Comunidade estética x comunidade ética

Ainda do Comunidade:

A necessidade da comunidade estética, notadamente do tipo de comunidade estética que serve à construção/destruição da identidade, tende por isso tanto à autoperpetuação quanto à autodestruição. Essa necessidade nunca será satisfeita, nem deixará de estimular a busca de sua satisfação.

A necessidade da comunidade estética gerada pela ocupação com a identidade é o campo preferencial que alimenta a indústria do entretenimento: a amplitude da necessidade explica em boa medida o sucesso impressionante e contínuo dessa indústria.

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Como as atrações disponíveis nos parques temáticos, os laços
das comunidades estéticas devem ser “experimentados”, e experimentados no ato — não levados para casa e consumidos na rotina diária. São, pode-se dizer, “laços carnavalescos” e as comunidades que os emolduram são “comunidades carnavalescas”.

Esse não é, contudo, o estímulo que leva os indivíduos de jure (isto é, indivíduos “nomeados” — aconselhados a resolver seus problemas por seus próprios meios pela simples razão de que ninguém mais fará isto por eles), que lutam em vão para tornar-se indivíduos de facto (isto é, senhores do próprio destino por meio de atos e não meramente em declarações públicas) a procurarem um tipo de comunidade que possa, coletivamente, tornar realidade algo de que sentem falta e que sozinhos não conseguem concretizar. A comunidade que procuram seria uma comunidade ética, em quase tudo o oposto do tipo “estético”. Teria que ser tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações inabaláveis, que, graças à sua durabilidade prevista (melhor ainda, institucionalmente garantida), pudesse ser tratada como variável dada no planejamento e nos projetos de futuro. E os compromissos que tornariam ética a comunidade seriam do tipo do “compartilhamento fraterno”, reafirmando o direito de todos a um seguro comunitário contra os erros e desventuras que são os riscos inseparáveis da vida individual. Em suma, o que os indivíduos de jure, mas decididamente não de facto, provavelmente vêem na comunidade é uma garantia de certeza, segurança e proteção — as três qualidades que mais lhes fazem falta nos afazeres da vida e que não podem obter quando isolados e dependendo dos recursos escassos de que dispõem em privado. Esses dois modelos muito diferentes de comunidade são muitas vezes misturados e confundidos no “discurso comunitário” hoje em moda. Uma vez misturados, as importantes contradições que os opõem são falsamente apresentadas como problemas filosóficos e dilemas a serem resolvidos pelo refinamento do raciocínio — em lugar de serem apresentadas como o produto dos genuínos conflitos sociais que na realidade são.