efeefe - tecnologia livre http://efeefe.no-ip.org/taxonomy/term/827/0 pt-br Inovação e tecnologias livres 2 - hojes e depois http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/inovacao-tecnologias-livres-2 <p>Acesso &eacute; s&oacute; o come&ccedil;o. Nos dias de hoje e no futuro pr&oacute;ximo, a separa&ccedil;&atilde;o entre <a href="http://mutgamb.org/livro/O-fantasma-da-inclusao-digital" rel="nofollow">inclu&iacute;dos e exclu&iacute;dos digitais</a>&nbsp;est&aacute; se reduzindo cada vez mais. Mas existe outra tens&atilde;o &agrave; qual precisamos ficar atentos: a tens&atilde;o entre <i>tecnologias de confian&ccedil;a e tecnologias de controle</i> (como exposto por Sean Dodson no pref&aacute;cio&nbsp;do <a href="http://networkcultures.org/wpmu/portal/publications/network-notebooks/the-internet-of-things/" rel="nofollow">Internet of Things</a>, de <a href="http://www.theinternetofthings.eu/content/rob-van-kranenburg" rel="nofollow">Rob van Kranenburg</a>). Essa situa&ccedil;&atilde;o j&aacute; est&aacute; &agrave; nossa porta.</p> <p>Por mais que tenhamos avan&ccedil;ado substancialmente nos &uacute;ltimos anos, existem amea&ccedil;as cada vez maiores &agrave; liberdade que em &uacute;ltima inst&acirc;ncia &eacute; a mat&eacute;ria-prima para a inova&ccedil;&atilde;o na internet. S&atilde;o congressistas elaborando <a href="http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html" rel="nofollow">leis para controlar a rede</a>, invadindo a privacidade de seus usu&aacute;rios. S&atilde;o empresas de telecomunica&ccedil;&otilde;es que n&atilde;o respeitam a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Neutralidade_da_rede" rel="nofollow">neutralidade da rede</a>. Associa&ccedil;&otilde;es de propriedade intelectual que <a href="http://www.guardian.co.uk/technology/blog/2010/feb/23/opensource-intellectual-property" rel="nofollow">for&ccedil;am a associa&ccedil;&atilde;o</a> entre compartilhamento e pirataria&nbsp;(e empresas jornal&iacute;sticas que usam a lei para <a href="http://desculpeanossafalha.com.br/entenda-o-caso/" rel="nofollow">silenciar cr&iacute;ticas bem-humoradas</a>). Fabricantes de hardware que deliberadamente <a href="http://www.defectivebydesign.org/" rel="nofollow">restringem o uso de seus produtos</a>. Iniciativas que tendem a usar as tecnologias como ferramentas de controle, para o benef&iacute;cio de poucos. Essa &eacute; uma batalha &aacute;rdua e longa que est&aacute; sendo travada globalmente, e vai ficar ainda mais feia nos pr&oacute;ximos anos. N&atilde;o podemos perd&ecirc;-la de vista.</p> <p>Al&eacute;m desse quadro atual de conflitos, tamb&eacute;m &eacute; importante trazer para a reflex&atilde;o as <i>novas possibilidades</i> das tecnologias digitais, que cada vez mais se distanciam daquela ideia equivocada que opunha o virtual ao real. A tecnologia que vem por a&iacute; n&atilde;o trata somente de computadores ou telefones m&oacute;veis para acessar a internet. Existe um amplo espectro de pesquisa e desenvolvimento que prop&otilde;e <i>novas fronteiras</i>, no que pode ser entendido como <i>p&oacute;s-digital</i>: computa&ccedil;&atilde;o f&iacute;sica e realidade aumentada; redes ub&iacute;quas; <a href="http://www.wired.com/techbiz/startups/magazine/16-11/ff_openmanufacturing?currentPage=all" rel="nofollow">hardware aberto</a>; m&iacute;dia locativa; fabrica&ccedil;&atilde;o digital, prototipagem e a <a href="http://desvio.cc/blog/fazedorxs" rel="nofollow">cena maker</a>; <a href="http://internetofthings.eu/" rel="nofollow">internet das coisas</a>; <a href="http://diybio.org/" rel="nofollow">diybio</a>, ci&ecirc;ncia de garagem e ci&ecirc;ncia de bairro.</p> <p>A internet deixou de ser um assunto de mesas e computadores. A cada dia surgem mais tipos de aparelhos conectados. O exemplo &oacute;bvio s&atilde;o os telefones celulares com acesso &agrave; internet, mas &eacute; poss&iacute;vel ir muito al&eacute;m e pensar em <i>todo tipo de objeto</i> que pode se beneficiar de conectividade em rede. Interruptores de energia associados a sensores de temperatura e umidade, que podem prever quando a chuva est&aacute; chegando e fechar janelas automaticamente. Um enfeite de mesa que <a href="http://laboratorio.us/new/mail_alert.php" rel="nofollow">avisa quando chegou email</a>. Chips RFID para identificar objetos. Aparelhos que monitoram o consumo dom&eacute;stico de energia el&eacute;trica e ajudam as pessoas a diminu&iacute;rem a conta de luz. Gra&ccedil;as ao hardware e ao software livres (e o conhecimento sobre como utiliz&aacute;-los), esse tipo de objeto conectado n&atilde;o precisa mais de uma grande estrutura para ser projetado e constru&iacute;do. Muito pelo contr&aacute;rio, eles podem ser criados a custo baixo, e adequados &agrave; demanda espec&iacute;fica de cada localidade, de cada situa&ccedil;&atilde;o.</p> <p>As pesquisas sobre <i>fabrica&ccedil;&atilde;o dom&eacute;stica, impress&atilde;o tridimensional e<a href="http://reprap.org/wiki/Main_Page" rel="nofollow"> prototipadoras replicantes</a>&nbsp;</i>prometem uma nova revolu&ccedil;&atilde;o industrial: a partir do momento em que as pessoas podem imprimir utens&iacute;lios, ferramentas e quaisquer outros objetos em suas casas, o que acontece? Se um dia pudermos <i>reciclar materiais pl&aacute;sticos em casa</i> - desfazer objetos para transform&aacute;-los em outros - quais as consequ&ecirc;ncias disso na produ&ccedil;&atilde;o industrial como a conhecemos hoje? Em paralelo, quando come&ccedil;amos a misturar <i>coordenadas geogr&aacute;ficas com a internet m&oacute;vel</i>, que tipo de servi&ccedil;o pode emergir? Locais f&iacute;sicos podem ser enriquecidos com camadas de informa&ccedil;&atilde;o. E como a ci&ecirc;ncia de garagem pode enriquecer o aprendizado nas escolas p&uacute;blicas? Esque&ccedil;a o laborat&oacute;rio de qu&iacute;mica: hoje em dia, com hardware de segunda m&atilde;o, os alunos podem <i>montar seus pr&oacute;prios microsc&oacute;pios digitais</i>.</p> <h2>Laborat&oacute;rios Experimentais Locais</h2> <p>Os projetos que levam tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e comunica&ccedil;&atilde;o &agrave;s diferentes comunidades do Brasil n&atilde;o podem se limitar a <i>reproduzir os usos j&aacute; estabelecidos</i> dessas tecnologias - acesso &agrave; internet e impress&atilde;o de documentos. O que precisamos s&atilde;o <i>p&oacute;los locais de inova&ccedil;&atilde;o</i>, dedicados &agrave; experimenta&ccedil;&atilde;o e ao desenvolvimento de tecnologias livres. Esses p&oacute;los precisam ser descentralizados, mas enredados. Devem tratar de diversos assuntos, n&atilde;o somente acesso &agrave; internet: dialogar com escolas, projetos sociais, ambientais e educativos. Precisam acolher coletivos art&iacute;sticos, engenheiros aposentados, amadores apaixonados, empreendedores sociais, inventores em potencial. N&atilde;o podem ter medo de gerar renda, criar novos mercados. Precisam configurar-se em <i>laborat&oacute;rios experimentais locais</i>.</p> <p>No ano passado eu comecei um projeto chamado Rede//Labs, que tem por objetivo entender qual tipo de laborat&oacute;rio experimental de tecnologia e cultura &eacute; adequado ao Brasil dos dias atuais. A pesquisa foi documentada em um <a href="http://blog.redelabs.org" rel="nofollow">weblog</a>&nbsp;e um <a href="http://redelabs.org" rel="nofollow">wiki</a>&nbsp;. Entre as conclus&otilde;es, percebi que a <i>infraestrutura &eacute; mero detalhe</i>. Como dizia Daniel P&aacute;dua, &quot;<i>tecnologia &eacute; mato, o que importa s&atilde;o as pessoas</i>&quot;. Ainda assim, precisamos pensar em infraestrutura, mas indo al&eacute;m do trivial. O modelo &quot;computadores, banda larga, impressoras e c&acirc;mera&quot; &eacute; uma resposta adequada &agrave; demanda expl&iacute;cita de <i>locais para acesso &agrave; internet</i>. Mas temos tamb&eacute;m que tratar das demandas que n&atilde;o est&atilde;o expl&iacute;citas: criar condi&ccedil;&otilde;es para o <i>desenvolvimento de tecnologia livre brasileira</i>. Para isso, precisamos de massa cr&iacute;tica. Al&eacute;m de espa&ccedil;os configurados como p&oacute;los de inova&ccedil;&atilde;o livre, precisamos tamb&eacute;m dar as condi&ccedil;&otilde;es para o desenvolvimento de novos talentos.</p> <p>Hoje em dia, jovens de cidades pequenas que t&ecirc;m potencial precisam <i>migrar para grandes centros</i> em busca de oportunidades. &Eacute; raro que voltem, o que leva a uma esp&eacute;cie de <i>&ecirc;xodo criativo</i>. Mesmo aqueles que chegam &agrave;s cidades grandes tamb&eacute;m precisam fazer uma escolha dif&iacute;cil: podem <i>vender seu talento criativo ao mercado</i> - por vezes de maneira equilibrada, mas em muitos casos limitando-se a ajudar quem tem dinheiro a ganhar mais dinheiro; ou ent&atilde;o trocar seu futuro por capital especulativo. Podem tamb&eacute;m tentar usar suas habilidades para ajudar a sociedade - mas para isso precisam conviver com precariedade e instabilidade. Essa &eacute; uma <i>condi&ccedil;&atilde;o insustent&aacute;vel</i> para um pa&iacute;s que tanto precisa de inova&ccedil;&atilde;o e criatividade. Por que raz&atilde;o uma pessoa jovem, criativa, talentosa e consciente n&atilde;o encontra maneiras vi&aacute;veis de usar essas qualidades para ajudar a sociedade? Alguma coisa est&aacute; errada. E n&atilde;o me interessa que isso seja verdade no mundo inteiro. Estamos em uma &eacute;poca de transforma&ccedil;&otilde;es e de expectativas altas.</p> <h2>O sotaque tecnol&oacute;gico brasileiro</h2> <p>Existem pa&iacute;ses que nos anos recentes se tornaram emblem&aacute;ticos da <i>acelera&ccedil;&atilde;o</i> que as tecnologias possibilitam. A China terceiriza a <i>fabrica&ccedil;&atilde;o de hardware.</i> Tem uma vasta oferta de m&atilde;o de obra, uma popula&ccedil;&atilde;o disciplinada e trabalhadora - e um estado controlador que refor&ccedil;a essa disciplina -, al&eacute;m da &quot;flexibilidade&quot; social, ambiental e de seguran&ccedil;a no trabalho. A &Iacute;ndia tem despontado na terceiriza&ccedil;&atilde;o de <i>telemarketing</i> - por conta tamb&eacute;m de grande oferta de m&atilde;o de obra, associada &agrave; educa&ccedil;&atilde;o em l&iacute;ngua inglesa - e no <i>desenvolvimento de software</i>, talvez relacionado &agrave;s suas faculdades que formam mais de uma centena de milhar de engenheiros a cada ano. A Coreia do Sul promoveu grandes avan&ccedil;os na <i>educa&ccedil;&atilde;o e treinamento t&eacute;cnicos</i> e colhe os frutos dessa escolha. E o Brasil?</p> <p>Eu tive a oportunidade de viajar algumas vezes nos &uacute;ltimos anos para localidades em diversos pa&iacute;ses - de Manchester a Bangalore. Em toda parte, existe uma grande curiosidade sobre o Brasil - um certo fasc&iacute;nio pela nossa <i>naturalidade em encarar transforma&ccedil;&otilde;es</i> (mais do que isso, temos um grande desejo pela transforma&ccedil;&atilde;o), pelo car&aacute;ter <i>iconoclasta</i> de algumas de nossas realiza&ccedil;&otilde;es, pela nossa <i>sociabilidade sem travas</i>. Com base nisso, fico pensando: qual &eacute; a nossa caracter&iacute;stica contempor&acirc;nea essencial? Antropof&aacute;gica, certamente. Tropicalista, sim. <i>Criativa</i>, talvez?</p> <p>At&eacute; h&aacute; pouco tempo, se falava que o povo brasileiro n&atilde;o &eacute; <i>empreendedor</i>. Essa vis&atilde;o absurdamente preconceituosa est&aacute; gradualmente mudando, &agrave; medida que nosso <i>sotaque criativo</i> &eacute; compreendido e tratado como tal. A <i>inova&ccedil;&atilde;o do cotidiano</i>, presente <a href="http://desvio.cc/tag/gambiologia" rel="nofollow">nos mutir&otilde;es e nas gambiarras</a>, vem aos poucos sendo reconhecida n&atilde;o como atraso e sim como vantagem competitiva. Nossa criatividade n&atilde;o se enquadra facilmente nos <i>modelos pr&eacute;-definidos</i> das chamadas ind&uacute;strias criativas.</p> <p>Quando falo em criatividade, n&atilde;o me refiro somente &agrave; ind&uacute;stria de entretenimento e cultura, baseada na explora&ccedil;&atilde;o comercial da separa&ccedil;&atilde;o entre criadores e consumidores. N&atilde;o estou falando daquele &quot;conte&uacute;do&quot; que n&atilde;o se relaciona com o contexto. &Eacute;, pelo contr&aacute;rio, o <i>esp&iacute;rito inovador que transborda no dia a dia.</i></p> <p>Voltando ao ponto anterior - hoje em dia &eacute; poss&iacute;vel projetar solu&ccedil;&otilde;es tecnol&oacute;gicas baseadas em <i>conhecimento livre</i>, dispon&iacute;vel abertamente nas redes. Isso aliado a essa criatividade que temos no dia a dia tem o potencial de oferecer saltos tecnol&oacute;gicos consider&aacute;veis. A inova&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica tipicamente brasileira (com um qu&ecirc; da sensibilidade criativa da gambiarra) pode ser fomentada em p&oacute;los de inova&ccedil;&atilde;o baseados no conhecimento livre. Ela pode ajudar a metareciclar as cidades digitais, como sugeri no primeiro cap&iacute;tulo. Isso possibilita que o desenvolvimento de tecnologias dialogue com as diferentes <i>realidades locais</i>.</p> <p>Todos sabemos o que acontece quando a tecnologia &eacute; desenvolvida sem contato com o cotidiano. Ela fica <i>espetacular, alienada e homog&ecirc;nea</i>. Vamos trazer a inova&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica de volta ao dia a dia, fazer com que ela seja n&atilde;o somente lucrativa mas tamb&eacute;m relevante. Que ajude a construir a sociedade conectada que queremos. Temos a oportunidade de provocar uma onda de criatividade aplicada em todas as regi&otilde;es do pa&iacute;s. Temos a oportunidade de provar que o Brasil &eacute; digno da fama de <i>pa&iacute;s do futuro</i>. Mas precisamos decidir qual &eacute; o futuro que queremos. J&aacute; deixamos de lado os <a href="http://futurosimaginarios.midiatatica.info/" rel="nofollow">futuros imagin&aacute;rios</a>&nbsp;da guerra fria. Nosso futuro pode ser um <i>futuro participativo, socialmente justo, que reconhe&ccedil;a m&eacute;rito, talento e dedica&ccedil;&atilde;o</i>. Precisamos da coragem para faz&ecirc;-lo acontecer.</p> desvio inovação livro metareciclagem pós-digital software livre tecnologia livre Tue, 10 May 2011 16:43:45 +0000 felipefonseca 10716 at http://efeefe.no-ip.org Inovação e tecnologias livres 1 - a década que foi http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/inovacao-tecnologias-livres-1 <h2>O come&ccedil;o do mil&ecirc;nio</h2> <p>Dez anos atr&aacute;s, naquele come&ccedil;o de d&eacute;cada que foi tamb&eacute;m come&ccedil;o de mil&ecirc;nio, eu tinha acabado de decidir que continuaria em S&atilde;o Paulo. Havia me mudado para a capital do concreto no ano anterior para viver com a fam&iacute;lia de meu pai, mas ele estava retornando a Porto Alegre. Foi o cora&ccedil;&atilde;o que me convenceu a permanecer. O cora&ccedil;&atilde;o rom&acirc;ntico, apaixonado por aquela que veio a se tornar minha amada e m&atilde;e da minha filha, mas tamb&eacute;m o cora&ccedil;&atilde;o da coragem, do desafio. Me incomodava a ideia de voltar a Porto Alegre sem ter realizado nada de relevante. Fiquei. Para pagar as contas vendi o carro, comecei a trabalhar em uma produtora multim&iacute;dia e de internet, mudei para uma casinha pequena e simp&aacute;tica a dois quarteir&otilde;es do trabalho.</p> <p>A internet era cada vez mais importante na minha vida. Eu tinha a sensa&ccedil;&atilde;o de que a viv&ecirc;ncia em rede levava a modos de <i>aprendizado, cria&ccedil;&atilde;o e sociabilidade</i> que n&atilde;o tinham precedentes. Pela rede conheci outras pessoas que compartilhavam a certeza de que a internet n&atilde;o era s&oacute; com&eacute;rcio, nem o mero acesso a conte&uacute;do publicado por outras pessoas. Entendi que cada pessoa conectada &agrave; rede &eacute; tamb&eacute;m uma co-criadora, que n&atilde;o s&oacute; acessa conte&uacute;do (uma abstra&ccedil;&atilde;o equivocada), mas tamb&eacute;m constr&oacute;i um <i>contexto</i> &uacute;nico em que interpreta e reconfigura tudo que vivencia.</p> <p>Inspirado pelas conversas em listas de discuss&atilde;o, criei meu primeiro blog em 2001. Comecei a estudar sistemas para o compartilhamento <i>online</i> de ideias e refer&ecirc;ncias, e esse foi meu primeiro contato com software livre. Em pouco tempo eu quase n&atilde;o trabalhava mais, e dedicava o dia todo a essas pesquisas. Acabei demitido da produtora, mas fiquei amigo de um dos s&oacute;cios, Ike Moraes. Ele tamb&eacute;m tinha um projeto chamado Roupa Velha, elaborado com alguns amigos e tocado pelo saudoso Adilson Tavares.</p> <p>Meu foco de interesses foi mudando naquela &eacute;poca. Acabei deixando a publicidade de lado para trabalhar numa empresa de cursos corporativos. Ali tinha um pouco (um pouquinho) mais de liberdade pra pensar em tecnologia para educa&ccedil;&atilde;o e inova&ccedil;&atilde;o, e no tempo livre testar sistemas livres de publica&ccedil;&atilde;o online e colabora&ccedil;&atilde;o. Paralelamente, participava de um monte de redes abertas. Em 2002 criamos o projeto Met&aacute;:Fora, que reuniu gente interessante como <a href="http://marketinghacker.com.br/" rel="nofollow">Hernani Dimantas</a>, <a href="http://imaginarios.net/dpadua" rel="nofollow">Daniel P&aacute;dua</a>, <a href="http://alfarrabio.org" rel="nofollow">Paulo Bicarato</a>, <a href="http://twitter.com/schepop" rel="nofollow">Bernardo Schepop</a>, <a href="http://daltonmartins.blogspot.com" rel="nofollow">Dalton Martins</a>, <a href="http://www.charles.pilger.com.br/" rel="nofollow">Charles Pilger</a>, <a href="http://baobavoador.midiatatica.info/" rel="nofollow">Tati Wells</a>, <a href="http://twitter.com/#!/inovamente" rel="nofollow">Marcus</a> e <a href="http://colacino.wordpress.com/" rel="nofollow">Paulo</a> Colacino, TupiNamb&aacute;, <a href="http://www.estraviz.com.br/" rel="nofollow">Marcelo Estraviz</a>, <a href="http://dricaveloso.wordpress.com/" rel="nofollow">Drica Veloso</a>, <a href="http://twitter.com/#!/passamani" rel="nofollow">Andr&eacute; Passamani</a>, <a href="http://shanzhaier.com/" rel="nofollow">Felipe Albert&atilde;o</a>, <a href="http://interney.net" rel="nofollow">Edney Souza</a> e mais algumas dezenas de pessoas.</p> <p>Foi um ano de muita efervesc&ecirc;ncia experimentando com criatividade e aprendizado distribu&iacute;dos, autopublica&ccedil;&atilde;o, economia da d&aacute;diva, apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica de tecnologias, conhecimento livre, m&iacute;dia t&aacute;tica, mobiliza&ccedil;&atilde;o em rede e diversas formas de a&ccedil;&atilde;o para transforma&ccedil;&atilde;o social. Defend&iacute;amos que imaginar uma diferen&ccedil;a entre &quot;real&quot; e &quot;virtual&quot; era um equ&iacute;voco tremendo. Oper&aacute;vamos em a&ccedil;&otilde;es pontuais mas informadas, inspirados pelo imagin&aacute;rio das zonas aut&ocirc;nomas tempor&aacute;rias (TAZ) e de redes rizom&aacute;ticas. Criamos muita coisa juntos at&eacute; que o projeto foi encerrado, deixando de heran&ccedil;a para o mundo &quot;um wiki recheada&ccedil;o&quot; e alguns projetos que tentariam se manter de forma aut&ocirc;noma. O mais relevante deles foi a rede MetaReciclagem.</p> <p>A MetaReciclagem foi concebida genuinamente em rede, e implementada de forma distribu&iacute;da e totalmente livre. Ela come&ccedil;ou na pr&aacute;tica como um laborat&oacute;rio de recondicionamento de computadores usados destinados a projetos sociais, baseado na zona sul de S&atilde;o Paulo. Foi uma parceria com o <a href="http://agentecidadao.org.br" rel="nofollow">Agente Cidad&atilde;o</a>, OSCIP que era a reencarna&ccedil;&atilde;o do projeto Roupa Velha. Depois de algum tempo o foco da MetaReciclagem se tornou mais amplo. Ela se expandiu para outros lugares, em projetos independentes e autogestionados. Desde o princ&iacute;pio, adotamos alguns posicionamentos que &agrave; &eacute;poca estavam longe de ser senso comum:</p> <ul> <li>a import&acirc;ncia central do <i>acesso &agrave; internet</i> como condi&ccedil;&atilde;o para transforma&ccedil;&atilde;o social profunda;</li> <li>a viabilidade do <i>software livre</i> como plataforma local e remota em projetos de tecnologia para a sociedade;</li> <li>o <i>car&aacute;ter cultural</i> das redes livres conectadas, a emerg&ecirc;ncia de novas formas de <i>relacionamento social</i> e de inova&ccedil;&atilde;o a partir delas;</li> <li>a urg&ecirc;ncia do debate sobre lixo eletr&ocirc;nico e a possibilidade de <i>reutiliza&ccedil;&atilde;o criativa</i> de hardware;</li> <li>o potencial de outras formas de acesso &agrave; internet: <i>redes comunit&aacute;rias wi-fi</i>, dispositivos m&oacute;veis, etc.</li> </ul> <p>&Eacute; importante enfatizar aqui: em 2002, <i>nenhum</i> desses t&oacute;picos era consenso entre os principais atores institucionais dos projetos de &quot;inclus&atilde;o digital&quot;. A prioridade no uso da internet era questionada pelos projetos que s&oacute; promoviam o adestramento de <i>manobristas de mouse</i>. Diziam que os coitadinhos s&oacute; precisavam aprender a operar o teclado para preencher seu curr&iacute;culo e conseguir um emprego, e que qualquer outro uso era sup&eacute;rfluo. Acreditavam que era <i>perda de tempo</i> a garotada ficar (antes da era do Orkut) no bate-papo do UOL. Falavam que &quot;ningu&eacute;m quer computador velho, o lugar disso &eacute; no lixo&quot;. Afirmavam que o <i>software livre era um equ&iacute;voco</i>, porque &quot;o mercado n&atilde;o vai aceitar&quot;. Essa posi&ccedil;&atilde;o, ali&aacute;s, existia no mercado de TI em geral. Eu lembro da empolga&ccedil;&atilde;o que nos tomava a cada min&uacute;scula nota sobre software livre publicada na imprensa especializada.</p> <p>Eu continuo acompanhando projetos de tecnologia e inclus&atilde;o digital em diversos contextos institucionais, partid&aacute;rios e geogr&aacute;ficos. Tenho orgulho de dizer que influenciamos pelo menos meia d&uacute;zia de grandes projetos de tecnologia para a sociedade. Ganhamos algumas batalhas desde aquela &eacute;poca. Os princ&iacute;pios que defend&iacute;amos s&atilde;o hoje amplamente aceitos.</p> <p>A <a href="https://lists.riseup.net/www/info/metareciclagem" rel="nofollow">lista de discuss&atilde;o</a> da MetaReciclagem tem mais de quatrocentas pessoas. O site, mais de mil cadastros. Alguns milhares j&aacute; participaram de oficinas de MetaReciclagem, de forma radicalmente descentralizada. Fomos convidados a participar de eventos em diversos lugares do mundo, de Banff (Canad&aacute;) - onde Hernani Dimantas foi palestrar - a Kuala Lumpur (Mal&aacute;sia), onde Dalton Martins participou de um semin&aacute;rio de empreendedorismo. Fomos tema de teses, disserta&ccedil;&otilde;es e artigos acad&ecirc;micos. Inspiramos dezenas de projetos. E a rede continua pulsante, o que me deixa feliz todo dia.</p> <h2>Uma Cultura Digital</h2> <p>Em termos de compreens&atilde;o sobre o papel das novas tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e comunica&ccedil;&atilde;o, o momento agora &eacute; outro. N&atilde;o precisamos mais convencer as pessoas sobre a import&acirc;ncia da internet. Das redes sociais. Do software livre. Boa parte dos figur&otilde;es do mundo pol&iacute;tico, de todos os partidos, tem pelo menos um blog, usa o twitter e tem canal no facebook. Come&ccedil;amos a nova d&eacute;cada em um patamar muito mais alto. A internet &eacute; entendida como recurso fundamental para uma cidadania plena. Existem iniciativas como o <a href="http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/pnbl" rel="nofollow">Plano Nacional de Banda Larga</a>, o programa <a href="http://www.computadorparatodos.gov.br/ " rel="nofollow">Computador Para Todos</a>, o <a href="http://www.uca.gov.br/institucional/ " rel="nofollow">Um Computador por Aluno</a>. A maioria dos estados tem projetos de inclus&atilde;o digital com software livre. J&aacute; existem mais telefones celulares do que habitantes no Brasil. Pessoas que tinham avers&atilde;o aos computadores s&atilde;o hoje os mais entusi&aacute;sticos usu&aacute;rios das redes sociais. Os internautas brasileiros s&atilde;o os que usam a rede por mais tempo a cada m&ecirc;s, em compara&ccedil;&atilde;o com outros pa&iacute;ses.</p> <p>Tivemos por seis anos um Ministro da Cultura que <a href="http://www.cultura.gov.br/site/2008/06/16/gil-sou-hacker-um-ministro-hacker" rel="nofollow">declarou-se hacker</a>&nbsp;e fomentou o desenvolvimento de uma s&eacute;rie de projetos baseados em uma Ecologia Digital (Jos&eacute; Murilo, que tornou-se o coordenador de cultura digital no Minist&eacute;rio, <a href="http://ecodigital.blogspot.com/ " rel="nofollow">escreve h&aacute; anos sobre o assunto</a>). Os primeiros anos da a&ccedil;&atilde;o cultura digital nos Pontos de Cultura, <a href="http://pub.descentro.org/o_impacto_da_sociedade_civil_des_organizada" rel="nofollow">implementada por integrantes de diversas redes e coletivos independentes</a>&nbsp;e orquestrada por Claudio Prado&nbsp;, foram um cap&iacute;tulo importante na constru&ccedil;&atilde;o de uma compreens&atilde;o brasileira das tecnologias livres como express&atilde;o cultural leg&iacute;tima e extremamente f&eacute;rtil. Alguns dos princ&iacute;pios colocados naquele projeto - <i>descentraliza&ccedil;&atilde;o integrada, autonomia, identifica&ccedil;&atilde;o de catalisadores locais para replica&ccedil;&atilde;o das redes, incentivo a uma ecologia de publica&ccedil;&atilde;o de conte&uacute;dos livres, educa&ccedil;&atilde;o sobre ferramentas livres de produ&ccedil;&atilde;o multim&iacute;dia</i> - foram de uma inova&ccedil;&atilde;o profunda para o mundo institucional, mesmo que - por conta do descompasso entre a velocidade necess&aacute;ria e a precariedade de condi&ccedil;&otilde;es de implementa&ccedil;&atilde;o - nunca tenham chegado a se desenvolver plenamente.</p> <p>O Minist&eacute;rio precisaria de uma equipe muito maior do que &eacute; vi&aacute;vel para gerenciar e acompanhar satisfatoriamente essa multiplicidade de contextos. Os Pontos tamb&eacute;m acabam ficando dependentes das verbas de uma s&oacute; fonte (verbas que por sinal nunca chegam na data prevista), e n&atilde;o trabalham com o horizonte de autonomia efetiva de recursos. &Eacute; necess&aacute;rio avan&ccedil;ar, e muito, nas quest&otilde;es da autogest&atilde;o da rede de Pontos; dos arranjos econ&ocirc;micos locais; do seu impacto social, econ&ocirc;mico e ambiental. Mas eles continuam sendo umas das experi&ecirc;ncias mais transformadoras realizadas pelo governo que se encerrou dezembro passado. Estamos esperando que a nova gest&atilde;o trate de ampliar, profissionalizar e aprofundar essa experi&ecirc;ncia.</p> <h2>Livre?</h2> <p>Uma quest&atilde;o que ficou em aberto no meio do caminho est&aacute; ligada &agrave; qualidade do engajamento em ecologias abertas e livres. O Brasil tem se tornado de fato um grande usu&aacute;rio, mas estamos l&aacute; atr&aacute;s no que toca ao <i>desenvolvimento propriamente dito</i> de software livre. De certa forma, &eacute; uma rela&ccedil;&atilde;o parasit&aacute;ria: estamos nos utilizando de software disponibilizado livremente, mas n&atilde;o estamos em retorno contribuindo com esse banco aberto de conhecimento aplicado. N&atilde;o &eacute; uma situa&ccedil;&atilde;o t&atilde;o desequilibrada que inviabilize o sistema como um todo (a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia_dos_comuns" rel="nofollow">trag&eacute;dia do comum</a>&nbsp;n&atilde;o se transfere totalmente para o contexto digital), mas investir de forma mais pesada no desenvolvimento de software livre seria a atitude coerente com o discurso que estamos adotando. O conhecimento livre &eacute; muito <a href="http://efeefe.no-ip.org/blog/processos-criativos" rel="nofollow">mais profundo do que a mera distribui&ccedil;&atilde;o gratuita</a>. Ele engendra uma economia aberta, distribu&iacute;da e descentralizada. E precisa de investimento que assegure o funcionamento dessa economia.</p> <p>Os novos governos federal e estaduais que assumiram nesse momento de referenciais avan&ccedil;ados em rela&ccedil;&atilde;o a oito anos atr&aacute;s precisam entender o potencial e a import&acirc;ncia de adotarem alguns princ&iacute;pios claros. O apoio &agrave; <i>liberdade de circula&ccedil;&atilde;o da informa&ccedil;&atilde;o</i> (e a publica&ccedil;&atilde;o de dados oficiais abertos, como tem defendido a <a href="http://thacker.com.br" rel="nofollow">Transpar&ecirc;ncia Hacker</a>), o fomento &agrave; emerg&ecirc;ncia de solu&ccedil;&otilde;es livres e &agrave; <i>descentraliza&ccedil;&atilde;o integrada</i>, a orienta&ccedil;&atilde;o sobre a <i>sustentabilidade socio-economico-ambiental</i> da produ&ccedil;&atilde;o criativa em rede e a escolha intransigente de <i>protocolos abertos e livres</i> s&atilde;o necess&aacute;rios em todas as &aacute;reas do conhecimento. Precisamos compreender que o <i>acesso &agrave; informa&ccedil;&atilde;o n&atilde;o basta</i> - precisamos &eacute; de participa&ccedil;&atilde;o, cotidianos compartilhados e aprendizado em rede. O est&iacute;mulo &agrave; inova&ccedil;&atilde;o aberta baseada nesses princ&iacute;pios pode promover <i>saltos quantitativos</i> no alcance de iniciativas das comunica&ccedil;&otilde;es, diplomacia, educa&ccedil;&atilde;o, cidades, seguran&ccedil;a, defesa civil, sa&uacute;de, meio ambiente, transporte, turismo, direitos humanos, ci&ecirc;ncia e tecnologia, e por a&iacute; vai.</p> desvio inovação livro metareciclagem pós-digital software livre tecnologia livre Tue, 10 May 2011 16:35:21 +0000 felipefonseca 10715 at http://efeefe.no-ip.org