Campus

Eu sou daquelas pessoas que não consegue registrar eventos enquanto eles acontecem. Geralmente preciso de um par de dias depois para digerir tudo. No caso da Campus Party que rolou semana passada, eu preciso de ainda mais tempo. Talvez pelo alto envolvimento que eu tive com o evento por conta do Encontrão Intergalático de MetaReciclagem, talvez pelo mero cansaço causado por um evento tão grande em lugar tão insalubre. Dormi algumas noites por lá. Exagero: passei algumas noites lá. No domingo, dava as últimas caronas e cheguei a pensar que ia desmaiar de cansaço, pra depois chegar em casa e ficar sem sono. O ambiente era estranho, sugava energia pra caceta (com algumas exceções que restauravam, como o Campus Verde e o Metabar que a galera montava toda noite no estacionamento, pra fugir da proibição de beber álcool dentro do evento).

Mas enfim, sobre o evento. Eu pensei bastante antes de armar o encontrão por lá. É um evento corporativo, bancado por grandes empresas que não ligam pra gente, cheio de imbecis como o playnerd que armou confusão com o de leve e aquele bando de moleques achando que erguer cadeiras acima da cabeça e gritar como trogloditas pode ser chamado de protesto (pelo quê, eu me perguntava...). Eu sei disso tudo. Mas por outro lado, o evento é organizado por pessoas historicamente engajadas com o sofware livre no Brasil, e deu uma grande liberdade pra gente organizar o encontrão da maneira que quiséssemos, além de ter bancado a estrutura e algumas passagens.

Já há pelo menos três anos eu queria fazer um encontro de MetaReciclagem por si. Ou seja: em vez de aproveitar outros eventos (de pontos de cultura, de inclusão digital ou o que fosse) para encontrar as pessoas, conseguir organizar minimamente uma reunião de metarecicleirxs espalhadxs pelo Brasil. Na onda de retomar um tipo de conversa que a gente costumava ter em Sampa há alguns anos (no galpão, no mezanino ou em qualquer lugar da cidade). Quando as coisas se espalharam, a gente perdeu um pouco dessa coisa ritualística de reuniões em volta da fogueira pra contar histórias.

No fim das contas, mais do que retomar isso, também rolou uma reinvenção... cada pessoa nova que se aproxima muda essencialmente a maneira como a gente entende a si a ao mundo. Conseguimos levar adiante o encontrão de MetaReciclagem sem precisar fazer nenhuma oficina de montagem de computadores, sem precisar montar telecentros ou instalar GNU/Linux. Isso pra mim é a prova da realização de uma mudança conceitual que já tinha sido preconizada há tempos: não queremos saber só de computadores, não somos só micreirxs. Se já estava claro, agora ficou claríssimo, explícito, óbvio, que o que nos une não é a facilidade com máquinas de computar, mas essencialmente a figura metafórica da chave de fenda: abrir coisas, entendê-las por dentro, modificá-las. Também ficou claro que MetaReciclagem não é só uma prática emergente, mas um grupo que se reconhece, e daí derivam afetos, atritos, entendimentos e desentendimentos, e uma multiplicidade de níveis de confiança e intimidade. Uma tribo, recheada das figuras que precisam compor uma tribo. Fora que existe toda uma satisfação de poder finalmente conhecer expressões, trejeitos, sotaques e outros detalhes de pessoas que a gente só conhecia de e-mail. E ainda chegamos a montar grupos de trabalho e debater questões mais específicas, que vão ser documentadas ao longo dos próximos dias (semanas?).

Outra coisa importante é que o próprio encontrão era uma promessa antiga, mas não foi a única. Outras foram a oficina de MitoReciclagem com o Duende (que me parece que vai repercutir bastante) e o lançamento da primeira edição do Mutirão da Gambiarra, com direito a impressão experimental de 50 cópias (que esgotaram rapidamente).

Ao fim dos dois dias de encontrão, e ao longo de uma semana inteira de convivência, eu fiquei bastante feliz com o potencial que a rede é, e com a continuidade da abertura, diversidade e xemelê que sempre existiram. Um potencial que, claro, pode ser que nunca se realize de forma plena, mas isso é parte da essência da rede, e tema pra outras conversas.

Mais, muito mais sobre o Encontrão tá sendo publicado por aí. Estamos coletando e organizando tudo que aparece na frente lá no site da MetaReciclagem.

Atualizando, também recomendo a leitura de alguns posts meus no blog da MetaReciclagem: