Modelos e Perspectivas – Empyre

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http://culturadigital.br/redelabs/2010/06/modelos-e-perspectivas-empyre/
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Passei uma tarde da semana passada relendo o debate sobre Modelos e perspectivas para Centros de Mídia e Organizações de Arte em Rede moderado por Marcus Bastos em agosto de 2008 na lista Empyre. Na época eu estava cadastrado na lista, mas a vida estava uma correria e não consegui participar muito.

Marcus Bastos começou o debate com uma citação de Ned Rossiter:
existe uma necessidade urgente de novas formas institucionais que reflitam processos ‘relacionais’ para fazer frente a sistemas existentes de governança e estruturas representacionais ultrapassadas.

E na sequência fez referência ao texto de Michael Century, Pathways to Innovation.

Vale a pena ler o arquivo completo da discussão, mas escolhi alguns trechos interessantes, abaixo. Não me preocupei em manter a coerência das discussões, só pincei alguns parágrafos que podem ser relevantes na conversa sobre Redelabs. A tradução é minha, e com pouca revisão – deve ter alguns equívocos ou falhas.

Marc Garrett

a cultura é uma interface fluida, complexa e diversa, sempre em transformação e dinâmica. A chave é saber como nós, praticantes, podemos nos tornar agentes mais ativos dentro dessa interface múltipla. Se nós como agentes ativos estamos mais conectados, envolvidos nessa interface cultural para transformar contextos sociais através de nossas práticas criativas, então nós estamos transformando nossa cultura e sua interface.

Anna Munster

(…) os artistas terão dificuldades no futuro. Especialmente artistas jovens que não foram ‘adestrados’ no funcionamento das instituições e não necessariamente sabem como jogar o jogo duplo, ou seja, falar no jargão para obter dinheiro e depois fazer suas coisas. Se dão melhor aqueles artistas que se consolidaram nos confortáveis centros de pesquisa em arte-ciência dos anos noventa e vão obter os recursos porque sempre foi assim. A vantagem é que o trabalho deles geralmente é entediante, então talvez possamos ignorá-lo ;-) .

Marc Garrett

Talvez o mundo das ‘belas artes’ tenha dificuldades para ver a diferença entre arte-mídia e o trabalho digital criado sob o guarda-chuva das ‘Indústrias Criativas’.

Gabriel Menotti

Para ver o trabalho de outras pessoas (sejam imagens dele ou os próprios trabalhos/processos, desde que enredados), eu só preciso me conectar. A quantidade de recursos necessária para conectar-se é muito menor do que o necessário para viajar, por exemplo.

Simon Biggs

Um pouco de promiscuidade entre departamentos, instigado e acompanhado no nível dos indivíduos envolvidos, mas com os apoios institucional e de pesquisa necessários para fazer as coisas acontecerem, parece ser a receita de sucesso.

Na ciência isso não é nenhuma novidade. O novo é que os criativos podem agora juntar-se à festa com alguma coisa nas mãos. Isso estabelece uma sensação de equidade entre os diversos envolvidos que facilita muito a colaboração. A questão é se esse tipo de oportunidades será sustentado e aonde ele pode levar em dez anos.

Anna Munster

Eu sei que parece que a gente saiu um pouco da questão dos centros de mídia para redes e sustentabilidade, mas acho que existem conexões importantes. A conexão está no tipo de centro de mídia que queremos construir e imaginar para uma época vindoura em que a ‘tecnologia’ – como usada e abusada nos anos noventas – não será tão sustentável. Isso pode significar que aqueles ‘centros’ previamente dedicados a grandes projetos vão desaparecer e que nodos menores e mais distribuídos vão virar os lugares quentes… embora eu não tenha ido ao Node.London, eu acompanhei suas atividades à distância e acho que foi uma tentativa preliminar de fazer exatamente esse tipo de coisas.
(…)
De fato, ainda existe a sensação de que as novas mídias – com exceção de alguns bolsos – é curada fora das estruturas hegemônicas do mundo da arte, especialmente os circuitos de bienais e festivais. Mas eu ainda vejo terríveis curadorias de novas mídias por gente de novas mídias que continua priorizando a tecnologia como temática que sustenta as novas mídias. Então aqui diferentes estruturas hegemônicas estão trabalhando – a hegemonia das instituições artísticas e/ou a hegemonia de certas modas e formas, como os games. Apesar de que no fim das contas as duas hegemonias estão conectadas a questões de dinheiro!

Marc Garrett

Eu acho que o interessante no Node.London – que foi uma curva de aprendizado impressionante, mas também uma experiência dolorosa ao mesmo tempo – é que ele foi muito grande. Mesmo que houvesse muita rede, conexões e coisas distribuídas acontecendo ao longo do mês com mais de 150 projetos, e 40 nodos por toda Londres – na verdade havia uma atitude centralizada e uma conexão organizacional centralizada de pessoas, chegando até a cerca de 30 organizadores. Todos os outros se envolveram mais como nodos e espaços regionais, consistindo em parceiros. Esses parceiros eram instituições como o Tate, o Science Museum, o ICA, a Universidade Birkbeck, que ofereceram seus espaços para conferências, discussões on-line e como centros de encontros. Organizações menores como a nossa galeria (que na verdade é uma garagem), a Limehouse, Eventspace, Mediaspace, Area10 e mais um monte.
(…)
O maior problema foi que era um território novo para todos nós. Para algo assim funcionar melhor, eu acredito que deveria ser diverso em termos de infraestrutura, com nodos conectando-se uns aos outros durante o ano todo. Compartilhando recursos continuamente e compartilhando informação e ideias sobre como manter uma conexão menos centralizada. Eu penso que teria que ser um processo informado mais naturalmente que deixasse as coisas desenvolverem-se em estágios diferentes em tempos diferentes, localmente. Incluiria-se aí o uso ecológico e alternativo de tecnologias como um impulso mútuo, com habilidades compartilhadas e pagamento de acordo. Ideias mais abertas e encontros de vez em quando para lidar com necessidades locais em vez de objetivos gerais.
(…)
Eu sou muito otimista com as possibilidades de como as conexões podem ser mais funcionais, práticas e acessíveis entre as práticas das belas artes e da mídia-arte.

Simon Biggs

Precisamos nos perguntar por que os centros de mídia e as redes existem. Qual seu propósito? Eu argumentaria que um elemento chave em suas missões é estimular a criação de novas audiências para novas formas de arte, encorajar novas formas de engajamento público e questionar as frequentemente moribundas dinâmicas entre todos da área, sejam artistas, curadores, teóricos ou consumidores. Certamente, para mim, a razão principal para trabalhar com novas mídias é que elas oferecem novas modalidades de engajamento interpessoal. As práticas das novas mídias têm como fundamento uma conceitualização dos meios artísticos que exigem que sejam constantemente desafiados e questionados para que novos tipos de arte e novos relacionamentos entre pessoas possam ser forjados.

Johannes Birringer

[Posso falar da] minha própria experiência como diretor ou instigador de um laboratório de verão anual em uma pequena região no sudoeste da Alemanha onde se localiza o nosso Interaktionslabor.

Nós o temos realizado por seis anos, inicialmente apoiados pelo governo da região, e depois de dois anos nos tornamos autônomos e agora operamos de baixo para cima. A cada ano temos vinte ou mais artistas que se reúnem e trabalham intensamente no local por algum tempo. Não só artistas – nós recebemos qualquer pessoa interessada em “interação” (não exatamente a mesma coisa que a interatividade técnica, mas nós trabalhamos bastante com possibilidades de design de interface e comunicação).

A experiência de trabalho tornou-se uma experiência social e espiritual cristalizante. Ou seja, reunir artistas e desenvolvedores de software, performers, escritores com muitos backgrounds diferentes (culturais e profissionais). Isso trouxe algumas questões que não conseguimos resolver totalmente. Uma delas é a localização do lab e seu relacionamento com o desenvolvimento de infra-estrutura regional (envolvendo economia, e o interesse de alguns daqueles que inicialmente nos apoiaram e que acreditavam que a gente desenvolveria aplicações práticas e faria algum dinheiro). Também a questão de envolver audiências ou vizinhanças (o lab está localizado em uma mina de carvão e o vilarejo adjacente não se preocupa muito em pensar na gente)… quando convidamos o público, os artistas midiáticos ou as audiências interessadas em tecnologia vêm da cidade ou de ainda mais longe, mas ainda não está claro se os habitantes da região se preocupam muito com arte midiática ou arte digital.

Então a gente tentou várias táticas – convidamos salas de aula e educadores, trouxemos artistas convidados de passagem, convidamos observadores, a TV e o rádio, publicamos livros e catálogos (que não vendem, então a gente os distribui), temos um website, e trabalhamos em rede, e levamos o lab para outros lugares (fomos convidados a ir ao Brasil). E criamos peças que podem ser vistas em outros lugares, espaços, contextos, podem ser disseminados como objetos de mídia baseados em telas ou projetos online.
(…)
Como nos relacionar localmente com “nossos” espaços de arte midiática, ou gerá-los, e como nos relacionar globalmente com outros que a gente possa conhecer. Existe intercâmbio, cooperação? Existe um ‘circuito de festivais’ como existe nas disciplinas ‘hegemônicas’?

Marc

Estamos todos enfrentando a urgência de precisar que algo seja formulado e usado de modo que nós e outros possamos construir ou lidar com questões contemporâneas, ou outras. Mesmo que tenhamos o uso da internet para suportar nossos fóruns e ideias, estamos divididos por muitos fatores diferentes que têm a ver com nosso condicionamento social. Isso evita que a gente trabalhe junto tão bem quanto poderia. Precisamos de mais exemplos e modelos concretos de trabalho além de projetos que desafiem e critiquem. Estar engajado criticamente nem sempre ajuda, quando se trata somente de questionar e não de realmente oferecer alternativas fora das armadilhas em que estamos todos presos atualmente.

Johannes

Alguém pode perguntar qual é o relacionamento entre uma galeria ou organização independente como o Furtherfield e, digamos, o Culture Lab em Newcastle (parte da universidade) ou o Media Lab do MIT ou outros labs ligados a universidades (o Senselab está dentro da universidade?). Como as galerias ou labs que oferecem oportunidades de residências e exposições para artistas emergentes se relacionam, ou negociam, com as atividades discursivas e de pesquisa nas universidades (onde as ‘narrativas de pesquisa’ são frequentemente escritas). Onde se podem ler as narrativas de pesquisa dos independentes? Um grupo como o Transmute (ver aqui) poderia ter completado sua ambiciosa instalação de telepresença sem o financiamento e o suporte logístico de um monte de universidades?

Gisela Domschke

Eu aprecio muito o valor das organizações independentes, que existem pelo esforço do trabalho imaterial voluntário. Mas eu não acredito que isso signifique que o governo não deveria investir em ‘espaços abertos’ onde esses diversos nodos autônomos podem se encontrar e interagir.

Anna Munster

O Senselab não está baseado na universidade, mas está alojado na Sociedade de Arte e Tecnologia (SAT) em Montreal (que está alinhada de diversas maneiras com a Universidade de Montreal principalmente através do envolvimento de pessoal acadêmico nos dois lugares e através de alguns projetos co-financiados). A motivação para o Senselab era a princípio, acredito eu, fazer alguma coisa longe das restrições das agendas determinadas pela Universidade para produção de pesquisa. A motivação e o trabalho são totalmente voluntários, mas eles estão fazendo algumas coisas muito boas, incluindo organização de eventos, exposições e a nova publicação Inflexions cuja primeira edição foi sobre ‘pesquisa-criação’.
(…)
Eu prefiro um baixo nível de conhecimento técnico do que um baixo nível de conhecimento artístico! Essa questão de deixar a arte de fora dos programas universitários de arte e tecnologia acontece em todo o currículo atualmente e vai ser parte da problemática natureza futura da produção artística com inclinações técnicas. Até que a gente deixe de lado o atualmente limitado horizonte de educação universitária baseada em utilitarismo, não teremos uma boa interação entre arte e tecnologia com exceção de algumas pessoas que realmente acreditam no valor da história da mídia-arte, por exemplo…

Mas eu acredito sim que existam sinais em toda parte de que artistas, tecnólogos, produtores culturais e pensadores estão entediados desse modelo utilitário e que é por isso que pequenas redes sociais, festivais independentes, workshops, e até grupos de leitura estão voltando à ativa após o que parece ter sido um par de décadas esquecidos!! Então, eu me sinto esperançosa de que estamos vendo e ainda veremos arenas inteiramente novas e práticas de mídia-arte que incorporem essencialmente questões em dimensões éticas e sociais como absolutamente fundamentais (em vez de algo ‘para o qual’ se use a arte, por exemplo).

Danny Butt

Quando a gente discute ’sustentabilidade’, eu me preocupo um pouco sobre as iniciativas de Universidades que parecem depender da visão de um único funcionário da Universidade sobre o potencial do “externo” à instituição, e que este indivíduo tenda a assumir o papel de tradutor de atividades independentes (frequentemente pouco alinhadas às prioridades da Universidade) em formatos reconhecíveis institucionalmente. Talvez esse acadêmico sinta então que mantém um certo nível de ‘pesquisa real’ para ganhar validação e obter suporte para as ‘outras atividades’. Existem algumas oportunidades táticas excelentes nesse tipo de trabalho para redistribuir recursos para projetos temporários (eu mesmo tento fazê-lo), mas me parece que existe algo faltando no nível de ’sustentabilidade’, seja lá o que essa palavra horrível signifique nesse contexto.

Eu estou consciente de que esse tipo de ataques táticos à Universidade me parece menos importante do que a tentativa de alterar o tecido dela mesma fazendo-a mais aberta ao tipo de práticas inter e transdisciplinares que foram importantes para o meu próprio desenvolvimento. Esse é o trabalho um tanto lento de construir a agenda de pesquisa, ganhar registros de trilhas, obter financiamento, influenciar práticas de contratação. Resumindo, isso envolve a construção de uma comunidade dentro da academia, dentro dos termos internos à academia (de maneira crítica, é claro). E o trabalho fora da academia parece adquirir um papel mais específico como um ambiente de aprendizado coletivo através do qual eu me sensibilizo às limitações da própria academia que quero afetar. E talvez eu sinta que um pouco do meu (bem-intencionado) trabalho prévio tentando construir coisas fora da academia ao mesmo tempo em que trabalhava dentro dela sofria de uma falta de noção de realidade sobre meu próprio engajamento e capacidade de ocupar o mesmo espaço de alguém fora da Universidade.

Sally Jean Norman

Em termos de conexões institucionais, acadêmicas e públicas, o ZKM é engraçado – ou era, uma década atrás quando trabalhei lá. Ele tem/tinha conexões privilegiadas com a Universidade de Karlsruhe, uma das maiores e mais ricas da Alemanha, o que oferece um conjunto de conhecimento técnico para alguns projetos baseados em computação do ZKM, mas para artistas-estrelas do ZKM com seus próprios – e frequentemente anônimos – programadores pessoais, esse tipo de conexão não existia. Eu tive a sorte de trabalhar com um cientista da computação chamado Bernd Lintermann matriculado na Universidade que dessa forma foi parar no mundo da arte e interessantemente hoje dirige o Institute for Visual Media. A repercussão pública local era limitada às pessoas que atravessavam a rua de uma cidade muito conservadora; se não fossem atropeladas por um bonde ou desencorajadas pelo arame farpado em volta do prédio da Suprema Corte em frente ao ZKM (uma antiga fábrica de munição), eram sobreviventes curiosos. Os maiores públicos vinham de mais longe, direto do aeroporto de Frankfurt ou do outro lado da fronteira em Strasbourg para eventos prestigiados.

Sustentabilidade? Eu acho o termo em si sem sentido já que se trata de um enquadramento temporal – o que na França chamamos de conjuntura. Não é necessariamente um critério para mim a menos que estivermos falando de energias criativas. Sustentabilidade estrutural, organizacional ou institucional pode ser desejável mas pode ser altamente prejudicial. Sustentar a habilidade/agilidade de adaptação, de renegociar as relações, é crucial. O workshop do Senselab no Culture Lab no ano passado fez todo o sentido. Mas eu não tenho ideia se ele poderia acontecer novamente. Às vezes, para sustentar a energia criativa, a pessoa precisa abandonar a infraestrutura que era vital anteriormente. Panta rei. Desculpas para truísmos. Parte da busca de orientação.