Museu Iberê é a melhor resposta ao Pontal

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Uma das principais discussões políticas de 2008 em Porto Alegre foi sobre o futuro da área do antigo Estaleiro Só, no início da zona sul da cidade. Resumindo bem o caso, o pontal à beira do lago Guaíba era ocupado por um estaleiro da família Só, que faliu. Em 1999, a prefeitura instituiu um regime diferenciado para a urbanização do local, na forma da Lei 470. Depois disso, o empresário Saul Veras Boff, da SVB Participações, comprou por R$ 7,2 milhões o terreno em um leilão. O motivo do preço baixo foram os tipos de atividade permitidos conforme o Plano Diretor:

a) comércio varejista, exceto depósitos ou postos de revenda de gás, funerárias e postos de abastecimento que não estejam vinculados à atividade náutica;
b) serviços, exceto oficinas que não estejam vinculadas à atividade náutica;
c) atividades especiais, admitida somente a instalação de arenas esportivas, de marinas e equipamentos correlatos;

Pois bem, depois da compra efetuada, com plena ciência da lei, o Sr. Boff decidiu mobilizar um rolo compressor na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com o objetivo de mudar o Plano Diretor e permitir a construção de prédios residenciais, ainda por cima com uma volumetria muito superior à do resto da orla do Guaíba. É o projeto Pontal do Estaleiro, que pretende implantar prédios de até 12 andares à beira do lago.

O caso é complexo e o melhor mesmo é ler a matérias a respeito publicadas pelo Jornal Já, que é contra, mas também é o único veículo a realmente realizar um esforço de reportagem sobre o assunto.

Importante aqui é saber que os contrários ao projeto têm sido classificados todos como bárbaros viciados em ser “do contra”, incapazes de apreciar o progresso oferecido pela iniciativa privada. Alguns, de fato, o são. Outros, porém, simplesmente têm restrições de cunho urbanístico ou estético ao projeto em si, ou à forma pouco republicana com que o caso tem sido tratado pela Câmara de Vereadores e pelo Sr. Boff. As acusações de “petismo” ou “neoliberalismo” de lado a lado acabam por obscurecer o debate mais amplo sobre a cidade que queremos. Não consigo ver progresso em encher a orla de prédios quando há montes de espaço perfeitamente utilizável para todos os lados, alguns tão próximos do centro quanto o Pontal, como por exemplo o bairro Humaitá. Sugiro um exercício tanto para os contrários quanto para os favoráveis ao projeto: visitar o Museu Iberê Camargo.

O prédio de Álvaro Siza é um exemplo do que deveríamos esperar de nossa orla. Em primeiro lugar, o arquiteto português não se propôs a estuprar a paisagem, mas pensou uma construção completamente harmônica, que se aproveita dos pontos fortes da localização. Não é um delírio nouveau-riche remetente às cafonas Miami e Dubai, como o Pontal do Estaleiro. É sóbrio, elegante e funcional. Não à toa, jamais se viu qualquer porto-alegrense reclamando desse progresso.

Mais importante, de dentro do museu se pode ver o resultado deprimente da má arquitetura sobre a paisagem da capital. Das janelas se divisa a ponta sobre a qual foi construído nosso centro. Vê-se o Gasômetro, a cúpula branca da Catedral, até mesmo as linhas modernistas do Centro Administrativo e o Beira Rio, todas construções bonitas e acomodadas na paisagem. E então, logo abaixo, destacando-se, o horrendo Anfiteatro Pôr-do-Sol empreendido pela administração petista, uma pústula em amarelo e vermelho. Um pouco mais à esquerda, o que temos, elevando-se da orla como uma espinha no meio da testa da cidade, são os prédios residenciais e comerciais próximos ao shopping Praia de Belas, cuja construção foi permitida pelo pedetista Alceu Collares. Para encerrar o exercício, deixe-se apreciar a vista do Guaíba por um instante ao sair do museu, depois imagine como ela ficaria com prédios de 12 andares no lado esquerdo. É isso o que você quer para a cidade? Mesmo?

Ninguém em sã consciência pode ser contra dar algum destino mais civilizado do que boca de crack à área do antigo Estaleiro Só, mas o hábito degradante e muito brasileiro de progredir a despeito das leis e da racionalidade, na base do tapetão, é antes de tudo antidemocrático. Há sempre mais de duas alternativas em qualquer caso, apesar do esforço ddas partes pró e contra este e outros projetos pretenderem estabelecer que somente essas duas posições são possíveis. Pode ser difícil, pode tomar tempo e pode ser inclusive mortalmente entediante, mas a democracia funciona assim, com o amadurecimento das idéias por meio do debate.