É difícil identificar, mas essa matéria do estadão, que entre omissões e equívocos chega a me confundir com o Felipe Andueza, deve estar ligada às respostas que mandei sexta para o jornalista lá. E olha que fui até bonzinho:
Você recebe muitas doações de aparelhos ou ainda é algo com pouca divulgação?
A MetaReciclagem começou há seis anos. Passamos por várias fases de alta divulgação e projetos estruturados, e várias fases de recolhimento e reflexão. O "ainda" na tua pergunta me incomoda um pouco, como se o caminho natural das coisas fosse crescer. Dentro do âmbito da MetaReciclagem, a gente fez uma escolha ainda em 2003, de não transformar a rede em uma ONG, e com isso fizemos indiretamente a escolha de não precisar necessariamente crescer. Pelo contrário, a MetaReciclagem evolui como rede: novas atividades começam em alguns lugares, atividades se encerram em outros lugares. Dessa forma, a quantidade de doações não é uma questão de muita relevância: alguns projetos precisam de mais doações, outros de menos.
A procura por esse tipo de projeto tende a crescer?
Acredito que sim. O crescimento exponencial nas vendas de produtos eletro-eletrônicos levanta a questão do impacto ambiental de toda essa tecnologia. O que a MetaReciclagem propõe já há alguns anos é apropriação crítica dessas tecnologias, que resulta na dinamização de potencial de transformação social a partir da extensão da vida útil desses equipamentos. Mas existe uma dimensão mais aprofundada: qualquer dispositivo eletrônico concentra, por essência, um monte de conhecimento específico. Desvelar e socializar esse conhecimento e, particularmente, aproveitar nesse processo a inventividade cotidiana presente nas culturas populares brasileiras, pode levar a níveis de inovação sem precedentes no uso e até no propósito dessas tecnologias.
Quantos laboratórios você já conseguiu montar?
Eu estive diretamente envolvido com a implementação de quatro esporos (laboratórios auto-geridos) de MetaReciclagem, e tentei ajudar de alguma forma a implementação de vários outros.
Quantas instituições (ou pessoas) você já conseguiu ajudar com seu projeto de metareciclagem?
Prefiro não pôr as coisas nesses termos, por dois motivos: a MetaReciclagem propõe uma descentralização integrada - as pessoas é que ajudam a si mesmas e a suas instituições. E por outro lado, não é uma ação particular minha: a MetaReciclagem é uma rede, que hoje é composta por mais de quinhentas pessoas. A rede, em si, está entremeada em algumas dezenas de projetos do terceiro setor, de diferentes instâncias do poder público e de grupos independentes. O alcance potencial disso é de alguns milhares de pessoas, mas é difícil precisar quantas.
Quando você troca de pc procura dar que destino ao seu aparelho usado?
Eu evito a compulsão de trocar de computador, e sempre que troco, acabo doando ou usando computadores em algum projeto de MetaReciclagem.
Quando você compra um produto você procura saber se a empresa faz algo parecido com seu projeto?
Existem empresas que investem em projetos de recondicionamento de computadores, mas ainda são poucas. Idealmente, todos os fabricantes de computadores deveriam apoiar esse tipo de projeto, mas muitos preferem ignorar o potencial social de seus equipamentos usados porque acreditam que isso diminui sua competitividade - ouvi falar de empresas que fabricam servidores corporativos que mandam destruir seus equipamentos usados para que eles não caiam no mercado paralelo.
Acha que a 'metareciclagem' precisa de mais divulgação?
"Mais" divulgação não é tão relevante: como uma rede, o processo de crescimento da MetaReciclagem é passo a passo, uma questão de compreensão e apropriação do discurso e de uma identidade coletiva. Se as coisas crescessem de maneira muito rápida, essa questão qualitativa poderia ser comprometida.
Como vocês recuperam as máquinas para que possam ser reutilizadas?
Quando a intenção é somente o recondicionamento - transformar computadores obsoletos em computadores utilizáveis - existe um processo de triagem e teste de componentes, e a posterior montagem dessas máquinas com as partes que funcionam.
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Jornalismo. Sei.