Ontem a gente saiu pra dar um rolê no
Fórum Social Catalão. Banquinhas e abaixo-assinados interessantes, alguns adesivos pra tampa do pretovelho (que essa semana recebe sua bateria nova e vira um computador portátil de verdade). Nas palestras, nada de muita novidade, não cheguei a assistir muita coisa, mas no geral deu pra sentir um pouco daquele clima do FSM. Peguei um documentário feito por um pessoal daqui, o Processo do Possível. Depois de assistir eu comento. Na cabeça, o tempo todo dialogando com o Mutirão da Gambiarra, que devo começar a agitar logo logo. Fiquei me perguntando o quanto a MetaReciclagem foi influenciada pela movimentação dos FSM. Que outro mundo?
Outra coisa batendo na cabeça esses dias é o tema da mesa-redonda em Berlim, web 3.0 - conspirando pra manter a rede pública. Eu tenho relido um monte de loas e críticas ao hype de web2. A crítica poucas vezes se refere às mesmas coisas. Concordo em alguns pontos aqui e ali. Mas me preocupa um pouco os fundamentalismos. Qualquer pessoa que tenha se envolvido de verdade com projetos de transformação social ligados a tecnologia sabe que se não tiver um perfil no orkut e conta no messenger vai ser esquecido em dois segundos. Dá pra pensar nisso como um uso superficial da rede, voyeurismo de coluna social, entregar nossa capacidade de relacionamentos de bandeja pra servidores corporativos que no mínimo ajudam a mapear públicos-"alvo" pra publicidade online, e no limite entregam nossa privacidade pra agências e governos de maneira no mínimo suspeitas. Difícil pensar em um futuro interessante com isso. Será que a rede aberta, livre e com privacidade está definitivamente comprometida? Tô brincando de ficção com um desdobramento dessa idéia, mas meu ficcionador é bem mais lento que meu blogueiro.
Mas também tem o outro lado, pensar a rede como caldo em ebulição que não se estabilizou (e quem diz que ainda vai?), e nessa onda tem uma outra questão: será que a geração dos noventas tá virando reacionária com novas possibilidades? A ferramenta que eu mais uso é o e-mail, e existe todo um código de utilização dele, a netiqueta nas listas, essa coisa toda. Eu sou o mais velho de 7 irmãxs, e me liguei que quanto mais jovem, menos importância se dá ao e-mail. Insistir em ensinar "o valor do e-mail" em oposição à rede social ou ao instant messaging não se compara àquelas ONGs que insistiam há alguns anos em ensinar a manobrar o mouse, decorar uns botões e usar editor de texto e planilha. Pra quem não acompanhou todo o processo de desconstrução dessa fase, só uma pergunta: pra que serve um editor de texto pra quem não tem familiaridade com o escrever? Pra quê planilha pra quem não sabe organizar informação (claro, o editor de texto pode ajudar a tomar gosto pelo escrever, a planilha pode ensinar a organizar informação, mas o foco desses projetos nunca tomava essa perspectiva). Há uns cinco anos, fiquei impressionado porque uma das minhas irmãs conversava e combinava baladas com as amigas só usando SMS e mIRC. Hoje me parece mais natural que outra irmã, de doze anos, não tenha visto os e-mails que mandei há dois meses. E-mail é coisa de velho, gente séria, que lê jornal, essas coisas.
Eu estudei quase a vida toda em escolas públicas em Porto Alegre. Por mais que algumas professoras, supervisoras e diretoras tentem fazer a diferença, o papel da escola pública é preparar mão de obra. Não seria diferente. Na sétima ou oitava série (ou nas duas, não lembro), em um dia da semana a gente almoçava em qualquer lugar e atravessava a Redenção pra ter aulas extra-classe ali num instituto na João Pessoa, na frente do antigo cinema Avenida. Eram quatro cursos: técnicas domésticas, técnicas agrícolas, técnicas industriais e técnicas comerciais. Varrer, plantar, mexer em instrumentos de carpintaria, construir um tear até que são coisas interessantes. Mas as técnicas comerciais eram as mais disputadas: tínhamos a chance de aprender datilografia, e o mais impressionante: preencher formulários e recibos. Nada de criatividade, inovação, gambiarra, empreendedorismo - os cursos só ensinavam a repetir coisas. Será que insistir no e-mail, editor de textos, planilha não é insistir nessa bitolação?