Lá pelo fim do milênio eu tinha um grande problema na vida. Era diferente de todo mundo e não tinha liberdade pra isso. Desde o segundo grau no Tubino, passando pela Fabico e chegando em sampa, nunca consegui me encaixar nos grupos de pessoas que existiam. Tinha minhas particularidades e incoerências que não cabiam em lugar nenhum. Me sentia julgado, sentia que o ambiente tentava me controlar assim. A tal da internet foi do carajo porque finalmente consegui encontrar pessoas que eram parecidas comigo ou que eram tão diferentes que não se importavam com isso. Interação com essas pessoas passou a fazer parte do meu cotidiano e eventualmente comecei a criar com elas coisas que viriam a se tornar até minha fonte de subsistência.
Mas foi um momento criativo que agora parece em refluxo. O que era um movimento ético, naquele sentido de ter a coragem de fazer o que se sente e pensa ser certo, tá se transformando cada vez mais num moralismo medíocre. De repente senti que ser diferente já não é mais uma vantagem, que eu ter minhas incoerências e não me encaixar no modelo doidão chinelo é caminho certo pra julgamentos. Que a ética colaborativa virou estética da pobreza e caminha pro moralismo coletivista. Que daqui a pouco eu vou ter que me sentir constrangido de ouvir um blues, beber um vinho não tão ruim, não ser vegetariano, gostar de conforto e banho quente, querer viajar e me divertir. E cada vez mais sinto que não sou só eu. Que a patrulha ideológica do coletivismo miserável não vai deixar os individualismos florescerem. Que o anarquismo moralista vai me deixar cada vez mais longe do que podia ser uma construção realmente participativa e inclusiva.