Meu caro Antonio Carlos Viard, São Paulo é o recanto mais reacionário
do Brasil, concordo plenamente. Sou um genovês paulistano porque de
certa forma me acostumei. Mas a cidade mudou demais, aquela que conheci
em agosto de 1946 era muito diferente, embora a semeadura da
arrogância, a retórica da “locomotiva do Brasil” e da “metrópole que
mais cresce no mundo” começassem a deslanchar. Eu era muito menino, não
percebi. Um livro muito interessante, “Orfeu Extático na Metrópole”, de
Nicolau Sevcenko, conta essa história e localiza o momento em que a
terra das grandes greves organizadas pelos anarquistas e pelos
socialistas sucumbiu diante da prepotência dos senhores de café e da
indústria nascente. Início dos anos 20. Além do mais, São Paulo é feia,
cada vez mais feia, e monstruosamente desigual. O atual prefeito Kassab
esmera-se para tirar os postes da Oscar Freire, a rua das grifes, ou de
refazer as calçadas da Avenida Paulista, enquanto a periferia, e até
áreas menos plebéias, não têm esgoto e galerias de águas pluviais. Sem
contar a presença avassaladora de um esgoto ao ar livre representado
pelos rios Pinheiros e Tietê. De caso pensado, os donos do poder
paulistano cuidaram de racionar os espaços públicos até a penúria
absoluta. Houve tempo em que os habitantes iam ao aeroporto de
Congonhas e, deleitados, entregavam-se à sublime diversão proporcionada
por aviões que pousam e levantam vôo. Hoje vão aos shoppings, movidos
pela sanha consumista, ignaros e manipulados, a desconhecerem a
importância da praça onde o povo discute e enfrenta os problemas
coletivos. E os senhores, cheios de empáfia provinciana na exposição de
falsos refinamentos? Freqüentam a Daslu e a Expand, reúnem-se em happy hours
clangorosos e pelos restaurantes de uma ridícula “capital gastronômica
do mundo” onde é muito difícil comer bem, e pronunciam frases feitas,
lugares comuns e banalidades, aprendidos na leitura do Estadão, da Folha, da Veja e de Caras.Tudo isso e muito mais. Mas ainda volto pra lá ;)