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No fim do ano passado, Bronac Ferran me apresentou por email a Kathelin Gray, e desde então vínhamos conversando sobre o Heraclitus RV. O Heraclitus é um navio de pesquisa construído em 1975 que até hoje navega pelo mundo desenvolvendo diversas formas de pesquisa e se envolvendo com diferentes projetos. Durante o verão passado, o navio saiu da África do Sul e cruzou o Atlântico para atracar em Parati.
Em um dia ensolarado de maio, saímos de Ubatuba em direção ao Rio para visitar o Heraclitus. Era a última semana antes que ele partisse para o nordeste brasileiro, e Kathelin estaria por lá.
Chegamos no Yachtclub e ficamos esperando alguns instantes até aparecer o bote que nos levaria ao Heraclitus. Subimos no barco, e nossas anfiritriãs não estavam - tinham saído para acessar a internet. Estavam por lá Edie, o imediato que vem das Ilhas Salomão, o brasileiro Gilson, do projeto Matutu, e Debra Berger, ceramista que vive entre a Califórnia e a Espanha. Logo vieram Kathelin e a chefe de expedição, Christine Handte. O capitão Claus estava no Rio comprando as cartas para a próxima etapa de navegação.
O ambiente do Heraclitus é fantástico. Além de ser maior do que eu imaginava, eu também esperava uma coisa mais austera, um "navio de pesquisa" cheio de equipamentos, mas na verdade eu me surpreendi ao perceber que me sentia bastante próximo ao sítio de uns amigos que costumo frequentar: uma sensação de ambiente compartilhado, com laços muito fortes de confiança entre as pessoas. Grande parte da pesquisa que eles realizam, ao contrário do que eu imaginava pelo site, é relacionada a contexto social, relacionamento, teatro e outros assuntos delícia.
A sala e a cozinha são juntas. No meio da sala, suportes para cortinas e um trapézio para encenações teatrais eventuais. Muitos temperos ao fundo, pratos de metal, uma mesa com suportes para que os vasilhames não caiam. Muitas paredes são decoradas ou pintadas.
A biblioteca é um capítulo à parte. Esteiras no chão, uma bela coleção de livros e um buraco na parede com uma cama dão vontade de simplesmente sentar e ficar por lá.
Encontramos algumas camas em diferentes cômodos. No convés, redes, mesas e cadeiras e o visual para a natureza de Paraty, além de um pequeno vaso com temperos.
Ficamos para almoçar, e aproveitamos para conversar sobre muitas coisas. Uma das coisas que eles querem melhorar no Heraclitus é em relação a dar visibilidade á pesquisa continuada que eles realizam. Querem usar melhor a internet, para dar para pessoas que não estão lá um pouco do que é a sensação de lá. Christine apontou o grande contraste que existe, que é a concretude extrema do barco: se o casco fura, precisa ser consertado o mais rápido possível. Se não há comida, as pessoas passam fome. Conversamos um pouco sobre maneiras simples de publicar, pesar mais na auto-publicação, estender o uso do blog que eles já têm. Pelo que entendi, alguém ofereceu pra eles o uso de um sisteminha proprietário de publicação para renovar o site (mas já estou em conversas com a Kathelin para ajudar a abrir isso e talvez usar um sistema livre mais voltado para rede social do que conteúdo).
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Em determinado momento falei que achava que eles tinham bastante material sobre esses trinta e poucos anos no mar, e Kathelin nos levou para a biblioteca para mostrar um vídeo no computador. O vídeo, sem som, era fantástico: mostrava como o Heraclitus foi feito. Em essência, um bando de gente, entre eles John Allen, que depois foi responsável pelo projeto Biosfera 2, ocuparam uma doca para construir um barco. Dormiam em sacos de dormir, e faziam tudo juntos. Uma menina (da Tailândia, talvez? não lembro...) era filha de um construtor de barcos, e ajudou bastante. Fizeram toda a estrutura, construíram o navio em ferrocimento e lançaram ao mar. Fiquei muito empolgado de pôr esse tipo de material na internet.
O Heraclitus e as pessoas que circulam por ele têm um valor muito grande, não só pelo conhecimento acumulado que pode ser útil para projetos similares em todo o mundo (como o Stubnitz, o MARIN e o ARK) mas também como inspiração e prova de que um projeto orientado por uma visão consistente e por muito trabalho duro pode perdurar no tempo. Também tem um elemento interessante, que é a concretude do barco em si em relação a sua impermanência: ele está sempre lá, mas o lá é sempre outro.
Valeu a visita. Sugiro que quem estiver perto de Salvador ou Camamu entre em contato com eles para conhecer o pessoal e visitar o Heraclitus. E se tudo der certo, algum ponto no futuro vai ver o site deles virar um pouco mais social e conectado ;)