Relato Paralelo 3 - Sessões

Tentando concatenar minhas anotações do Paralelo. Tomei notas no caderno e no computador, então pode ser que algumas coisas estejam fora da ordem. Outro risco que corro aqui é de escrever alguma besteira porque anotei porcamente, e esse post muitas vezes se trata de tentar interpretar o que rabisquei. Mas lá vai:

Domingo, cheguei pro brunch, participei do sociograma-no-papel, mas precisei fazer uma reunião rápida com Hernani e pixel, e acabei perdendo a sessão de abertura. Entrei no meio do primeiro painel, Reflexive energies, acho que na apresentação do Cícero Silva, do software studies, que parece tão institucional que não me atraiu muito.

Marcus Bastos trouxe a referência do livro Cradle to Cradle: remaking the way we make tools (McDonough e Braungart), que define o conceito de upcycle: usar material descartado para produzir novos produtos. A partir daí, tem uma piração de fazer produtos com polímeros que depois podem servir de matéria-prima para outros produtos. Lembrei da pira de possibilidades das reprap: impressoras 3d de baixo custo que trabalhem com esse tipo de polímero, "democratizando a fabricação de coisas". Segundo o Marcus, o próprio livro é feito com esse material. Mês passado, o Ivo do Waste.nl, tinha mencionado esse livro em uma conversa que tivemos em um intervalo de wintercamp. Vou atrás do livro.

Karla Brunet falou sobre algumas redes brasileiras, e deu exemplos de trabalhos delas. Contou da submidialogia e de como é organizada (ou não ;)).

Laymert Garcia dos Santos tentou inverter a perspectiva da arte, a partir da especificidade do Brasil. Para ele, é necessário criar uma relação nova: não mais arte contemporânea vs. arte étnica. Para o mundo da arte euroamericana, "os outros" são arte étnica, apesar de alguns desses outros se tratarem de culturas que não nasceram ontem. Índia e China são os exemplos óbvios, mas também a América do Sul e a África tinham suas tradições culturais que foram sistematicamente excluídas do circuito da arte.

O Brasil é um ambiente privilegiado. Tem dimensões continentais e uma grande diversidade de flora e fauna. É um país ocidental e também outro país, com culturas que produzem tecnologias sofisticadas. Ele falou um pouco sobre xamanismo e uso de Ayahuasca como uma tecnologia de resolução audiovisual, desenvolvida por 3000 anos. Comentou que a tendência que a gente tem é achar que precisa matar esse tipo de cultura para enfim nos tornarmos contemporâneos.

Laymert falou ainda sobre estabelecer outro tipo de articulação com nossas culturas milenares. Explorar a alta tecnologia e a tecnologia dos xamãs para lidar com o futuro da Amazônia.

Mais tarde, no debate, Laymert falou sobre a ópera da Amazônia, sendo desenvolvida em parceria com instituições européias. Rolou uma certa tensão (oba, debate de verdade, finalmente!) com a Analívia Cordeiro, que deu a entender que ele não tinha noção do que estava falando, que estava se apropriando de culturas tradicionais para bancar seu próprio projetinho. O atrito pegou meio mal, dois gringos mais tarde vieram me perguntar se era normal esse tipo de "apropriação" (no mau sentido). Argumentei que eu tinha excelentes referências do Laymert, que acho que a intenção dele não era só se apropriar, mas trabalhar essa questão simbólica da articulação das culturas tradicionais com o mundo contemporâneo mesmo.

De minha parte, peguei o microfone rapidamente pra tentar chamar a atenção para o fato de que falar só em Amazônia é cair no mundo reducionista da propaganda. É hipócrita quando a gente tenta contrapor o que ainda temos de Amazônia à Europa, que "já desmatou tudo o que tinha", principalmente se se leva a sério a questão da Mata Atlântica brasileira, que tem quase o dobro de espécies vegetais de toda a Europa, mais de 500 espécies animais que só existem aqui, e já foi desmatada em mais de 93%! Não podemos fazer de conta que temos qualquer coisa de mais ecológicos que o resto do mundo: só chegamos mais tarde na festa (e já destruímos bastante nesses poucos séculos).

Mais tarde, começou o painel de Case Studies, moderado por Rob la Frenais que começou falando do encontro ali como "largura de banda humana" (human bandwidth), imagem que eu gostei. Ele também trouxe o referencial de Donna Haraway - trigger data x black-box data (dados "de gatilho" e dados "caixa preta").

Jane Prophet falou sobre alguns de seus projetos (foderosos) como o cell, sobre desdobramentos de trabalhar com células-tronco (a ponto de chegar hipóteses úteis para a própria ciência, como a questão se existem objetivamente células-tronco ou se só existe comportamento de células-tronco) e contou bastante sobre o processo de colaboração entre cientistas e artistas.

Koert van Mensvort, da Holanda, apresentou o que ele chama de "Next Nature": natureza e cultura se fundiram, não existe mais a separação clara que havia há alguns anos entre as duas áreas. Falou sobre simulação, sobre jogo de memória fake. Olhando da perspectiva de um holandês, até consigo ver sentido: achei bem bizarro o exemplo que ele deu, do governo holandês comprando pequenos pedaços de terra de camponeses para regenerar a natureza que existia há alguns séculos (e se aquela raça de vacas não existe mais, importam da Escócia uma espécie parecida). Mas claramente ele não tem noção do tipo de natureza que a gente ainda tem. Um brasileiro falou: manda ele uma semana no mato e pergunta depois se natureza e cultura são a mesma coisa.

Mais tarde, Flavia Vivacqua fez uma apresentação rápida sobre o Coro Coletivo e sobre o Interações Florestais. Eu achei pouco tempo pras duas apresentações, mas já foi um alívio ver que tem mais gente querendo sair do mundinho falso da urbanidade moderninha e procurando alternativas reais. Fora que o mecanismo que eles encontraram, de ganhar um edital e depois redistribuir os recursos com uma chamada aberta, é um bom exemplo de como raquear a burocracia.

Broda Alê Freire fez uma boa apresentação que falou rapidamente de DesCentro, da opção pela desurbanidade e contou o desenvolvimento (ainda em processo) do laboratório 100 linhas. Ele falou da história lá do chefe índio de fazer as coisas pra sétima geração, que fez todo mundo pensar.

Ainda rolou a apresentação do Rombout Frieling, que falou principalmente de seu projeto de desenvolver uma alternativa às escadas e elevadores: uma estrutura vertical bem interessante como experimento.

Na segunda-feira, tive uma reunião pela manhã e só cheguei no paralelo no começo da tarde. Aparentemente, já tinha rolado uma organização coletiva da programação do Open Space para os dias seguintes. Pessoal estava reclamando, mas não parei pra perguntar por quê. À tarde, do lado de fora do MIS, sentados no chão, tivemos uma das conversas que eu achei mais interessantes do Paralelo: auto-organização, gang power, identidade, auto-sabotagem ativa, limites e articulação de redes, orkut, e por aí vai. Tapio, Flavia, Annette, Ivan, Roberta, James, Karla e outras pessoas estiveram bem ativas no papo. Acho (porque talvez tenha sido em outro momento) que cheguei a me repetir dizendo que no Brasil as redes estão presentes em toda parte e funcionam também como recursos para o dia a dia, e também que essa natureza nos traz possibilidades mas também muita instabilidade. Devo também ter falado do profundo nível de apropriação de tecnologias da informação dentro do crime organizado no Brasil: rola até central telefônica e equipe de telemarketing. Na quarta, o Bambozzi também tocou nesse assunto em sua apresentação.

Mais para o fim da tarde, apresentações lá em cima. Potira Preiss falou sobre a Gaia Education. Contou um pouco da história, falou do projeto Geese, comentou sobre o curso na Umapaz em Sampa, que também aborda um pouco da aplicação urbana das idéias de sustentabilidade, e sobre o curso que estava começando em Porto Alegre.

Ivan falou do projeto Gema, de Niterói, e sobre o laboratório móvel experimental. Fiquei pensando bastante nas mimoSas e em várias questões que eram importantes pra gente há uns cinco anos.

A sessão da noite era sobre pesquisa e prática transdisciplinares e estruturas de suporte, moderada por Bronac Ferran. Ela propôs a questão de como desenhar estruturas que apóiem prática, políticas públicas e pesquisa realmente interculturais.

Annette contou um pouco da cena em Amsterdam. Falou sobre o Virtueel Platform, uma instituição independente que trabalha com "eculture" (que não é digitalização, é cultura online) fundada em 1997. A VIrtueel Platform lobiava para os laboratórios de mídia. Em 2009 ele vira um instituto de setor. Comentou sobre o (un)common ground. Depois ainda contou um pouco sobre modelos de financiamento na Holanda: ciclos de financiamento de 4 anos, ligados ao ministério da Cultura, e arbitrados por comissões de experts independentes. Ela também falou sobre alguns projetos: killer.tv e couscous global. Deu a dica  da fundação Mondriaan como possibilidade de financiar intercâmbios.

Susan Amor fez uma apresentação meio sem brilho sobre o AHRC - Arts and Humanities Research Council, organização britânica que banca projetos de pesquisa. Falou sobre colaboração internacional e comunidade acadêmica. Quase dormi.

O professor José Geraldo veio para apresentar o caso do Vale do Sapucaí, que segundo ele é chamado de "vale da eletrônica", e uma prova de que investimento em educação dá resultados. Eu não conhecia, gostei de saber. Ele quase chegou no ponto de falar sobre apropriação simbólica, e quase falou em inclusão digital, mas o jargão dele é bem outro. No contexto do painel, entretando, não acrescentou muito.

Eu não prestei muita atenção à apresentação do Afonso Luz, mas do pouco que consegui apreender tive que concordar com os comentários de todo mundo: ele estava perdido ali, não tinha nenhum argumento pra apresentar. Falou sobre a cultura se bancar sozinha, mas patinou por algum tempo. No fim, rolou algum atrito da platéia, em especial quando Lucas Bambozzi perguntou o que o Minc tem contra pesquisa. Ele respondeu dizendo que o trabalho do Lucas era importante, e citou também alguns videoartistas. Não fez muito sentido. Me bateu rabiscar que "políticas públicas" no Brasil são outra coisa: não um fluxo objetivo, mas um campo de possibilidades operando totalmente na lógica de redes (com todas as suas conseqüências, para o bem e o mal).

O professor Calvin Taylor, da Universidade de Leeds, fechou a noite, com alguns insights interessantes e uma dose maciça de jargão de indústrias criativas. Disse, em outras palavras, que as redes estão fora da vida cotidiana, mas usou bastante a retórica enredada. Falou sobre a crise, bancos falindo. Comentou sobre a Letônia e a nova geração da Europa. Confiança social. Citou alguém (não peguei quem): "A arte não é sobre ela mesma. Ela é sobre todo o resto". Perguntou: financiamento? tecnologia (brinquedos para meninos)? internacionalismo? Retomou o papo de destruição criativa: não há um retorno simples para o estado centralizado. Disse que as redes estão ligadas ao pensamento utópico (o que etimologicamente até faria sentido, mas acho que melhor ainda seria pensar em extópico, heterotópico, ou talvez teletópico, né?). Disse que as redes, na verdade, baseiam-se no fechamento, exclusão e restrição. Que elas não codificam o conhecimento, porque são baseadas na confiança, não em accountability (não lembro como traduzir isso, talvez "responsabilização"). Perguntou: como as redes podem se tornar accountable ("responsabilizáveis"?)?

Muitos comentários na platéia, alguns totalmente sem noção. Até o microfone chegar à minha mão, eu já estava cansado e quase sem voz. Fui o último, todo mundo queria já ir embora. Mas tentei dar uma cutucada no professor Taylor sobre a retórica das redes, usando um argumento parecido com o que eu usei no wintercamp: o mundo ocidental tá ferrado, não são as redes que vão salvar. Por outro lado, a gente aqui não pode acreditar que vamos chegar a constituir uma sociedade ocidental nos moldes europeus (o que também esbarra na questão das políticas públicas pra cultura). Já perdemos essa época. O mundo mudou. Por isso mesmo, a idéia de "destruição criativa" não chega a fazer sentido (na linha do já batido argumento de que a Europa tem um grande problema que a gente não tem, a herança do século XX). Pensando bem, acho que isso é o que eu queria ter falado, mas na hora não consegui passar da metade disso. Só lembro que terminei falando que "a gente tem que parar de pagar pau pra gringo", e não sei se traduziram. Ele respondeu algo sobre as redes e o dia a dia, mas ninguém mais prestava atenção, nem eu. Nas minhas anotações, também achei outras coisas que queria falar mas perdi: no Brasil a gente aprende há tempos a lidar com crise, a conviver com o diferente (lembrei de Ruiz e Balbino falando sobre o panculturalismo brasileiro, em oposição ao multiculturalismo restritivo da Europa), a cultivar grupos informais, a socializar a confiança por meio de redes.

Na terça, depois de uma longa sessão de rede no Weblab, fui com pixel até o CCSP, pegamos alguns deles e rumamos pro Weblab Social, onde o Hernani já nos aguardava (já contei no outro post). Mais tarde, tomamos o metrô de volta, desci no CCSP pra pegar o carro que tinha ficado no estacionamento. Quase uma hora depois, cheguei no MIS. Sanduíche de metro e papos cansados.

Logo depois, começou a sessão da noite: pesquisa nômade e engajamento público. Tapio abriu, colocando algumas citações interessantes. Falou sobre a nuvem verde no pixelache de 2008, uma maneira de invadir o espaço urbano e propor outras formas de interação com a arte. Falou sobre as ilhas do báltico, contou do M.A.R.I.N, media art reseach inderdisciplinary network, projeto que está tocando de residências artísticas em um Catamarã. Pretende chegar com o barco na ISEA de 2009, em Belfast.

Deixou uma questão para os participantes e platéia: é necessário ser crítico de encarar ecologia como uma metáfora para estrutura em relação a um ambiente vivo orgânico e ameaçado do qual nós fazemos parte?

James Wallbank apresentou o access space, que tratou como um ferramental de re-avaliação (em inglês, tem uma jogada entre revalorização e re-avaliação que se perde na tradução). Mostrou algumas páginas do guia "crie seu próprio laboratório de mídia" (que acho que a gente vai traduzir). Falou da MetaReciclagem, e deu a entender que eles na Inglaterra estavam atrás da gente em algum sentido. Mais tarde, eu peguei o microfone e falei que temos ritmos diferentes: onde a gente tem dinâmica, eles têm profundidade. Onde eles têm envolvimento ao longo do tempo, a gente tem velocidade.

Wapke Feenstra falou de seu projeto Milk, no interior da Holanda.

Rejane Spitz, da PUC-RJ, falou sobre uma série de projetos. Trouxe algum referencial crítico das ciências do Roger Malina ("ciência íntima para olho nu"): comunidades para conduzir microciência, intimidade, ciência amadora, crowdsourcing. Falou do observatório livre. Comentou sobre o projeto Pimar, de monitoria remota de fragmentos florestais (e eu pensei na mata atlântica de Ubatuba). Deu exemplos concretos de por que a ciência às vezes é um atraso (coordenador de projeto falando em "home page", dezucéu).

Perguntou ao público: se artistas e designers são responsáveis por criar conscientização, engajamento, e também por provocar uma resposta, será que essa não é uma responsabilidade grande demais?

A apresentação de Dominic Price, Rachel Jacobs e Matt Atkins foi um pouco confusa (ou eu estava cansado demais, o que é certo). Falou sobre uma série de projetos do MRL, mixed reality lab, em Nottingham. Algumas anotações que fiz:

  • (hackers? cientistas? geeks?) frequentemente não têm um método de falar com as pessoas.
  • heartlands
  • dark forest
  • br163

Mike Stubbs, do Fact, já chegou com perguntas cruciais: o que significa ter um centro de artes no século XXI, e como trazer arte arriscada para o domínio público. Ele mostrou algumas coisas que tem feito no Fact (muito interessantes, na minha opinião). Numa provocação ao "ano da sustentabilidade", eles definiram o tema "unsustainability 2009". Mostrou também algumas coisas que estão disponíveis no Fact.tv. De respeito.

A noite encerrou com uma apresentação do vj spetto, com alguma pretensão e um inglês macarrônico, mas que no fim das contas conseguiu causar o incômodo que ele queria propor, a ponto de precisar explicar no fim que era só pra entretenimento. Falou/exibiu sobre europeus comemorando o global warming (verão mais quente), sobre a crise ajudar a espanha a se enquadrar no protocolo de kyoto (menos atividade industrial, menos poluição), sobre tudo na vida ser um jogo, sobre tudo que a gente faz ser bullshit, e que tudo no futuro vai ficar pras baratas.

Na quarta-feira, cheguei às duas e pouco no CCSP para fazer uma apresentação sobre lixo eletrônico. Não levei em conta o programa do evento, que dizia que era uma sessão fechada - convidei aliadxs a aparecerem, e apareceu uma meia dúzia por lá - Lu, Varga, Van, Jean e meu xará Andueza. Chorei um pouco mais de tempo (8 minutos com tradução intermitente é muito curto) mas não consegui chegar no fim do que tinha preparado. Mostrei um monte de fotos (vou disponibilizar o PDF em algum lugar, mas é um remix de material que já está lá no portfolio da MetaReciclagem), falei rapidamente sobre o ciclo do lixo eletrônico, da metareciclagem, da questão da sensibilidade de abrir caixas pretas e perder o medo da chave de fenda. Não rolou debate, mas depois alguns papos foram bons.

Na noite de quarta, todos os participantes fomos recebidos na casa do diretor regional do British Council para a América Latina. Alto de Pinheiros, casão, bebida na faixa e boca-livre. Mais conversas boas, inclusive com o dono da casa, que me perguntou "o que a MS acha dessa história de software livre" e teve paciência de me ouvir tagarelar por una 15 minutos quase sem respirar. Mais tarde ainda acompanhei alguns gringos que queriam conhecer o terraço do Unique. Puta ambiente estranho, mas ganhei um drinque de graça, então tá valendo.

Quinta de manhã fui fazer meu tratamento de canal, não fui na sessão de encerramento. Dizem que foi bem confraternização e agradecimentos, então acho que não perdi nada.