O Intermanagers publicou um artigo de Saulo Porfírio Figueiredo. Aqui vão as minhas observações.

O autor não descreve, como a chamada e a introdução do artigo levam a pensar, uma nova maneira de captar conhecimento através do tráfego de e-mail dos usuários. Felizmente, porque isso envolveria alguns problemas sérios com privacidade. O que ele diz é que a Caixa de Entrada dos usuários de e-mail acaba sendo um bloqueio à colaboração, e cita também alguns problemas técnicos que me parecem ter menor importância (à mesma medida que o tráfego e o armazenamento aumentam, os custos relacionados aos mesmos caem). Acontece que não podemos evitar que os usuários queiram manter algumas coisas privativas. Nem tudo que circula em uma rede corporativa é ligado diretamente ao trabalho, e é bom que não seja, ou as pessoas enlouqueceriam.

As Knowledge Bases descritas no artigo são apenas uma das formas que pode tomar a colaboração através da tecnologia dentro de uma comunidade de prática. Para casos específicos, como automação do atendimento ao cliente e geração automática de FAQs, são escelentes. As vantagens são óbvias, mas para o trabalho colaborativo alguns problemas ainda não foram resolvidos. A estrutura de tais sistemas envolve um certo grau de colaboração, mas está baseada em um modelo de conhecimento digital, simbolista, lógico, vertical. O que eu quero dizer com isso? Aquelas idéias do final do século passado que queriam visualizar a Internet como uma grande biblioteca. Ok, ela pode ser uma grande biblioteca, mas também pode ser uma pilha enorme de papéis, uma folha em branco com lápis e borracha ao alcance das mãos, ou um fio com uma lata em cada ponta. Como isso interfere no comportamento das pessoas no trabalho? Bem, talvez eu tenha que ir mais a fundo. Vamos ao século XXI.

Ao contrário do que era a comunicação mediada pela tecnologia até há alguns anos atrás, a Internet possibilita uma nova forma de se comunicar. Uma possível explicação para a Internet é o modelo que Enzensberger propunha para o rádio (já me disseram, e eu não sou engenheiro eletrônico para confirmar, que qualquer aparelho de rádio possui quase todas as características necessárias para também emitir sinal). Ao contrário da visão integrada da comunicação em McLuhan, que via grandes benefícios na mídia de massa, com um emissor e vários receptores, Hans Magnus Enzensberger afirmava que todo ato de comunicação envolve manipulação. A partir dessa visão, defendia um modelo de comunicação em que qualquer indivíduo era potencialmente receptor e emissor de mensagens. Isso pode ser visto recentemente na Internet, na proliferação de blogs e assemelhados. Está certo que a maioria dos websites pessoais não diz muito além de "dei comida para o meu cachorro e ele não gostou", mas pelo menos 1% tem algo interessante, uma frase que seja, a dizer. Aí entra o excelente nome para o livro de David Weinberger, "Small Pieces Loosely Joined", que eu considero uma boa definição da minha experiência pessoal na web.

Voltando então à empresa: os funcionários estão tendo muito mais contato com a web. Milhões de pessoas estão tendo contato com a web. Mas ter contato com a web não é sentar e ficar recebendo informações. À medida que se aproximam a visualização da criação de mensagens, uma nova realidade estético-filosófica vai tomando forma, com o esvanecimento da antes total credibilidade nos emissores dos meios de comunicação (preciso dar exemplos?) e na consciência da capacidade de todos contribuírem na construção do conhecimento coletivo. As comunidades mundiais de desenvolvimento de software livre são um ótimo exemplo. A propriedade intelectual se flexibiliza e dá lugar à reputação. Pierre Levy já comentou o engano de muitos que falam sobre a "era da informação", afirmando que a moeda do "novo tempo" é a informação. A informação, afirmou Levy, se automatiza facilmente. O principal recurso será o relacionamento (mas não me lembro qual palavra ele usou).

E então voltamos aos modelos de conhecimento adotados pelas iniciativas em Knowledge Management. Knowledge Bases são bibliotecas, que precisam de bibliotecários para guardar os livros nas prateleiras ou ensinar os usuários a guardar os livros nas prateleiras. Eu adoro bibliotecas, mas comparando com o uso que eu posso fazer da Internet me incomoda que, em uma biblioteca, eu não possa retirar um livro, arrancar algumas páginas, inserir outras, reordenar as restantes e pintar um bigode na foto do autor. Porque na Internet eu faço isso.

O que o artigo publicado no Intermanagers descreve é a modificação do comportamento dos usuários por conseqüência da utilização de uma Knowledge Base. Mas vamos pegar um trecho do texto: "ao invés de entrar no e-mail". Bem, a relação com o e-mail já morreu por aí. Nunca vi estatísticas a respeito, mas creio que se não existissem os botões "Reply" e "Forward" em programas de e-mail, o tráfego seria notavelmente menor. Porque receber uma notícia pelo Outlook ou Eudora e encaminhá-la a meus amigos, colegas e parentes tem uma característica que Seth Godin, no Ideavirus, chama de Smoothness (aidna não via tradução). Ou seja, a facilidade de uso. É praticamente intuitivo. Agora, entrar no K-Base, preencher os campos solicitados, redigir uma mensagem de chamada, anexar o arquivo, bem, não me parece ter muita "smoothness". E mesmo que adapte-se o sistema para ser alimentado por e-mail, não vejo porque o usuário faria isso. Me parece que a adoção desse tipo de sistema por parte dos usuários só se efetivaria se imposta. E é um contra-senso falar em colaboração imposta.

Mas o que pode ser feito? Já existem algumas pessoas estudando os K-Logs, ou seja, a adoção do modelo hoje mundialmente aceito dos blogs dentro do ambiente corporativo. Os benefícios que os K-Logs oferecem são inúmeras. Começando por dar uma motivação para a colaboração. Se na vida pessoal as pessoas têm buscado reputação, dentro da empresa isso é ainda mais evidente. Nunca se sabe quando o colega ao lado pode estar em outra empresa indicando contratações. Nunca se sabe quando o diretor da empresa vai dar uma navegada na Intranet. Exatamente por esses motivos, as pessoas se esforçam nos k-logs, porque constróem sua reputação dia após dia. Mas o mais importante dos k-logs é a sua aproximação do modelo de cognição conexionista. Notadamente, o que gera visibilidade a um k-log não é o conteúdo publicado, mas os links que ele contém. Não o aprisionamento do visitante, mas a orientação para um passeio interessante.