The Lab, Ars Electronica, ITU Telecom, Doha, Catar

Este post foi agregado por RSS. Link original:
http://redelabs.org/blog/lab-ars-electronica-itu-telecom-doha-catar
---

É interessante ler o relato do Ars Electronica sobre a participação deles no ITU Telecom World que aconteceu em Doha um mês depois da minha residência por lá. Aparece ali aquele tom triunfante, de quem se considera na crista da onda. Já tem algum tempo que tenho achado curiosas as comunicações do Ars Electronica - embarcando nessa onda da inovação com um pé no mercado, da cena maker como salvação do mundo, de adotar um vocabulário pesadamente comercial. E aí Doha parece um cenário perfeito, com aquele monte de dinheiro esperando coisas novas e coloridas nas quais investir (mesmo que produza mais lixo e plástico no mundo, afinal no deserto ninguém liga pra essas coisas). E no meio aproveitando para puxar o saco de umas autoridades locais,  - afinal precisamos garantir os próximos projetos, certo?

O contexto era o encontro do ITU, agência da ONU voltada às tecnologias de informação e comunicação. Ars Electronica montou ali "The Lab", demonstrando uma série de trabalhos contemporâneos que misturam arte, design e tecnologia. Alguns deles são até interessantes, claro. Gostei do LillyBot e do Mobile Hydro Rotor, por exemplo. E outros velhos conhecidos como o Protei também estavam por lá. Mas o problema não são os projetos, e sim o contexto. Um "lab" (que pelo que entendi era muito mais feira de negócios do que laboratório de fato, mas vá lá) organizado pelo Ars Electronica dentro de um evento do ITU em Doha me parece uma sequência de decisões questionáveis. Toda novidade ali estava devidamente domesticada. Mudança? Só se puder ser quantificada nas bolsas de valores. Os criadores, artistas, designers - coitados - só estavam ali como laranja para preparar um suco que eles mesmos não vão beber.

Posso parecer hipócrita - afinal eu mesmo estive no mesmo Catar, bancado pelos mesmos gasodólares, trabalhando com um pessoal que está com um pé dentro dessa cena maker que a mim soa como gambiarra gourmet*. Mas o que eu tentei fazer por lá foi justamente desviar o pessoal do pensamento de mercado, questionar a produção industrial e tudo que ela traz de difícil, e sugerir alguns caminhos igualmente incipientes mas, quero acreditar, muito mais carregados de significado do que esse bom-mocismo que transparece do post do Ars Electronica.

Acho curioso que eu só tenha lido esse post agora, depois de ter publicado meu próprio relato de Doha. E também hoje li uma entrevista com o Mitch Altman do Noisebridge, no fim da qual ele fala com aquele jeito bem californiano de idealista sem noção:

Costumava haver empresas com departamentos de pesquisa. E algumas delas costumavam autorizar pesquisa "pura" - na qual as pessoas que trabalhavam lá eram encorajadas a explorar qualquer coisa que as intrigasse (mesmo que não houvesse maneira de traduzi-la em lucros). Isso é muito raro hoje em dia, pelo que eu sei. A menos que você procure em um hackerspace - onde isso é a norma.

Infelizmente, apesar das boas intenções que acredito que Altman professe de maneira genuína, essa transformação não é um acidente. Hoje, de fato, as empresas podem focar todo seu orçamento de pesquisa em projetos medianamente lucrativos. E a pesquisa pura vai ser feita por hackers, acadêmicos, artistas e amadores, de forma precária e apaixonada. Mas toda vez que aparecer alguma coisa lucrativa de verdade, o capital pode entrar rapidamente, capturar e desestruturar esses espaços supostamente "autônomos". E aí essa gradual mutação do Ars Electronica - de espaço dedicado ao desenvolvimento do campo da arte eletrônica a organizador de eventinhos de inovação para divertir burocratas, executivos e lobistas com suas gravatas e vidas previsíveis - me parece não só inadequada como também entediante.

* Acabei nem contando no meu relato de viagem, mas à mesma época em que eu estava em Doha aconteceu o Wise Summit, um grande evento sobre educação. Daqueles cheios de palestrantes bem ensaiados e discussões que valem algo ou são por quilo. Dentro do Wise estava rolando o "Learning Festival", que supostamente tratava de "usos criativos de tecnologia na educação". Na prática, a parte pública era uma exposiçãozinha besta de fotos de crianças estudando em diferentes partes do mundo e umas banquinhas com eletrônicos nascidos na cena maker, mas quase todos eles fechados e com usos predeterminados. Mais uma vez, inovação controlada e inofensiva. De todo modo, foi uma boa oportunidade de visitar a Katara, um lugar único que me fez pensar no Imortal de Jorge Luis Borges (fotos abaixo).

 

 

Tags: tripqatarcatarituars electronicaredelabslabarte eletrônicaCategoria: eventos