Porto Alegre

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Fui semana passada a Porto Alegre, minha terra natal, a convite do GT de Cultura do FISL, o Fórum Internacional de Software Livre. Fazia muito tempo que eu não participava do fórum. A última foi em 2004, quando fui de carro com Dalton e Fejuada. Naquela vez conhecemos o Ian, junto com um monte de hackers do mundo todo que se reuniam na Debconf, visitamos o embrionário projeto dos Maristas que se tornaria o CRC de Porto Alegre e encontramos um monte de gente e projetos interessantes. Era o auge da época em que as redes ativistas de mídia, os produtores culturais, o software livre e pessoas envolvidas com políticas públicas se aproximavam, em uma efervescência de ideias e ideais que posteriormente se mostrou muito produtiva (e problemática, por certo).

Hoje os tempos são outros. O impacto inicial passou, a inovação foi assimilada e em alguns sentidos acomodada nas possibilidades da realpolitik. Um movimento forte de reação àquele potencial libertário está avançando a passos largos em quase todas as conquistas da última década. Pairam sobre nós as ameaças à privacidade, à neutralidade da rede, ao livre compartilhamento de conhecimento. O Ministério da Cultura, mais do que desacelerar, engatou marcha à ré, relegando à precariedade dezenas de projetos importantes de todo o país.

Perdi o primeiro dia de programação. Estava em trânsito desde Ubatuba: carona até Caraguatatuba, ônibus com escala em São José rumo ao aeroporto de Guarulhos, voo tranquilo até Porto Alegre. Nos dias seguintes fiquei flanando pela programação, feliz de reencontrar e conversar de novo com um monte de gente boa. MetaReciclagem está sempre nesses eventos, mesmo que implícita (talvez naturalmente implícita). Antes de tudo as redes de afetos, como profetizam Ruiz & Bailux.

Participei meio na diagonal do debate sobre Recursos Educacionais Abertos, organizado pela Bianca Santana. Estava ali feliz assistindo às apresentações de Sergio Amadeu, Nelson Pretto e Rejon quando fui convidado a falar. Não tinha preparado nada, mas tentei comentar que mais importante do que disponibilizar material com licenças livres é incentivar a sensibilidade de compartilhar, estimular que as pessoas percam o medo de "mexer" nas "criações" alheias, percam o medo de apropriar-se efetivamente não só dos objetos educacionais mas também dos processos que eles supõem e engendram.

A Transparência Hacker estava trabalhando em uma sala da PUC, e abriu espaço para metarecicleirxs que quisessem mesas, cadeiras e um wifi não tão ruim quanto nos auditórios. Aproveitamos para começar a debater por lá alguns planos que a Lelex está começando a desenvolver junto ao Memorial do Fórum Social Mundial que vai ser criado no centro de Porto Alegre.

MCT Livre?

A sexta-feira começou com boas perspectivas: Sergio Amadeu organizou uma conversa de integrantes de diversos grupos, redes e coletivos presentes no FISL com o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante. Alguns dias antes, o ministro já tinha dado uma declaração importante em relação à reação da imprensa depois dos supostos ataques a sites do governo: diferenciando hackers de crackers, defendendo a transparência e indicando que o MCT ia adotar medidas de transparência total nesse sentido. A conversa no FISL vinha embalada nessa perspectiva. Foi também na sala da Transparência Hacker - que ficou lotada de gente - que encontramos o ministro para sugerir caminhos e possibilidades de apoio ao campo mais amplo do conhecimento livre no Brasil.
Eu fui um dos primeiros a falar, e tentei trazer a perspectiva na qual tenho insistido, da inovação baseada em tecnologias livres. Comentei rapidamente sobre as pesquisas do projeto redelabs, buscando estruturas e modelos para operar na fronteira entre arte, ciência, tecnologia e educação. Chamei a atenção para um aspecto específico: o modelo de inovação. Enquanto ficarmos presos à inovação industrial, que é orientada somente por critérios de geração de patentes para exploração comercial, estamos desperdiçando um potencial criativo enorme. É importante estimular também inovação que tenha relevância social e educacional. Que trabalhe conhecimento de fronteira (o que eu comentei outro dia como "fazer o amanhã, pensando o depois de amanhã"). Comentei que existem iniciativas pequenas, granulares, que têm um papel fundamental nos tempos atuais. E que na política de inovação falta geralmente o aspecto de experimentação: de agentes criativos travarem contato com tecnologias, mas também de incorporarem as possibilidades de deriva, descoberta, do erro como matéria prima. Questionei a necessidade de ter objetivos fechados antes mesmo de começar a pesquisar. Sugeri que alguns caminhos estão sendo sugeridos no mundo todo com os hackerspaces, hacklabs, fablabs - que não desenvolvem somente hardware e software mas também maneiras de entender as tecnologias e seu papel na sociedade. Também propus políticas que tratem de tecnologia livre, em sentido amplo: não somente computadores e software como também linguagem, metodologias de aplicação de conhecimento. Que incentivem a deriva, a descoberta, o erro. Que estabeleçam meios de financiar projetos de fronteira, de maneira descentralizada e integrada.

Bastante gente falou naquela manhã - eu destaco a contribuição da Dani da Thacker, provocando uma reflexão sobre o projeto Cultura Viva que culminou com a ideia de "Pontos de C & T". Vi Mercadante fazendo anotações em seu caderno nesse momento, e me pareceu uma semente bem plantada. Houve também contribuições sobre dezenas de assuntos: hardware livre, fabricação, formalização de atividades, o engessamento dos fundos de inovação, e por aí vai.

Ao fim, o ministro tomou de volta a palavra e comentou alguns pontos que tinham chamado a atenção dele no discurso do pessoal. Em seguida, deu algumas sugestões de encaminhamento: apoio do CTI, medidas para desonerar a produção de hardware e software, para desburocratizar pequenos empreendimentos, para adequar os sistemas do ministério aos princípios de abertura e transparência. Comentou sobre a realização de uma olimpíada de tecnologia, análoga às olimpíadas de matemática. Por fim, pediu que todas as nossas contribuições fossem compiladas em uma proposta e apresentadas formalmente ao Ministério.

Eu confesso que me surpreendi com o nível de compreensão e abertura que Mercadante demonstrou ter sobre os temas. Até então eu tinha a impressão, principalmente por conta do episódio da Foxconn, de que ele estava totalmente alinhado com a posição que no limite submete o Brasil aos fundamentos da geopolítica atual - em que Europa e Estados Unidos projetam tecnologias e os BRICs fabricam coisas. Pela conversa, percebi que existe a possibilidade de criar estratégias mais inteligentes e dinâmicas. Resta saber se a burocracia vai potencializar essa visão ou tornar-se obstáculo.

A íntegra da conversa com Mercadante está disponível aqui (audio/ogg).

Centro, FSM, fim de FISL

À tarde, parti para o centro de Porto Alegre. Encontrei Lelex, Ruiz, Fernanda Scur e Adriano Belisário no subsolo do Memorial do Rio Grande do Sul. Conhecemos o espaço que vai sediar o Memorial do FSM, e ficamos algum tempo devaneando sobre possibilidades de ocupações metarecicleiras. O prédio era a antiga sede dos Correios, e isso pode ser um elemento forte - comunicação, circulação de conhecimento, aproximação de distâncias. Em momento oportuno a gente publiciza as ideias que surgiram, mas já adianto que são joinha ;).

Na saída, Capi Etheriel se juntou a nós. Ainda andamos um pouco pelo centro de Porto Alegre, em meio às minhas lembranças de infância e adolescência. Acabamos caindo na CCMQ para bebidas quentes. Saí de lá para visitas de família.

À noite, encontrinho espontâneo no Café Bonobo, no Bom Fim. Ambiente agradável, cervejas artesanais, comida vegetariana criativa. Micronação metarecicleira se aproximando. Ficamos um bom tempo por lá. Fê Scur levou o pequeno Léo, com seus onze meses recém completos. Eu e Capi aproveitamos a chance para matar a saudade de bebês de colo... conversas boas pela noite toda e a tradicional saideira na Lancheria do Parque.

Sábado voltei ao FISL para circular um pouco e encontrar mais algumas pessoas. Assisti à apresentação do Jon Philips sobre o Milkymist: um dispositivo para fazer efeitos de vídeo em tempo real, baseado totalmente em software livre e cujos esquemas de fabricação são também livres. O Milkymist é um projeto interessante em si, mas ainda mais importante é o que ele representa: uma solução de hardware desenhada por uma equipe pequena e coesa, que pode ser fabricado em qualquer lugar do mundo. E baseado em conhecimento livre.

Saí do FISL com a impressão de que o fórum está mais sério e objetivo. Em termos práticos isso pode ser positivo, mas sinto que aquele clima de fantasia, de invenção de novos tempos, de áreas nebulosas entre realidade e desejo, definitivamente se foi. Ressalvo somente a exceção do improvável canto cyberpunk dos maristas, que mantém viva a chama da gambiarra. No geral, entretanto, resta a fria eficácia da tecnologia como ferramenta. Espero que as próximas edições reativem a dimensão tecnomágica que tanto nos seduz & inspira.

A caminho da porta, ainda vi uma multidão de adolescentes com máscaras de V e assinaturas improvisadas de grupos de "segurança". Saí sorrindo.

A(á)gora

Para encerrar a tarde de sábado, voltei ao centro de Porto Alegre. Há alguns meses, circulou nas redes uma chamada por projetos de "tecnologias sociais" para a exposição do projeto Agora/Ágora, curado por Juan Freire com o apoio da Karla Brunet. Mandei um textinho sobre a MetaReciclagem, que acabou entrando. Não tivemos mais muito feedback sobre o evento. De qualquer forma, naquele sábado à tarde, último dia do FISL, ia rolar um debate sobre "Estratégias para Autonomia: Tecnologia e Inovação Social” com Juan e Karla, mais algumas pessoas de lá. Uns dias antes, avisei que estava na cidade e me convidaram a participar.

Fiquei sabendo que eles chamaram um pessoal de Porto Alegre para criar uma instalação sobre "MetaReciclagem". Cheguei lá e tinha uns três computadores velhos rodando linux. Não foi tão ruim assim, mas pra chamar de MetaReciclagem faltou informar na rede. De todo modo, topei o debate. Eu não conhecia o Santander Cultural, uma dessas megainstituições culturais ligadas a bancos que estão ficando comuns nos anos recentes. Dei uma volta pelo lugar, saquei a exposição do Agora/Ágora, desci ao café no subsolo para um chocolate quente (inverno gaúcho é frio).

Encontrei Karla no corredor e logo subi. Conheci finalmente Juan Freire, cujos textos eu leio e admiro desde que morei em Barcelona. O debate começou com Juan conceituando um pouco as "tecnologias sociais", falando sobre a primavera árabe e os 15M espanhol. Karla contou um pouco sobre os projetos que foram selecionados para a mostra online. Tinha também uma menina designer ou arquiteta, acho que da Unisinos, que mostrou um vídeo sobre "tecnologias sociais" com musiquinha de elevador que quase me derrubou de sono. Não consegui prestar atenção à apresentação dela, de tão entediante.

Em seguida, tomou a palavra um professor da ESPM, Felipe Scherer. Falou tanta baboseira corporativa que eu fiquei me coçando pra comentar. Usou como exemplo de inovação a campanha para criar um sabor novo de Ruffles. E ele parecia falar sério, como convém a esse tipo de gente. Incorreu um monte de vezes em metáforas militares ou da época da revolução industrial (impacto, atingir, concorrer). Falou que para obter impacto na sociedade são necessárias um monte de coisas (um daqueles slides de professor da ESPM). Entre elas, propriedade intelectual.

Aí chegou minha vez. Era tanta merda que meu xará tinha falado que decidi nem tentar rebater. Mais complicado do que o texto dele era todo o subtexto que ele implica, de legitimação de um estilo de vida consumista, alienado, distanciado, desumano, materialista, individualista e mesquinho. Mas deixei pra lá.

Acabei dando aquela geral sobre a história da MetaReciclagem. Uma história que eu repeti vezes sem conta, então não preciso contar outra vez aqui. Mas fazia tempo que eu não exercitava essa narrativa, e isso acabou trazendo alguns insights que vou explorar em outros posts no site da MetaReciclagem assim que der tempo.

O debate depois foi meio surreal, com um careca afirmando que Steve Jobs é o rei da inovação e besteiras parecidas. No fim, um garoto comentou que minha fala tinha deixado ele inquieto. Ele falou que não tinha entendido se a MetaReciclagem era "uma ONG, um coletivo, uma empresa, uma ação entre amigos...". Comentei que se ele fez essa pergunta é porque não tinha entendido mesmo. Que a MetaReciclagem não é nada disso. E não quer ser.

Gostei também dos projetos que os dois organizadores do Agora/Ágora, Aron e Daniel, estão começando a desenvolver, que têm a ver com a valorização do espaço público, fazer as pessoas repensarem a relação que têm com os espaços e a cidade. Eles chamam isso de Transvenção.

Semana corrida, muita coisa pra digerir. No fim das contas, apesar das críticas pontuais que eu faço aos dois eventos, eles deram motivo pra pensar. Voltei querendo agitar umas coisas da MetaReciclagem que estão meio paradas.

Vamo que vamo!

Mutirão da Gambiarra