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Estive em Madrid em Junho para participar do Labtolab, encontro de medialabs europeus (com muitos convidados latinoamericanos). Comecei a contar as prévias e a viagem aqui. Esse post é um relato do que rolou durante a semana que estive por lá. Ainda quero escrever outro com minhas reflexões sobre o processo.
No começo da tarde da segunda-feira, caminhei até a Plaza de las Letras. O Medialab Prado fica atualmente no subsolo da praça, com janelas viradas para uma rampa de acesso. Em um dos cantos da praça, uma tela digital gigantesca decora a parede do que virá a ser a nova sede do Medialab, com instalações quatro ou vezes maiores do que hoje em dia.
Descendo a rampa, já vi a programação do mês estampada na janela em letras adesivas, um detalhe sutil que mostra a preocupação do Medialab em ter uma interface pública, em vez de fechar-se no próprio umbigo. Em frente à escada que dá acesso ao subsolo, mais uma tela onde sempre está rodando alguma obra interativa. Abri a pesada porta. Logo na entrada, um monte de armários de tela com equipamentos e materiais, à esquerda. No lado oposto, o balcão de recepção, com material da programação corrente.
A área principal do Medialab estava montada como auditório. As cadeiras, então voltadas para o fundo, geralmente ficam dobradas e penduradas em uma estrutura de aramados na parede. Tudo muito móvel, mas bem prático e organizado. Ao longo da parede direita, uma fileira de bancadas com uns poucos computadores para quem quiser usar. Do lado esquerdo, a impressora 3D montada durante um workshop do pessoal do Makerbot.
O labtolab começou com uma apresentação geral do evento por Marcos Garcia. Comentou sobre o intercâmbio de modos de produção, a meu ver tão importante quanto a circulação da produção em si. Em seguida, se apresentaram pessoas dos laboratórios que organizavam o encontro. Gente de Nantes (Crealab), Bruxelas (Constant), Budapeste (Kitchen Budapest), Londres (Area10) e do próprio Medialab Prado. Também conheci pessoal de Lima (Escuelab), Córdoba (Modular), Tijuana (Protolab), Buenos Aires (CCE), Lisboa (Cultura Livre Associação) e mais um monte de gente. Muitas visões aproximadas mas com uma grande diversidade de métodos, perspectivas e atuação. Também conheci finalmente o pessoal do Marginalia Projects, de BH.
Para o almoço, os mediadores do Medialab levaram grupos de participantes para diferentes restaurantes. Tínhamos recebido envelopes com vales-refeição da produção do evento. Eu fiquei no grupo que foi ao indiano Ganga. Comida razoável, boas conversas. Cuauhtemoc, do México, contou sobre a estrutura e funcionamento do centro multimídia no Centro Nacional de Artes. Alejandro Tosatti contou sobre o que tem desenvolvido na Costa Rica. Allison Kudla, norte-americana, contou um pouco sobre sua vivência em uma escola de Bangalore (ela trabalhava junto com Victor Vina, que conheci no Brasil e foi a primeira pessoa que me falou sobre o Labtolab). Entre a comida e a sobremesa, comecei a sentir o jetlag batendo e saí pra respirar um pouco.
Voltamos ao Medialab para assistir as apresentações dos projetos que seriam desenvolvidos no Interactivos. Gostei da seleção de projetos, que tinham um corte muito interessante na perspectiva de ciência de bairro - o momento em que a ciência de garagem passa a buscar diálogo com a sociedade, em que o geek sai à rua e busca propósito para suas pesquisas. Não acho que todos os projetos compartilhavam dessa perspectiva, mas o contato entre eles certamente traria esse tipo de questionamento.
Não consegui estar presente na abertura da exposição Estárter, dos artistas colombianos na Offlimits. Fui pro hotel para dormir das 22h30 às 2h30, e depois ficar lendo RSS, escrevendo emails e esperando o tempo passar. Tomei o racionado café da manhã no terraço outra vez (com todo o cuidado para não acordar os hóspedes do último andar). Voltei pro quarto, fiz um alongamento, um pouco de exercício e meditei por algum tempo. Depois capotei por mais um par de horas.
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A terça-feira começou com a apresentação das comunicações do Interactivos. Perdi as primeiras, mas cheguei no meio da apresentação da Fabiana de Barros, falando sobre o Fiteiro Cultural. Depois, Gabriel Menotti apresentou sua comunicação Gambiarra - a prototyping perspective (que semana passada também entrou no metalivro Gambiologia). Allison Kudla apresentou o projeto Living Building. Me tocou ali não só a dinâmica de um laboratório totalmente móvel e potencialmente mais aberto ao entorno do que o normal, mas também a presença de uma sensação profunda de choque cultural para uma norte-americana que parece ter aceitado bem.
O almoço foi um piquenique no parque del Retiro. Todo mundo optou pelo mais fácil e encomendou sanduíches e alguma bebida. Fiquei conversando com o pessoal do Marginália, com Gabriel Menotti, com Kiko Mayorga do Escuelab, Wendy do Constant e outrxs. Voltei ao Medialab conversando com Marcos Garcia sobre projetos, escala, relações com a institucionalidade e outras batatas quentes.
A tarde começou com a apresentação dos tutores. Olivier Schulbaum falou sobre todo o histórico do Platoniq e sobre o Youcoop. Andrés Burbano fez uma apresentação sobre o trabalho de Konrad Zuse. Também apresentou-se Douglas Repetto. Meu amigo e bricolega Alejo Duque chegou no meio da tarde.
No fim da tarde, Landgon Winner, que estava de passagem por Madrid, contou sem muita pressa sobre como uma comunidade da qual ele faz parte conseguiu confrontar o poder de uma corporação (perdi os detalhes da apresentação por cansaço e algum tédio). Saí de lá para capotar uma horinha no hotel antes de colar no The Hub para um convescote com os participantes dos dois eventos. Queijo, salgados e cerveja na faixa. Os tipos de conversas e questionamentos que não rolam durante o dia. Alejo me apresentou para outros colombianos ponta firme, como Paula Vélez e Alejandro Araque (que durante a tarde já tinha levantado a questão sobre computadores usados em contextos rurais, etc.). Re-encontrei Alek Tarkowski, um dos cabeças do creative commons Polônia, depois de uns três anos sem vê-lo. Ele veio ao Labtolab porque está querendo criar algum tipo de espaço por lá.
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Na quarta, a programação seria em outro espaço. O Matadero é um amplo espaço com aquele visual de área industrial reformada. Lembrei do SESC Pompeia e da Casa das Caldeiras. Grandes paredes de tijolos descobertos. Muito metal e vidro. Intervenções arquitetônicas aqui e ali, uma exposição de uma artista colombiana que lembrava uma mimoSa. O Matadero sedia uma série de projetos. Um deles é o Intermediae, que se define como um laboratório experimental.
Cheguei no começo da apresentação dos coordenadores do espaço. Eles conseguiram negociar uma grande liberdade para implementar o projeto. Apesar de existir uma intenção de realizar exposições, eles conseguiram passar o primeiro ano sem se preocupar em expor nada. Como eles falaram mais de uma vez em laboratório experimental, eu aproveitei pra esticar por lá a questão que o Lucas Bambozzi tinha levantado aqui: se eles incorporavam o erro nos processos, e como. Eles disseram que certamente, o erro faz parte do processo - fizeram um evento que propunha que as pessoas gerenciassem a própria participação e ninguém fez nada, e isso alimentou as decisões para um evento posterior.
Em seguida, rolou uma sessão de prospecção dos futuros possíveis do Kitchen Budapest. A proposta era que a equipe projetasse onde estaria até 2020, em diálogo com todos os presentes. Depois da conversa beirar algum delírio de dominação mundial, cheguei a fazer uma pergunta tentando questionar a retórica de "laboratórios de mídia". Algo na linha de "já que agora em 2020, com a crise ambiental impossibilitando as viagens de longa distância e as novas possibilidades de telepresença, estamos todos aqui ao mesmo tempo nessa sala compartilhada virtual e em nossas casas; e agora que cada vez mais gente está usando os iBrains - implantes cerebrais proprietários da Apple que se conectam direto ao nervo ótico -, será que não é hora de parar de usar termos como 'mídia' e 'laboratório'"? Mas acho que não consegui ser muito claro lá (e nem aqui, na real).
Depois (ou antes, não lembro mais), os participantes foram divididos em grupos para debater duas de cinco questões propostas pela organização. Eu moderei um dos grupos, com Attila Nemes (Kibu), Rodrigo Calvo (Laboral) e Inés Salmorza (Universidade de Sevilla). Escolhemos as questões sobre sustentabilidade e continuidade. Gravei a conversa, vou publicar trechos nas próximas semanas.
O almoço foi um churrasco (ou a tentativa bem-intencionada de fazer um churrasco de hambúrgueres e linguiças) no Avant Garden do próprio Matadero. As conversas continuaram. Paula Vélez pôs som pra rodar no ambiente. Como o programa da tarde seria um planejamento sobre o próximo Labtolab, resolvi sair para a cidade. Antes, porém, ouvi uma participante perguntar em inglês sobre qual seria a continuação dos grupos de trabalho da manhã. Respondi alguma coisa, e o Menotti perguntou por que não estávamos conversando em português. Nos apresentamos, e só aí percebi, surpreso, que estava falando com a Lenara, que foi minha professora no primeiro semestre na UFRGS, quatorze anos atrás. Ela mora atualmente em Madrid, enquanto desenvolve o doutorado em Frankfurt, focando na interação colaborativa entre artistas. Me convenci de vez que o mundo é uma esfiha de carne quando descobri que o norte-americano amigo dela que estava ao lado contou que estava morando em Dresden, a duas quadras de onde eu morei há três anos.
Voltei ao Medialab no fim da tarde esperando um retorno das sessões de debate da manhã, mas o pessoal estava muito cansado.
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Na quinta-feira, a conferência aconteceria na Tabacalera de Lavapiés. É um lugar fantástico, uma construção enorme que foi uma fábrica estatal de tabaco, passou um tempo abandonada e depois foi escolhida para sediar um centro de artes. O projeto ficou parado um tempo, e mais tarde foi retomado como um centro cultural autogestionado. Um monte de gente de algumas dezenas de grupos independentes de Madrid estão envolvidos com La Tabacalera, que seria inaugurada no fim de semana seguinte à nossa reunião por lá. Começamos com uma visita pelo espaço, de olhos fechados e em fila indiana. Nossos guias eram os franceses do Apo33/Crealab, que estavam ocupando alguns espaços da Tabacalera. Passamos pelo porão, onde montaram um "medialab de alguns anos atrás".
Passamos por um saguão central e chegamos à entrada, onde fica um mural colaborativo com as tarefas atuais. Cruzamos o "espacio copyleft", no meio do qual fica o centro de controle das câmeras de segurança. Enquanto passávamos ao calmo jardim central, Julien Ottavi levantou um possível contrassenso entre a vigilância e o copyleft. Depois de alguma discussão, argumentei que o problema não eram as câmeras em si, mas quem tinha o controle das imagens - a ideia de código livre supõe justamente que a informação sobre os processos pertença a todxs envolvidxs, não somente a um grupo fechado. Talvez uma solução de segurança condizente com a ideia de copyleft não fosse a ausência de câmeras, mas definir maneiras de assegurar que toda a comunidade tenha acesso às imagens geradas pelas câmeras - o que daria inclusive mais condições para que a comunidade soubesse o que acontece nas diferentes áreas da Tabacalera.
Em seguida, nos reunimos em uma sala que parece um refeitório, ao lado do laboratório de molhos e aromas. Assistimos a uma apresentação sobre a história do espaço, as circunstâncias de sua criação e o envolvimento com a comunidade. A apresentação se alongou um pouco demais, e acabou atrasando outras atividades previstas para a manhã.
Saí no intervalo do almoço para ir ao centro, encontrar umas lembranças e presentes. Também comprei uma câmera fotográfica pra mim, depois de uns sete anos sem. Voltei à Tabacalera no meio da tarde, para a conversa proposta com os grupos latinoamericanos. Infelizmente, alguém decidiu separar em grupos de uma forma meio limitada: uma mesa de "brasileirxs", uma mesa de pessoas ligadas aos Centros Culturais da Espanha, outra de pessoas envolvidas com "laboratórios virtuais". Uma das consequências foi que os grupos latinoamericanos não tiveram uma conversa muito dinâmica entre si. Na mesa do Brasil estávamos eu, o pessoal do Marginália e Menotti, mais algumas pessoas que já conhecíamos de uma forma ou outra. Só reconheci o Josian, que havia conhecido em Barcelona, no meio da conversa. A conversa foi animada, mas acho que faltou um planejamento para mais intercâmbio e circulação entre as mesas.
Voltamos a pé ao Medialab Prado, para uma programação que começava com Pecha Kucha e continuaria com aperocodelab. Por algum motivo, eu decidi não apresentar nada na Pecha Kucha. Fiquei assistindo a uma série de apresentações que falavam sobre Medialabs em diferentes contextos e formatos, sempre tentando encontrar o que eles tinham em comum. Vi uma busca por expandir a experimentação não só em termos de produção efetiva como também de formas de relacionamento. Percebi de novo que a tradicional fórmula "arte, ciência e tecnologia" tinha quase sempre "sociedade" como um quarto elemento. Também passaram ali algumas pessoas tentando entender os medialabs (uma ou outra sem noção do que estavam estudando), e algumas iniciativas ainda bem no começo, mas com bastante potencial. O aperocodelab foi mais animado, e mais barulhento. Alejo começou de leve, mas no meio da apresentação do Ottavi poucas pessoas aguentaram o noise extremo.
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A sexta-feira seria o último dia de labtolab, começando na Tabacalera. Os participantes do Interactivos que haviam nos acompanhado nos primeiros dias já estavam totalmente imersos na produção dos projetos selecionados. Pela manhã, participei de duas sessões de trabalho. A primeira se chamava "Field of exchange: open call for residency, work exchange, mobilities". Conversamos sobre a necessidade de criar mais campos de intercâmbio de pessoas entre diferentes contextos - não só artistas como também o que o medialab prado chama de "mediadores culturais". O argumento deles é que o conhecimento sobre metodologia e produção também precisa circuar. Abrimos algumas pontas de articulação ali que espero poder desenvolver mais no futuro. Depois, segui para a sessão "Mapping Medialabs". Muita gente boa nessa sessão, que continuava uma investigação que já começou no primeiro encontro do Labtolab, sobre identificar espaços no mundo inteiro que podem se encaixar no cenário de laboratórios de mídia. Foi uma boa sessão de trabalho - saí de lá cadastrado em uma lista e tendo exibido algumas experiências com mapeamentos e afins.
Saí para a cidade - quando comprei a câmera, tinha esquecido de pedir a nota de Tax Free, e não queria perder 18 euros tão facilmente. Continuei caminhando, almocei em um restaurante vegetariano chinês, fiz algumas fotos. O programa previa uma sessão de encerramento do dia na Tabacalera depois do almoço, seguida por uma sessão de encerramento do labtolab no Medialab. Como já duvidava dos encerramentos diários e tinha necessidade de sentir a cidade antes de ir embora, decidi continuar caminhando até a hora da segunda sessão. Cheguei no Medialab na hora marcada. Só apareceram duas ou três pessoas do labtolab. Me disseram que por cansaço haviam feito tudo numa só sessão e que não rolaria o encerramento final. Fiquei bem decepcionado, mesmo ouvindo que o encerramento não trouxe muita novidade. Queria pelo menos encontrar as pessoas. Mas tudo bem, ainda restava a última etapa da programação conjunta Interactivos + Labtolab: o Dorkbot.
Caminhei com o pessoal que estava por lá até o Offlimits. No caminho, encontrei um cavalo de brinquedo, preto, muito pequeno. Tomei como um presente de Madrid. Chegamos ao local antes do horário. Pude ver pelo menos um pedaço da exposição estárter, cuja abertura perdi na segunda. Gostei das peças expostas ali. Saímos para comprar algumas cervejas, e na volta sentamos onde deu - eu fiquei no chão, no canto esquerdo. Assistimos à apresentação do Alejo Duque, falando sobre e mostrando o material que capturou, de uma galera de algum lugar do Brasil usando satélites pra comunicação absolutamente trivial - um uso totalmente imprevisto (e certamente ilegal) de equipamento quase ocioso que orbita a terra. Alejo também falou de um manifesto publicado há algumas décadas por nações equatoriais protestando contra a ocupação do espaço orbital acima de seus territórios por equipamentos de países muito mais ricos - uma ocupação que não revertia em nenhuma vantagem para os equatoriais.
Na sequência, Douglas Repetto do Dorkbot contou alguns causos e mostrou ao vivo a operação via rede de um plotter de caneta que estava em Nova Iorque, uma verdadeira façanha. Para encerrar, Brian Mackern mostrou algumas de suas obras ligadas à visualização de interferência eletromagnética ligada ao clima.
Na saída, acompanhei o pessoal que ia comer em Lavapiés. Ainda conversei com mais algumas pessoas, inclusive algumas que não tinham aparecido antes, e retornei para o hotel porque voltaria ao Brasil na manhã seguinte e ainda precisava resolver algumas coisas. Deu vontade de ficar mais e conferir a produção do Interactivos, mas não seria possível. Quem sabe numa outra ocasião (talvez do lado de cá do Atlântico...).