Inclusão digital 2.0

Há uns dias recebi (não lembro como) o link para última edição da Nebula, e um artigo chamou minha atenção: Digital Divide 2.0 and the digital subaltern (PDF), de Mike Kent. Ele começa interessante, adicionando duas camadas à tradicionalmente limitada perspectiva da inclusão digital (geralmente preocupada só com o âmbito de software e hardware): wetware (de certa forma aquilo que a gente definia como "interação" na tríade da informação livre) e cultware, "culture ware". Cultware tem a ver com o imaginário da rede, uma predisposição das pessoas a se relacionarem em um ambiente distribuído.

Depois ele traz algumas referências interessantes, como a diferenciação de Gramsci em relação ao intelectual tradicional (que atua, apesar das aparências, na manutenção do status quo) e o intelectual orgânico (que emerge das classes subalternas e atua como catalisador da transformação de consciência nessas classes). Mas fica nisso. A partir de um padrão encontrado nos Estados Unidos, de pessoas que não estão na rede e não têm nenhum contato com ela nem vontade de participar, ele infere a existência de uma classe de "subalternos digitais" e passa a traçar possibiidades de fazer frente a esse problema, que ele identifica como inclusão digital 2.0. Eu não sei de pesquisas semelhantes aqui no Brasil, mas me parece que o artigo trata uma realidade como problema, e isso não é necessariamente verdade.

A primeira limitação do artigo diz respeito a entender a inclusão digital como fenômeno atomizado e individual, que só acontece na frente de uma tela de computador. A segunda limitação é uma certa visão absoluta do que é a "cultura digital". Na minha opinião, "cultura digital" é um objetivo limitado. Se a gente inverter o processo e pensar em "cultura em rede", não faz tanta diferença se as pessoas mais cedo ou mais tarde interagirem com redes que decorrem de mobilização mediada pela rede. Mesmo que não façam idéia de que essa rede em algum ponto está conectada. Se alguma pessoa ouve de um amigo uma notícia que passou em uma rádio comunitária, que pegou essa notícia da internet, não tem aí algum tipo de conseqüência de cultura em rede, conectada? Será que todo mundo precisa sentar em frente a uma tela como eu faço agora para se dizer "incluída"? As pessoas conversam! Pode ser que tenha algum viés cultural aí: nortamericanxs isoladxs que não conversam com outras pessoas, ou o  próprio autor do artigo pensar mais em termos de acesso à informação do que em agenciamento de redes (e dá-lhe orkuche). Acredito (ou quero acreditar) que no Brasil a cultura é mais em rede do que individualista, mas isso é questão de fé. De qualquer forma, o artigo começou interessante mas depois de algumas páginas  parecia estar tentando resolver um problema que não existe. E isso pra não falar em outros dispositivos que potencialmente fazem uso da internet, mas passam longe de sentar em frente a um computador para acessar informação. Celulares, mimoSas, infornalhas, gengibres, até têm a ver com a tela, mas propõem um imaginário e uma gestualidade totalmente diferentes dessa. Me incomoda o fato de que em nenhum momento ele entrou no mérito de pensar pra quê as pessoas iam querer estar na rede: colaboração, cultura de interface(s), copyleft passam longe do artigo.

Mas vale pelas primeiras páginas.