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No começo desta semana, participei do Fórum Setorial de Cultura Urbana e Digital promovido pela Fundart. Os fóruns setoriais fazem parte da construção da Conferência Municipal de Cultura de Ubatuba, cuja quarta edição acontece em cinco de setembro. Conversamos um pouco sobre políticas culturais e sobre o papel que o digital pode assumir, especialmente de transversalidade entre as áreas da cultura que usualmente trabalham em separado. Ao final, elaborei minha contribuição preenchendo o formulário distribuído aos participantes do fórum. Segue abaixo minha contribuição formal:
4a Conferencia Municipal de Cultura de Ubatuba
10/08/2015 - Fórum Setorial de Cultura Urbana e Digital
Vocações e potencialidades
* A sociedade de Ubatuba faz uso corriqueiro de mídias digitais, em especial das redes sociais via internet. Mais do que em outras cidades, esse uso é reforçado pela necessidade - a cidade é extensa, geograficamente fragmentada, e não tem veículos relevantes de comunicação de massa.
* Produtores culturais locais já adotam, mesmo que de forma amadora, ferramentas digitais de comunicação para a elaboração, coordenação, divulgação e difusão de suas atividades.
* A qualidade de vida em Ubatuba atrai cada vez mais profissionais renomados ligados às tecnologias da informação.
* Ubatuba tem dois fortes cursos técnicos públicos de informática, na Etec - Centro Paula Souza e na Escola Tancredo Neves.
* Desde 2012, a cidade já sediou uma série de eventos de ponta no cenário internacional da cultura digital experimental: o Encontrão Hipertropical de MetaReciclagem, o Festival Tropixel, o Ensaio Tropixel #1 e o Tropixel Ciência Aberta. Em outubro de 2015, receberá o Tropixel Labs - encontro internacional de laboratórios experimentais de arte, ciência, tecnologia e sociedade. Alguns nomes importantes de áreas ligadas à cultura digital no Brasil e internacionalmente estão atentos ao que acontece em Ubatuba.
* Alguns temas que são centrais na reflexão contemporânea sobre cultura digital brasileira têm considerável espaço institucional e de debate em Ubatuba. É o caso das políticas de participação social, da economia solidária e compartilhada, do papel sociocultural da ciência, do diálogo entre redes digitais e redes das ruas, da sustentabilidade socioambiental, da diversidade cultural, entre outras.
Fragilidades e obstáculos
* A cultura digital não está contemplada no desenho dos grupos setoriais da Fundart.
* A maneira como a cultura digital foi incluída no conselho municipal de políticas culturais induz uma disputa por espaço, ao partir de uma contradição - de que o digital por um lado deve ser tratado como mais uma linguagem ou forma de manifestação cultural, mas por outro lado ocupe a mesma vaga que a cultura urbana. Na verdade, a cultura digital deveria ser encarada como elemento central e transversal para fomentar a cooperação permanente entre as diferentes áreas da cultura, em vez de ocupar meia vaga do conselho.
* As dezenas de estudantes da Etec e do Tancredo que demonstram interesse e vocação em apropriar-se culturalmente das tecnologias da informação não encontram respaldo dentro das políticas culturais na cidade. Aquilo que fazem simplesmente não é considerado cultura, ao menos em Ubatuba.
* Inexiste infraestrutura pública de apoio material e técnico ao desenvolvimento de iniciativas de cultura digital.
* Não existe apoio institucional a iniciativas de mídia comunitária e livre.
Oportunidades
* A adoção de políticas de incentivo à cultura digital usualmente oferece resultados rápidos com investimentos relativamente baixos, como já foi demonstrado no programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, nos CUCAs da Prefeitura de Fortaleza, no Lab.C do CCJ e posteriormente no mapeamento cultural do município de São Paulo, entre dezenas de outras iniciativas de políticas públicas. O mesmo pode ser dito do incentivo a laboratórios experimentais (que apesar do que sugere o senso comum não exigem necessariamente investimento em equipamentos ou infraestrutura) - criando espaços potentes de inovação e transformação social como são o MAMM de Medelin, o Medialab Prado de Madrid, o Waag de Amsterdam, entre outros.
* O Ministério da Cultura está em plena retomada de uma agenda de cultura digital - expressa nos editais de Mídia Livre e Cultura de Redes, nas chamadas de ocupação dos LabCEUs, no programa Redelabs de cooperação entre secretarias e fundações do Minc, entre outros fatos. Apesar de informalmente e de forma voluntária, Ubatuba já está em contato com este cenário. Nos próximos meses, receberá alguns dos nomes mais importantes da área no Brasil e no mundo, e deveria aproveitar a ocasião para colocar-se formalmente na discussão.
* Uma série de projetos e articulações em andamento apontam para um diálogo criativo e produtivo entre atores locais enraizados, novos chegados e pessoas de passagem pela cidade. Existe um campo fértil para a articulação entre a apropriação cultural crítica de tecnologias de informação - incorporando princípios como a cultura de abertura, o software livre e de código aberto, as mídias livres e comunitárias, o diálogo com a economia solidária e com as políticas de participação social - e os diversos campos da cultura. O digital adquire seu mais potente significado quando estimula a colaboração entre áreas diversas, criando espaços transdisciplinares de invenção.
* Para aproveitar ao máximo toda a potencialidade da cultura digital em Ubatuba, uma política local de estímulo a laboratórios experimentais livres criaria caminhos para uma atuação cultural transformadora. Incluiriam-se aí iniciativas de mapeamento colaborativo (algumas já em negociação, aliás), de inovação sociocultural, de capacitação continuada em comunicação e cultura para agentes culturais, de ferramentas e metodologias para gestão cultural, e de diálogo entre cultura de abertura e ciência cidadã. Esta política poderia ter sua ponta de lança com a concretização do Espaço Liberdade dentro do Museu Histórico de Ubatuba, como já proposto pela própria Fundart no primeiro semestre de 2015.
Ameaças
* As tecnologias da informação carregam uma contradição essencial: colocam-se ora como elemento de libertação e autonomia, ora como mecanismo de homogenização e controle. É por esse motivo que o digital não pode ser trabalhado como fim em si mesmo: é importantíssimo atentar às maneiras pelas quais ele é adotado e desenvolvido. Não se trata simplesmente de digitalizar toda a produção cultural ou de simplesmente automatizar processos de gestão cultural, mas essencialmente de promover a apropriação crítica das tecnologias, colocando-as a serviço da diversidade cultural, da inclusão, da soberania tecnológica, da participação e transformação social.