Perguntas sobre jornalismo colaborativo

Vi que o Träsel publicou as respostas que mandou para uma estudante de São Paulo, sobre jornalismo participativo. Eu também recebi as perguntas, e resolvi não pensar muito a respeito. Respondi na ordem que aparecem, fui um pouco redundante e eventualmente contraditório (tem um caminho alternativo pra ler essas respostas, pensando que não tinha uma opinião prévia, fui chegando a algum ponto à medida que lia as perguntas e respondia).

> 1- O que é jornalismo colaborativo para você?

Não tenho uma opinião formada. Me parece em grande medida
uma expressão hiperbólica como "web 2.0" ou "comunidades
virtuais" há alguns anos. Acredito em produção intelectual
colaborativa, e acho que é possível que aconteça na esfera
do jornalismo, mas é muito menos do que se fala por aí.

> 2- Qual é o papel do jornalista dentro do jornalismo colaborativo? Seria
> filtrar e checar as informações?

Pelo que entendi, estás tratando "jornalismo colaborativo" como
esses sites de publicação coletiva dentro da estrutura das empresas
de comunicação de massa, é isso? Se é esse o caso, e no Brasil,
acho que o papel do jornalista, infelizmente, é antes de tudo manter
as coisas sob controle, evitar que seus patrões sejam objeto de
acusações, e depois disso fazer o possível para que os seus sítios
mantenham uma aparência de colaborativos. Se, por outro lado,
queres pensar o jornalismo colaborativo sob uma perspectiva mais
abrangente, de ação em rede que se afirma de forma emergente,
de forma autônoma, o papel do jornalista é o mesmo de qualquer
outro nó de rede: interagir, reprocessar, misturar, interpretar.

> 3- Você acredita que existe jornalismo colaborativo no Brasil? Qual é a
> maior diferença entre os sites colaborativos daqui e sites de outros países?

Acho que existe jornalismo colaborativo no Brasil fora das redações,
portais corporativos e empresas de comunicação. Aquele jornalismo
essencial, até romântico, feito por pessoas que amam o que fazem.
E ele acontece em rede, o que torna menos relevantes as diferenças
para "outros países".
> 4- Quais são as diferenças entre o jornalismo colaborativo e o jornalismo
> tradicional?

O jornalismo colaborativo das empresas de comunicação mantém sua
fatia de poder se posicionando como mediador acreditado, com base
numa suposta autoridade herdada por décadas de dedicação à comunicação.
Se utiliza das redes e do ideário do conhecimento coletivo para se
afirmar mais "democrático". É nada mais que a estrutura tradicional de
poder se adaptando às mudanças do sistema. O jornalismo colaborativo,
digamos, espontâneo, autêntico, autônomo, é tão diferente disso que
nem preciso detalhar, né?
> 5- Acredita que conteúdos colaborativos podem um dia substituir o jornalismo
> tradicional?

Qual jornalismo tradicional? Aquele que se gruda ao poder, faz de conta
que busca ser objetivo e imparcial (quando qualquer estagiárix sabe que
imparcialidade em comunicação é conto de fadas), troca favores com
o pior tipo de político e corporações, e persegue adversários? Aquele
jornalismo feudal que é grande parte do que existe no Brasil? Infelizmente,
está longe o dia em que esse jornalismo vai ser enterrado. Mas eu rezo
bastante, e meu santo é forte.
> 6- Você acredita que o blogueiro pode vir a ocupar o lugar do jornalista?

Eu acho que não existe essa divisão. Alguns grandes jornalistas são
blogueiros, e vice-versa.
> 7- Quais são os motivos das colaborações ainda tímidas no Brasil?

Colaborações tímidas? Onde? Eu vejo um monte de colaboração rolando
pela internet. Ela passa longe dos portais das empresas de comunicação,
porque a maioria delas não quer largar o osso e delegar poder. Seus
objetivos não são honestos.
> 8- O que é necessário para cativar e fidelizar o público?

Distribuir dinheiro e exibir fotografia erótica. "Fidelizar" me soa quase como
cabresto.
> 9- No tempo que trabalhei na Sou+eu, sentia dificuldade e também percebia a
> dificuldade dos outros jornalistas, em manter contato freqüente com os
> colaboradores, em alterar muitas informações do texto, na rejeição do site
> da revista e também em pensar que jornalismo colaborativo é um jornalismo
> feito para o público C, fazendo matérias que se enquadram mais nos programas
> sensacionalistas da tarde. Pra você quais são as falhas que a mídia
> tradicional comete nos projetos de jornalismo colaborativo? Entra nisso
> também o despreparo da equipe?

Despreparo não sei, mas acho que tem duas coisas: o desinteresse em
saber realmente o que as pessoas pensam (colaboração obrigatória é
um contra-senso bestial), e o medo de se perceber irrelevante.
> 10-Por não existir legislação na internet, como fica a questão da ética?
> Como é possível manter a ordem em um site, sem precisar excluir os
> conteúdos?

Isso é besteira. A legislação existe na internet e fora dela. Tem que
se adaptar, mas a base legal existe. Não entendi tua pergunta. Não
vi nenhuma relação entre "ordem", "excluir" e "ética".

> 11-Como você vê o jornalismo colaborativo daqui a cinco anos? É
> uma moda ou veio pra ficar?

Qual deles? Não acho que as empresas de comunicação tenham outra
saída, mas seria muito mais divertido se elas realmente quisessem
colaborar com as pessoas lá fora. No Brasil, a impressão que eu tenho
é que o processo é forçado, muito mais uma coisa de seguir tendências
que as empresas de comunicação de todo o mundo estão fazendo do
que um real interesse em renovar o espaço simbólico que o jornalismo
ocupa. O cenário da comunicação de massa no Brasil é vergonhoso
pra um país que quer se dizer sério: concentração, interesses corporativos,
envolvimento escuso com política e interesses econômicos. Seria bom
que o jornalismo brasileiro quisesse se transformar de verdade. Mas
ainda não parece uma movimentação sincera, apesar das belas
exceções.