo e usuários de lan-house. Programa "rede jovem", pessoal recebia mensagens por SMS. Repassam? Não repassam. Usam? Não usam. Mas se sentem "informados". Pesquisa em parceria com a UOC, de Barcelona (do Castells). Mapeamento de pontos de cultura e telecentros. Primeira coisa: resistência aos celulares na escola (postura radical, não de entender e trazer para perto). Resistência em geral na América Latina. Alunos desenvolvem formas diferentes de socialização. Importante os professores incorporarem. E-learning, mas pelo celular, PDA, notebook. Complementar conteúdos de sala de aula. Inovar nas estratégias. África: ligação barata, aparelho caro. Pessoal aluga aparelho. Professor manda conteúdo complementar à aula. EAD + SMS + Chats, etc. Celular pra publicar texto. Twitter. Turma. Microcontos. Gengibre - áudio, ligação.

Mariana, do IPSO: uso e apropriação. Além da comunicação oral. Periferia: celular caro. Status. Atrair meninas. Não têm grana pra internet, que é cara. Fotos do celular no Orkut. Despertador. Música e rádio. Fazer vídeos - Youtube. SMS - mostram no próprio celular. Coordenação regional da pesquisa: apropriação, antropofagia... (será que é aquele abaporu project?). Telecentros e pontos de cultura. Professores estão longe. Conteúdo local. Orientação de conteúdo pelo professor. Celular pode mobilizar. Orientado pelo professor.

Aí eu pedi a palavra e falei um monte, até demais... Que quase tudo que eu já vi de e-learning era na verdade "e-teaching" - tentativa de emular a sala de aula em ambientes online. Que os professores não vão liderar esse movimento. Que escola e "sala de aula virtual" por extensão eram uma estrutura de poder que não combina com as redes emergentes. Acho que falei de agenciamento de aprendizados no lugar da estrutura de "transmissão de conteúdos". No meio, tanto a Paula (que ainda não tinha falado) quanto o professor Hermes Renato, atrás de mim, estavam pulando pra responder ;).

Paula: coordena a pós em tecnologias da educação no Senac. Aliança entre aprendizagem formal e informal. Alquimia e novas tecnologias (quero ler!). Transpor conteúdo. Foco na atividade. Mobilizar. RPG - dramatização, mas online. Narrativa. Potencial simbólico. Apareceu um projeto: E-learning/quiz. Pergunta e resposta, não há criação. Saúde, meio ambiente (e perdi o resto). Ela bolou um processo de criar personagens, e escolher com qual personagem responder. Roteiros. Intencionalidade educacional. Todos os lugares têm dinâmicas de poder, que às vezes ficam maquiadas. Agenciamento. Complexidade. Celular tem potencial. Levou o projeto para o ensino fundamental. Saiu da lógica automatizada para a lógica colaborativa. "Aline tem o problema X. Se você fosse (pai/amiga/namorado) dela, o que diria?". Dinâmica de confronto. Um SMS dispara um monte de possibilidades. SMS: até no celular mais simples. Texto, fazer as pessoas imaginarem. Meninos querem saber: quem ganhou? Meninas querem saber a historinha - caráter confessional. Pensar em lógica de colaboração, e não enfrentamento. ARG (alternate reality games). RPG. Mago manda SMS.

Hermes Renato: levantou a questão de nativos e migrantes das novas tecnologias. Quem dá aula é migrante. "A gente é o poder". Lab na Unicamp. Como transformar isso em uma coisa lúdica. Projeto Mar Memorial Dinâmico. Reserva Carijós (SC). Real+virtual. Estudo de ambiente. Reconstruir o ambiente físico no ambiente online. Outro jogo: Sim City de formigas. Questões de biologia, etc.

Eu comentei que hoje em dia todo mundo é migrante: garotx de quinze anos já desatualizou em relação axs de dez.

(quem foi, acho que a Paula?) comentou sobre o Papert, e Paulo Freire. Fase de experimentação, e depois fase de instrução. Papert sugere: estender a fase da experimentação.

Jorge Lopes Ramos, brasileiro que comanda uma companhia de teatro em Londres, falou sobre algumas coisas que tem feito por lá, misturando teatro e celulares. Desde uma peça no trem, que um passageiro resolveu transmitir direto a um amigo pelo celular. Até coisas mais elaboradas, com o pessoal recebendo informações em tempo real enquanto assiste à peça. Achei interessante.

18h45 às 21h00 Mesa: NOSSO FUTURO MOBILE
EUGENIO TISSELLI (ESPANHA), GEOFFREY SHEA (CANADA), GABE SAWHNEY
(CANADA) ,MAX SCHLESER (ALEMANHA), ROB KING (CANADA)
GEORGINA MALAGARRIGA (SUIÇA), BRUNO BRESSANI (BRASIL)

Última mesa do evento. Por conta de todos os atrasos da tarde, ficou meio tumultuado - chamaram todo mundo que não apresentou a subir no palco, ao ponto de no fim da mesa ter mais gente lá em cima do que na platéia. Não rolou discussão, só statements de todo mundo sobre o que imagina ou espera para o futuro. Gabe e Rob King mencionaram coisas "open". Bruno falou alguma coisa interessante que eu não anotei, e também o Geoffrey.

No meio da sessão, mandei um SMS pro Hartmann pedindo pra falar no fim. Depois que toda a galera falou, recebi o microfone. Comentei que somente o "open" não garante nada: é possível usar software livre pra criar uma rede de vigilância impenetrável. O google usa software livre e censura resultados na China. Falei que é necessário dar um passo adiante (não me lembro direito como falei isso, acho que se fosse falar agora lembraria do "commitment" que o Stallman falou há algum tempo). Também consegui citar o Internet of Things, que eu ainda não li, mas cujo prefácio coloca uma reflexão importante: tecnologias semelhantes podem levar à evolução para a cidade do controle ou para a cidade da confiança. É questão de escolher e atuar em direção a qual delas a gente prefere. Acho que falei mais, mas tava cansado e não lembro direito :P

No fim, passaram o microfone pra menina loura, acho que da Estônia, que na falta do que falar elogiou o Mobilefest. O resultado foi a seqüência interminável de convidados pegando o microfone para também tecer elogios ao evento, o que por mais merecido que fosse não precisava de um microfone e quase uma dezena de repetições. Marcelo Godoy pegou o microfone e parabenizou as pessoas no palco, que segundo ele eram pessoas que realmente fazem as coisas acontecerem, em vez de ficarem reclamando ou abstraindo. Na hora, achei que era uma indireta ao meu comentário, mas deixei passar.

No fim, gostei do evento. A falta de energia não me incomodou. Pelo contrário, acho que agitou e aproximou um pouco as pessoas. Acho que a divulgação definitiva foi muito em cima da hora, e também achei os painéis - todos eles, mas em especial o último - muito librianos, harmônicos em demasia: na falta de uma proposição objetiva de discussão pelos organizadores, cada convidado falava sobre o que queria, e ninguém entrava em zonas de conflito e troca que poderiam ser interessantes para estabelecer as bases para futuras experiências realmente inovadoras. Fica a sugestão para o próximo: não ter medo de polemizar e tocar em temas ou perspectivas espinhosas.

Atualizando: tinha esquecido de referenciar o Jorge Lopes Ramos, do Medea e também não tinha comentado que conversei com Julien Ottavi, do apo33.