Resposta pra pergunta da professora Clarice Christiansen, de Est�tica e Comunica��o de Massa, que era algo como "� poss�vel afirmar, entre Literatura e Filosofia, qual tem maior valor"?
Eu:
N�o creio que possamos atribuir um valor maior � literatura ou � filosofia. At� porque, em alguns aspectos, fica dif�cil discerni-las. Pretensamente, a Filosofia busca a verdade, o funcionamento do Universo; enquanto a Literatura ocupa-se do evento est�tico, de (ao menos em sua forma ficcional, mais not�ria) estimular a imagina��o do leitor contando-lhe uma hist�ria ou, em termos mais modernos, reconstruindo na mente do leitor uma hist�ria semelhante (mas dificilmente id�ntica) � da mente do autor.
Entretanto, algumas ressalvas podem ser feitas. De acordo com alguns autores modernos, o estudo sobre a consci�ncia a respeito do ato de conhecer pressup�e que esse pr�prio ato � compreendido pela pr�pria estrutura que se tenta estudar. Ou seja, o conhecer � circular, e conhecer o conhecer � assim semelhante ao falar sobre o falar, a metalinguagem. Talvez "metaconhecimento". Onde eu quero chegar com isso? A busca filos�fica pela "verdade" est� limitada ao conceito de que existe uma "verdade". A busca do belo e do bom pressup�e que exista um belo e um bom, deixando assim de ser isenta. Al�m do que, a capacidade de compreens�o do ser humano est� limitada �s suas percep��es. E mais do que isso, qualquer que seja a "verdade" universal alcan�ada por determinado indiv�duo, no caso de extrapolar a raz�o, para ser transmitida ter� de ser reduzida � linguagem. � nesse sentido que muitas obras de cunho filos�fico acabam por ter uma conota��o liter�ria.
Por outro lado, a literatura muitas vezes esbarra na filosofia, na tentativa de unir a est�tica a um "algo mais" filos�fico. � a� que encontramos a filosofia (n�o sei como definir, "naturalista"?) de um Alberto Caeiro, heter�nimo de Pessoa; ou o ponto de vista de Jesus Cristo sobre sua pr�pria hist�ria e �poca por Saramago, ou o paralelo budista do Sidarta de Herman Hesse. A literatura entrecortando a filosofia, sem a limita��o da "moderna" prova cient�fica, trocando a "verdade" pela "imagina��o". Tratando a realidade com um certo desd�m (afinal, sendo ela inalcan��vel ou inating�vel, para que o rigor extremo?) e falando por vezes as mesmas coisas, por�m de uma forma muito mais atraente.
Entretanto, apesar de certas obras terem a possibilidade de compreens�o por ambos os lados, cumprem fun��es distintas de acordo com a conceitua��o que lhe damos. Se lemos "A Biblioteca de Babel", de Borges, com a inten��o de encontrar somente literatura, podemos sair levemente frustrados com a complexidade aparentemente sem necessidade, ou fascinados pela verborragia do argentino. Se a lemos com a inten��o de encontrar filosofia, podemos ver uma �tima met�fora para o universo. Mas o melhor a fazer � buscar ambas em uma coisa s�. S� a� � poss�vel ver a grandeza do conto (palavra de quem j� leu o "Fic��es" cerca de quinze vezes). Ou seja, a inten��o do leitor interfere na compreens�o da obra.
Tentando concluir: N�o � poss�vel atribuir uma hierarquia de valor entre a filosofia e a literatura. Ambas s�o atividades por vezes concorrentes, mas de maneira inst�vel.