Debate Gambiologia na Campus Party

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Na noite de quinta-feira, 28, realizamos no palco de design da Campus Party o debate sobre Gambiologia. A ideia era lançar a versão beta da publicação que vamos finalizar em março, aproveitando pra abrir o debate e chamar mais gente pra colaborar. Não chegamos a publicar essa versão beta antes do debate. A parceria que ia rolar para a editoração não ia acontecer a tempo. Lancei um desafio pra alguém fazer pelo menos uma versão temporária. Sei que a Teia e a Goa trabalharam em uma versão durante a tarde, mas na hora do debate nenhuma das duas estava presente (Teia foi atacada por uma salada de frutas do inferno e Goa já tinha ido embora). Tudo bem, é parte de lidar com a instabilidade. A versão temporária acabou sendo publicada só hoje no wiki da MetaReciclagem.
Como não tínhamos a publicação para lançar, foi providencial que a Tati tenha levado três bolos (afinal, se não havia PDF a gente daria o bolo na galera ;)). Servimos o bolo e conversamos um pouco na bancada da MetaReciclagem, e por volta das 20h nos aproximamos do palco. Já estavam por lá, dos convidados, Marcus Bastos (e Gisela Domschke, que teve que sair), Lucas Bambozzi, André Lemos, Lucas Mafra e Fred Paulino, Guilherme Maranhão e Hernani Dimantas. Mais tarde chegaria Sergio Amadeu. Assistindo, mais um bando de gente próxima: Dalton Martins, Drica Guzzi, Ike Moraes, Daniel Hora, Roberto de Carvalho, Lu, Guima, Cesinha, Gus e mais gente (não vou lembrar de todxs, desculpem), além de alg1s desconhecidxs.
O palco de design (e de fotografia e vídeo) é um dos mais sofridos da Campus Party. Vaza som por todo canto, tanto do palco da música ao lado quanto da arena, em frente. Eu tinha planejado o debate com uma estrutura bem solta, direcionando a conversa em três eixos (que vou publicar aqui em outro artigo) e costurando as falas em torno deles. Não consegui. Foi muito difícil raciocinar e articular ideias no debate (alguém falou depois "eu não conseguia ouvir nem a mim mesmo"!). De qualquer forma, as apresentações foram bem interessantes e colocaram algumas questões que oportunamente a gente ainda vai desenvolver melhor. Não consegui descobrir se o stream rolou. Vou verificar se a câmera que tava lá apontando pra gente pelo menos gravou em algum lugar, mas de qualquer forma o debate em si (a circulação de novas ideias, além do que cada participante já tinha trazido de casa) ficou aquém do que eu esperava, então nem faço muita questão de ter documentado.
Os três eixos em que eu tentei dividir a conversa eram:
• Gambiarra no cotidiano - a gambiarra como habilidade do saber-fazer, respondendo à precariedade, à ausência de recursos e à instabilidade do dia a dia. Uma maneira de ver o mundo como cheio de recursos em potencial, que são ativados pela criatividade tática. Resolver problemas em vez de comprar as soluções para eles. Três impulsos essenciais: sobrevivência (manter), transformação (mudar), aprender (fuçar). A essência do fazer sem ter estudado.
• Sociedade hacker brasileira. Aquela citação do Viveiros de Castro, de que o mundo está se brasilizando: insegurança, hiperconexão, má distribuição econômica. Também comentei sobre o artigo na Business Week sobre a Jugaad - a gambiarra Indiana - que os CEOs americanos têm feito expedições para aprender: inovação não voltada aos desejos de estilo de vida, mas a necessidades imediatas e com recursos escassos. A crise econômica e produtiva no mundo inteiro despertando a necessidade de habilidades criativas no cotidiano. Hackerspaces, Makerbots, DIY. Peguei do artigo do Ricardo Rosas (PDF) o outro lado da gambiarra: o atentado à estação de trens de Madrid em 2004, os ataques do PCC em sampa em 2006. Também trouxe do artigo da Lisette Lagnado (O malabarista e a gambiarra) as questões sobre o acento político além do estético, sobre nomadismo e inteligência coletiva.
• O terceiro eixo começava com uma reflexão sobre a influência do cyberpunk na formação do imaginário do universo geek e hacker - o cowboy, o hacker, a resistência, as megacorporações - e sobre como isso se articulava hoje em dia com o imaginário das gerações que ainda vêm por aí. Hoje, quando falar em futuro é cada vez mais complicado (mesmo sem cair nas conversas sobre singularidade e fim do mundo) - William Gibson está situando sua ficção em meio a mídia locativa, redes sociais e web multimídia, e tem um personagem que "não sai de casa sem uma chave de fenda". Makers, de Cory Doctorow (que eu ainda não terminei de ler) fala sobre RFID, impressão 3D e novos arranjos sociais em rede. O que é esse imaginário que se forma? Mobilidade, síntese/impressão de coisas, redes e novos arranjos sociais, mão na massa não só na virtualidade, mas na concretude, no mundo físico. Gambipunk? Bricopunk? Daí também continuei a reflexão sobre experimentação, arte, etc. Puxando a contaminação da gambiarra nas artes, em especial a arte eletrônica - inversão da expectativa da alta tecnologia, trazendo o lowtech, a sujeira. Software livre, relação com o meio ambiente (redução de impacto), crítica ao consumismo, hardware aberto e modularidade. Trouxe outra vez a questão de Aracy Amaral citada em artigo de Juliana Monachesi (Gambiarra - necessidade ou maneirismo?) - trabalhar com o descarte tornou-se um maneirismo? Também puxei um fio do debate sobre arte open source na manhã anterior na Campus Party - a "estética processual" (alguém tuitou na hora: a obra de arte é o lixo do processo) pra perguntar se a gambiarra só aparece ao fim dessas produções ou se é incorporada como ferramenta criativa em todo o processo.
Resumindo ao máximo o debate posterior: Passei o microfone direto para o Guilherme Maranhão, que contou um pouco sobre como a gambiarra aparece no dia a dia da produção dele. Marcelo Braz propôs ver a gambiologia como contraponto à racionalidade, forma alternativa do pensar. Hernani falou sobre a presença da colaboração e do remix nas culturas brasileiras. André Lemos falou um pouco sobre gambiarra e sobre a figura do artífice (na hora, pensei no manifesto Nartisan que tinha sido publicado um par de dias antes). Sergio Amadeu relacionou a gambiarra ao software livre. Fred, da Gambiologia.net, trouxe a discussão de volta para o chão, mostrando exemplos práticos do trabalho deles. Lucas Mafra, também da Gambiologia.net, comentou um pouco sobre seu aprendizado pessoal de gambiarra com o avô, a relação com as ferramentas, etc. Passou pra galera ver e tocar alguns dos aparelhos que eles gambiologizaram. Lucas Bambozzi refletiu sobre o precário, contou um pouco sobre a onipresença das gambiarras na fronteira com a Guiana, e mostrou alguns de seus projetos, como o SPIO. Marcus Bastos falou um pouco sobre a sensibilidade web 2.0 e todo o lance de remix, e depois falou sobre o referencial de cradle2cradle e upcycling (fiquei pensando em alguma tradução boa pra isso, mas não consegui - talvez anticiclagem? contraciclagem?).
No fim das contas, apesar das dificuldades, foi um excelente começo de conversa. Ainda falta muito pra gente criar um campo comum e dar mais fôlego para esse tipo de reflexão, mas ela se faz mais necessária do que nunca. Entre os meus planos para esse ano já está retomar a conversa em um ambiente mais propício, além de dar sequência à publicação sobre gambiologia.
Quero agradecer mais uma vez à Maira por toda a ajuda no debate e no Mutirão da Gambiarra, e à área de design da Campus Party por ter oferecido o espaço. Também fica mais uma vez o convite a todo mundo que tem material para contribuir para a publicação definitiva sobre Gambiologia que deve sair nos próximos meses.