Vou insistir no Lévy. "Inteligência coletiva"

Lévy, O que é o virtual, p. 120
Como coordenar as inteligências para que se multipliquem umas através das
outras ao invés de se anularem? Há meio de induzir uma valorização
recíproca, uma exaltação mútua das capacidades mentais dos indivíduos em
vez de submetê-las a uma norma ou rebaixá-las ao menor denominador comum?
(...)
A burocracia e as formas de organização autoritárias asseguram uma certa
coordenação [de inteligências], mas às custas da supressão das iniciativas
e do aplainamento das singularidades.
(...)
Eis algumas das normas sociais, valores e regras de comportamento que
regeriam (idealmente) o mundo da cultura: avaliação permanente das obras pelos
pares e pelo público, reinterpretação constante da herança, inaceitabilidade
do argumento de autoridade, incitação a enriquecer o patrimônio comum,
cooperação competitiva, educação contínua do senso e do gosto crítico,
valorização do julgamento pessoal, preocupação com a variedade,
encorajamento à imaginação, à inovação, à pesquisa livre. Teremos
começado a resolver numerosos problemas cruciais do mundo contemporâneo quando
passarmos a pôr em prática um funcionamento "culto" fora dos
domínios e meios restritos onde este geralmente se instala. Um dos melhores sinais de proximidade entre esse mundo da cultura e os coletivos inteligentes é
o seu compromisso (de princípio) de colocar o poder entre parênteses. O ideal
da inteligência coletiva não é evidentemente difundir a ciência e as
artes no conjunto da sociedade, desqualificando ao mesmo tempo outros tipos de
conhecimento ou de sensibilidade. É reconhecer que a diversidade das atividades
humanas, sem nenhuma exclusão, pode e deve ser considerada, tratada, vivida
como "cultura", no sentido que acabamos de evocar.. Em conseqüência,
[o itálico é meu] cada ser humano poderia, deveria ser respeitado como um
artista ou um pesquisador numa república dos espíritos.
(...)
Não nego a existência das relações de poder ou de dominação, tento
apenas designá-las pelo que sã: obstáculos à força. Pois uma sociedade
inteligente em toda parte será sempre mais eficiente que uma sociedade
inteligentemente dirigida. O problema não é decidir ser a favor ou contra a
inteligência coletiva, mas escolher entre suas diferentes formas. Emergente ou
imposta de cima? Respeitosa das singularidades ou homogeneizante? Inteligência
que põe em sinergia a diversidade dos recursos e das competências ou que os
desqualifica em nome de uma racionalidade ou de um modelo dominante?