efeefe - pós-digitais http://efeefe.no-ip.org/taxonomy/term/828/0 pt-br Cidades digitais, a gramática do controle e os protocolos livres http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/cidades-digitais-controle-protocolos-livres <p>A busca por alternativas locais, sustent&aacute;veis e justas para o desenvolvimento de inova&ccedil;&atilde;o e tecnologias livres aponta necessariamente para uma maior articula&ccedil;&atilde;o entre duas classes de estruturas informacionais que se sobrep&otilde;em: a <i>cidade</i> e as <i>redes digitais</i>.</p> <p>No <a href="/livro/lpd/metareciclando-cidades-digitais" rel="nofollow">terceiro cap&iacute;tulo</a> eu citei a perspectiva de cidade como sistema operacional. Essa aproxima&ccedil;&atilde;o n&atilde;o &eacute; in&eacute;dita. Na mesma conflu&ecirc;ncia mas talvez em sentido inverso, o artigo <i><a href="http://www.thenextlayer.org/node/1346" rel="nofollow">Reading the Digital City</a></i>, publicado no site Next Layer por <a href="http://t0.or.at/" rel="nofollow">Clemens Apprich</a>, analisa justamente a influ&ecirc;ncia que a ideia de cidade exerceu nos primeiros anos de populariza&ccedil;&atilde;o da internet, e como essa influ&ecirc;ncia foi usada para estabelecer rela&ccedil;&otilde;es de <i>controle e poder</i>:</p> <blockquote class="Quotation"> &quot;N&atilde;o &eacute; por acidente que a cidade tenha sido escolhida como uma das mais significativas met&aacute;foras para os primeiros dias da internet. A cidade tem (como o Ciberespa&ccedil;o) uma origem militar e &eacute; definida (pelo menos simbolicamente) por muros cujos port&otilde;es constituem a interface para o resto do mundo. (...) A interface determina como o usu&aacute;rio concebe o pr&oacute;prio computador e o mundo acess&iacute;vel a partir dele.&quot; </blockquote> <p>Naquele momento, em meados dos anos noventa, procurava-se entender como os processos sociais aconteceriam em um espa&ccedil;o de fluxos para o qual n&atilde;o existia precedente hist&oacute;rico. Lan&ccedil;ou-se m&atilde;o da cidade como modelo de organiza&ccedil;&atilde;o e identidade, mas tamb&eacute;m como instrumento para estabelecer <i>limites</i>. Eu ainda n&atilde;o tinha refletido, no contexto contempor&acirc;neo das redes, sobre a quest&atilde;o da cidade tamb&eacute;m como <i>controle e segrega&ccedil;&atilde;o de identidades</i>. Talvez porque o urbanismo que eu vivencio cotidianamente seja algo mais perme&aacute;vel do que a refer&ecirc;ncia hist&oacute;rica de Apprich, um pesquisador europeu.</p> <p>N&oacute;s n&atilde;o temos muralhas separando a cidade hist&oacute;rica de seus desenvolvimentos posteriores, como ainda pode ser visto em Barcelona, Londres e outras cidades europeias. Na minha experi&ecirc;ncia, pensar no limite entre cidades &eacute; visualizar uma placa na estrada, cercada de vazio. At&eacute; que ponto isso se torna uma barreira cultural quando falamos em urbanismo? A ordem urbana europeia, invejada por boa parte da classe m&eacute;dia brasileira, &eacute; considerada por alguns pesquisadores uma grande castradora da inova&ccedil;&atilde;o, como sugere <a href="http://www.doorsofperception.com/" rel="nofollow">John Thackara</a>&nbsp;em &quot;<a href="http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/externo/index.asp?id_link=3850&amp;tipo=2&amp;isbn=8502076957" rel="nofollow">Plano B</a>&quot;:</p> <blockquote class="Quotation"> &quot;Grande parte do nosso mundo &eacute; simplesmente projetado demais. Controle demais sobre o espa&ccedil;o p&uacute;blico &eacute; prejudicial para a sustentabilidade dos locais. V&aacute;rias cidades europeias est&atilde;o levando em considera&ccedil;&atilde;o a promulga&ccedil;&atilde;o de zonas livres de design, nas quais o planejamento e outras melhorias de cima para baixo e de fora para dentro ser&atilde;o mantidas a dist&acirc;ncia para permitir os tipos de experimenta&ccedil;&atilde;o que podem surgir, sem planejamento e inesperadamente, de um territ&oacute;rio selvagem, livre de design.&quot; </blockquote> <p>Quando nossas realidades que tendem muito mais &agrave; complexidade - sen&atilde;o ao caos - entram em contato com essas refer&ecirc;ncias trazidas de fora, &eacute; natural que surjam descompassos. <a href="http://www.theinternetofthings.eu" rel="nofollow">Rob Kranenburg</a> chamou minha aten&ccedil;&atilde;o para dois artigos sobre o megaprojeto de monitoramento urbano no Rio: um na <a href="http://www.fastcompany.com/1712443/building-a-smarter-favela-ibm-signs-up-rio" rel="nofollow">Fast Company</a>&nbsp;e outro em um <a href="http://english.etnews.co.kr/news/detail.html?id=201102140008" rel="nofollow">site coreano</a>. &Eacute; claro que usar tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o para prever deslizamentos e enchentes &eacute; necess&aacute;rio. Os problemas surgem com a gram&aacute;tica do &quot;<i>centro de controle</i>&quot; (no m&iacute;nimo uma ilus&atilde;o em uma cidade como o Rio) e a pretens&atilde;o de que esse tipo de projeto esgote o assunto &quot;cidades digitais inteligentes&quot;.</p> <p>Centros de informa&ccedil;&atilde;o para preven&ccedil;&atilde;o de emerg&ecirc;ncias s&atilde;o somente a ponta do iceberg em um cen&aacute;rio urbano recheado de dispositivos de produ&ccedil;&atilde;o, transmiss&atilde;o e an&aacute;lise de dados. Mas minha quest&atilde;o para esses projetos &eacute;: <i>a quem pertencem os dados gerados</i>? Como acess&aacute;-los? A tend&ecirc;ncia &eacute; o surgimento de um novo dom&iacute;nio de informa&ccedil;&atilde;o relevante para a sociedade, e ningu&eacute;m est&aacute; debatendo sobre como essa informa&ccedil;&atilde;o vai circular. Grande parte dos atores envolvidos s&oacute; querem saber quanto <i>dinheiro</i> ou quanta <i>exposi&ccedil;&atilde;o na m&iacute;dia</i> essas tecnologias v&atilde;o gerar.</p> <p>Um elemento comum, mas raramente analisado, nas propostas de &quot;<a href="http://www.guardian.co.uk/smarter-cities" rel="nofollow">cidades digitais inteligentes</a>&quot;&nbsp;&eacute; justamente a <i>tens&atilde;o entre controle e emerg&ecirc;ncia</i> como comento de maneira mais aprofundada no cap&iacute;tulo &ldquo;Inova&ccedil;&atilde;o e Tecnologias Livres&rdquo; . N&atilde;o podemos ser ing&ecirc;nuos. A cidade, enquanto tecnologia de organiza&ccedil;&atilde;o de informa&ccedil;&atilde;o, &eacute; usada frequentemente como instrumento de <i>manuten&ccedil;&atilde;o das rela&ccedil;&otilde;es de poder</i>.</p> <p>O controle n&atilde;o &eacute; exercido somente sobre a circula&ccedil;&atilde;o de pessoas, objetos e informa&ccedil;&otilde;es, mas tamb&eacute;m sobre as maneiras como a pr&oacute;pria cidade se desenvolve. Isso est&aacute; presente em grande parte das cidades do Brasil (e certamente do mundo): o envolvimento escuso da ind&uacute;stria imobili&aacute;ria com as campanhas pol&iacute;ticas em troca de favorecimento futuro, a gentrifica&ccedil;&atilde;o dos centros e o urbanismo midi&aacute;tico que adota a l&oacute;gica do espet&aacute;culo e se relaciona mais com a m&iacute;dia do que com a popula&ccedil;&atilde;o. S&atilde;o iniciativas impostas de cima para baixo, sem dialogar com aquilo que &eacute; a pr&oacute;pria ess&ecirc;ncia da cidade: as <i>redes formais e informais de circula&ccedil;&atilde;o de informa&ccedil;&atilde;o</i>. Essa &eacute; uma limita&ccedil;&atilde;o que inevitavelmente vai se repetir nos projetos de tecnologias aplicadas ao cen&aacute;rio urbano.</p> <p>Mesmo iniciativas bem intencionadas acabam usualmente refletindo a l&oacute;gica do controle. No cap&iacute;tulo anterior eu j&aacute; critiquei o <a href="http://www.thevenusproject.com/" rel="nofollow">projeto Venus</a>, de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacque_Fresco" rel="nofollow">Jacque Fresco</a>, como exposto no document&aacute;rio <a href="http://www.zeitgeistaddendum.com/" rel="nofollow">Zeitgeist Addendum</a>. Vou me permitir falar mais um pouco sobre isso porque Fresco foi novamente entrevistado para o terceiro filme, <a href="http://www.zeitgeistmovingforward.com/" rel="nofollow">Zeitgeist - Moving Forward</a>. O document&aacute;rio tem alguns momentos interessantes, como mostrar o potencial transformador das iniciativas de <i>prototipagem e fabrica&ccedil;&atilde;o dom&eacute;stica</i> como o <a href="http://reprap.org/" rel="nofollow">RepRap</a>&nbsp;de Adrian Bowyer. Mas pretende (uma vez mais) indicar a supremacia da ci&ecirc;ncia sobre a economia, a religi&atilde;o e a pol&iacute;tica. E entende esses tr&ecirc;s assuntos de maneira superficial, n&atilde;o reconhecendo que s&atilde;o em &uacute;ltima inst&acirc;ncia o resultado de alguns mil&ecirc;nios de evolu&ccedil;&atilde;o de nossas necessidades materiais, espirituais e sociais. Sugerir que se jogue tudo isso fora para viver uma vida <i>controlada e homog&ecirc;nea</i> &eacute; uma insanidade.</p> <p>Jacque Fresco tem uma imagina&ccedil;&atilde;o &iacute;mpar. &Eacute; certamente um vision&aacute;rio. Mas passa a impress&atilde;o de ignorar a hist&oacute;ria humana (talvez s&oacute; tenha lido fic&ccedil;&atilde;o cient&iacute;fica). Sua proposta de cidade ideal, al&eacute;m de provavelmente entediante, tamb&eacute;m tem alguns problemas de condicionamento. N&atilde;o por acaso, um dos elementos centrais de seu projeto &eacute; o &quot;centro de controle&quot;, com um &quot;mainframe&quot; que gerencia sensores espalhados por toda a cidade e permite o monitoramento de tudo que acontece. Subliminarmente, cria-se uma <i>assimetria</i> entre quem administra (controla) a cidade, e a popula&ccedil;&atilde;o que s&oacute; tem <i>acesso restrito</i> aos dados gerados.</p> <p>&Eacute; a mesma l&oacute;gica que opera em experimentos corporativos como os dos <a href="http://www.newelectronics.co.uk/electronics-technology/cover-story-smartening-up-the-city-with-smart-metering/30894/" rel="nofollow">laborat&oacute;rios da francesa Orange</a>: sensores v&atilde;o gerar dados, que ser&atilde;o &uacute;teis para tomar decis&otilde;es que refletem no gasto p&uacute;blico (energia, manuten&ccedil;&atilde;o, sem&aacute;foros, etc.). Mas &eacute; a administra&ccedil;&atilde;o das cidades (em conjunto com as pr&oacute;prias empresas que desenvolvem a infraestrutura) quem decide o que ser&aacute; feito com esses dados.</p> <p>O problema, obviamente, n&atilde;o s&atilde;o os sensores ou o monitoramento em si. No ano passado, enquanto visitava com o grupo do <a href="http://desvio.cc/blog/labtolab-dia-dia" rel="nofollow">LabtoLab</a>&nbsp;o espa&ccedil;o <a href="http://latabacalera.net/" rel="nofollow">La Tabacalera</a>&nbsp;em Madri, debatemos rapidamente sobre as c&acirc;meras espalhadas pelo pr&eacute;dio (uma antiga f&aacute;brica de tabaco transformada em centro cultural autogestionado), cujo centro de controle ficava justamente em seu <i>Espacio Copyleft</i>. Alguns artistas e ativistas levantaram a poss&iacute;vel contradi&ccedil;&atilde;o entre o copyleft e as c&acirc;meras. Eu discordei, argumentando que o problema n&atilde;o eram as c&acirc;meras em si, mas a potencial rela&ccedil;&atilde;o de poder embutida nelas: quem &eacute; que tem acesso &agrave; informa&ccedil;&atilde;o que elas capturam e transmitem? Se toda a comunidade tivesse acesso &agrave;s c&acirc;meras, talvez elas pudessem ser entendidas como a <i>radicaliza&ccedil;&atilde;o da coletividade</i>, em vez de invas&atilde;o de privacidade. N&atilde;o era o caso, mas eu estava tentando desconstruir aquela associa&ccedil;&atilde;o direta entre monitoramento e controle. Nesse sentido, o problema n&atilde;o s&atilde;o os dispositivos que geram dados, mas decidir quem est&aacute; autorizado a acessar e manipular esses dados, e a informa&ccedil;&atilde;o que v&atilde;o gerar. Em outras palavras, interessa saber se o sistema &eacute; desenhado <i>para o controle ou para a participa&ccedil;&atilde;o</i>.</p> <h2>Cidades conversacionais</h2> <p><a href="http://twitter.com/agpublic" rel="nofollow"> Adam Greenfield</a>&nbsp;publicou no Urban Scale o artigo &quot;<a href="http://urbanscale.org/2011/02/17/beyond-the-smart-city/" rel="nofollow">Al&eacute;m da cidade inteligente</a>&quot;&nbsp;, no qual discorre sobre a import&acirc;ncia de <i>padr&otilde;es abertos</i> em um cen&aacute;rio urbano iminente no qual diversos objetos geram informa&ccedil;&otilde;es disponibilizadas aos cidad&atilde;os. Ele prop&otilde;e &quot;alavancar o poder do processamento de informa&ccedil;&atilde;o em rede para possibilitar um modo mais leve, flex&iacute;vel e responsivo, at&eacute; brincalh&atilde;o, de interagir com a diversidade metropolitana&quot;.</p> <p>Para isso, Greenfield considera fundamental que esses objetos adotem <i>protocolos abertos</i> e publiquem dados de forma aberta. &quot;A vantagem primordial dos dados abertos nesse contexto &eacute; que eles resistem a tentativas de concentra&ccedil;&atilde;o poder atrav&eacute;s da alavancagem de assimetrias de informa&ccedil;&atilde;o e diferenciais de acesso. Se uma pessoa tem esse conjunto de dados, todas t&ecirc;m&quot;. Ele associa o potencial inovador de ver-se a cidade como software de c&oacute;digo aberto: &quot;assim como o programador iniciante &eacute; convidado a aprender, entender e at&eacute; incrementar - &rsquo;hackear&rsquo; - software de c&oacute;digo aberto, a pr&oacute;pria cidade deveria convidar seus usu&aacute;rios a demistificar e reengenheirar <i>[desculpem pelo neologismo]</i> os lugares nos quais vivem e os processos que geram significado, no n&iacute;vel mais &iacute;ntimo e imediato&quot;.</p> <p>Mais tarde, escreve que &quot;se por nenhuma outra raz&atilde;o do que as expectativas serem t&atilde;o altas, qualquer sistema distribu&iacute;do com uma superf&iacute;cie de ataque t&atilde;o ampla quanto uma cidade enredada precisa verdadeiramente da seguran&ccedil;a acentuada que acompanha o desenvolvimento aberto. Ou seja, <i>a internet das coisas precisa ser aberta</i>.&quot; Greenfield acredita (e eu tamb&eacute;m) na criatividade potencial que reside nas pontas, na apropria&ccedil;&atilde;o cotidiana (e na gambiarra), na liberdade potencial que acompanhar os protocolos abertos.</p> <p>Entretanto, em paralelo &agrave; essencial especifica&ccedil;&atilde;o de protocolos, &eacute; necess&aacute;rio refletir sobre e esclarecer a maneira como entendemos a <i>cidade do futuro</i>: se queremos uma mera m&aacute;quina para a manuten&ccedil;&atilde;o do <i>status quo</i> e alimenta&ccedil;&atilde;o do sistema capital-consumista, ou uma <i>constru&ccedil;&atilde;o participativa</i> que possibilite o pleno desenvolvimento do potencial humano, criativo e econ&ocirc;mico de cada indiv&iacute;duo e grupo que nela vive. Eu acho muito relevantes algumas iniciativas que aparentemente passam ao largo da discuss&atilde;o mais espec&iacute;fica sobre tecnologias da informa&ccedil;&atilde;o mas acabam cumprindo o papel fundamental de debater a cidade como uma tecnologia em si. Um exemplo aqui no Brasil &eacute; a rede <a href="http://www.nossasaopaulo.org.br/" rel="nofollow">Nossa S&atilde;o Paulo</a>, que busca transformar a cidade em um <i>espa&ccedil;o conversacional cooperativo, </i>a partir de uma tecnologia simples e direta.</p> <p>Tecnologia &eacute; poder. <a href="http://twitter.com/marcbraz" rel="nofollow">Marcelo Braz</a>&nbsp;mandou na lista MetaReciclagem a dica de um texto de <a href="http://www.oei.es/noticias/spip.php?article664" rel="nofollow">Langdon Winner</a>&nbsp;que toca nesses aspectos:</p> <blockquote class="Quotation"> &quot;A esperan&ccedil;a de que novas tecnologias trar&atilde;o liberdade e democracia tem sido um tema comum nos &uacute;ltimos s&eacute;culos. &Agrave;s vezes essas id&eacute;ias s&atilde;o razo&aacute;veis ou at&eacute; louv&aacute;veis. O que elas t&ecirc;m em comum &eacute; uma cren&ccedil;a de que a inova&ccedil;&atilde;o traz uma grande ben&ccedil;&atilde;o e que n&atilde;o envolve imagina&ccedil;&atilde;o, esfor&ccedil;o ou conflito. O que freq&uuml;entemente ocorre, entretanto, &eacute; que a forma institucionalizada da tecnologia &ndash; na ind&uacute;stria, nos meios de comunica&ccedil;&atilde;o etc. &ndash; incorpora poder econ&ocirc;mico e pol&iacute;tico.&quot; </blockquote> <p>Pensar a cidade como sistema operacional invariavelmente leva ao <i>conflito</i> com poderes estabelecidos localmente, em especial com aqueles que se baseiam na <i>manuten&ccedil;&atilde;o de privil&eacute;gios</i> atrav&eacute;s da escassez de informa&ccedil;&atilde;o. &Eacute; um conflito impl&iacute;cito, e essa &eacute; uma de suas qualidades. Seu impacto profundo se revela gradualmente, e a partir de determinado momento se torna <i>irrevers&iacute;vel</i>. &Eacute; uma corrida de resist&ecirc;ncia, e estamos nela pelo longo prazo. O desenvolvimento de tecnologias de informa&ccedil;&atilde;o e sua incorpora&ccedil;&atilde;o ao cotidiano (a partir de <i>laborat&oacute;rios experimentais locais baseados em tecnologias livres</i>) &eacute; um bra&ccedil;o importante dessa busca. Seguimos em frente.</p> cidades digitais desvio iot livro metareciclagem pós-digitais redelabs ubalab Tue, 10 May 2011 16:58:49 +0000 felipefonseca 10718 at http://efeefe.no-ip.org Laboratórios Experimentais: interface rede-rua http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/labs-interface-rede-rua <p>Qualquer cidade pode ser entendida como justaposi&ccedil;&atilde;o de fluxos de informa&ccedil;&atilde;o que se entrecortam, afetam-se uns aos outros e no processo criam realidades, oportunidades e tamb&eacute;m limita&ccedil;&otilde;es. Essa vis&atilde;o quase &oacute;bvia sugere incont&aacute;veis formas de intervir na realidade local. H&aacute; alguns meses eu estava procurando um foco espec&iacute;fico para concentrar esfor&ccedil;os, um formato para inspirar e orientar. A imagem da <i>interface</i> pareceu um caminho interessante.</p> <h2>Inova&ccedil;&atilde;o de ponta vs. inova&ccedil;&atilde;o nas pontas</h2> <p>H&aacute; pouco tempo eu estava assistindo (com alguns anos de atraso) ao document&aacute;rio <a href="http://www.zeitgeistaddendum.com/" rel="nofollow">Zeitgeist Addendum</a>. Naturalmente, n&atilde;o consigo concordar com todas as teses expostas por ali. Me incomoda em particular a vis&atilde;o de um futuro impec&aacute;vel pintada por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacque_Fresco" rel="nofollow">Jacque Fresco</a>, que de certa forma coloca a tecnologia de ponta <i>acima</i> de todo o restante do conhecimento humano. Seu <a href="http://www.thevenusproject.com/" rel="nofollow">Venus Project</a>&nbsp;tem uma vis&atilde;o algo datada de tecnoutopia, em alguns sentidos ing&ecirc;nua e em outros at&eacute; opressora. Ele parece exigir convers&atilde;o total para funcionar. Em outras palavras, demanda um contexto social em que n&atilde;o existe dissenso. Uma esp&eacute;cie de ditadura dos inventores - um futuro que eu n&atilde;o desejo para ningu&eacute;m.</p> <p>Por outro lado, n&atilde;o posso deixar de concordar quando ele sugere que uma postura inovadora em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s tecnologias poderia resolver uma s&eacute;rie de problemas que consideramos inevit&aacute;veis. Um dos exemplos que ele d&aacute; s&atilde;o os acidentes com autom&oacute;veis, um tipo de ocorr&ecirc;ncia que poderia ser amenizado se o foco do desenvolvimento tecnol&oacute;gico fosse a <i>solu&ccedil;&atilde;o de problemas</i>. Faz sentido. Mas a minha proje&ccedil;&atilde;o de inova&ccedil;&atilde;o aplicada para futuros melhores n&atilde;o &eacute; centralizada nem depende de grandes estruturas. Pelo contr&aacute;rio, ela est&aacute; <i>nas pontas</i>, conversando com as ruas, presente nas gambiarras do dia a dia, naturalizada como pr&aacute;tica cultural que alia adaptabilidade, autodidatismo e desejo de mudan&ccedil;a. Essa vis&atilde;o de a&ccedil;&atilde;o inovadora que transforma o cotidiano me parece extremamente necess&aacute;ria em um pa&iacute;s repleto de desigualdades.</p> <p>Alta tecnologia e apropria&ccedil;&atilde;o cotidiana s&atilde;o extremos complementares do mesmo espectro. A <i>inova&ccedil;&atilde;o de ponta</i> requer especializa&ccedil;&atilde;o, grandes capitais orientados &agrave; cria&ccedil;&atilde;o de mercados que sustentem todo o processo. A <i>inova&ccedil;&atilde;o nas pontas</i> precisa essencialmente de generosidade, criatividade transdisciplinar e intelig&ecirc;ncia de rede. A inova&ccedil;&atilde;o de ponta tem formatos e estruturas estabelecidos - reconhecidamente na fronteira entre <i>mercado, universidade e ci&ecirc;ncia</i>. A inova&ccedil;&atilde;o nas pontas tem cada vez mais se dinamizado a partir de espa&ccedil;os aut&ocirc;nomos - laborat&oacute;rios experimentais que operam em rede promovendo a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica de tecnologias. Que tipo de fun&ccedil;&atilde;o esses laborat&oacute;rios podem assumir na sociedade atual?</p> <h2>Conhecimento compartilhado e o mundo l&aacute; fora</h2> <p>Atrav&eacute;s da internet, as redes sociais e os ambientes colaborativos online t&ecirc;m possibilitado a constru&ccedil;&atilde;o e circula&ccedil;&atilde;o de conhecimento compartilhado - em especial naqueles ecossistemas informacionais que usam <i>licen&ccedil;as livres</i> como ferramenta de dissemina&ccedil;&atilde;o e replica&ccedil;&atilde;o. Independente da licen&ccedil;a mais adequada para cada caso, a ideia de <i><a href="http://www.gpopai.usp.br/wiki/index.php/O_que_s%C3%A3o_Commons%3F" rel="nofollow">commons</a>&nbsp;</i>(an&aacute;loga ao que os espanhois est&atilde;o chamando de <a href="http://medialab-prado.es/laboratorio_del_procomun" rel="nofollow">procom&uacute;n</a>) &eacute; essencial.</p> <p>Tendo em vista o horizonte amplo de inova&ccedil;&atilde;o aplicada, muito mais importantes do que m&uacute;sica e v&iacute;deo disponibilizados online s&atilde;o os <i>bancos compartilhados de conhecimentos espec&iacute;ficos</i> que ensinam qualquer pessoa a solucionar uma infinidade de problemas. Desde receitas de comida ou de medicina natural at&eacute; dicas de afina&ccedil;&atilde;o para instrumentos musicais. De tutoriais para criar rob&ocirc;s com peda&ccedil;os de sucata eletr&ocirc;nica at&eacute; guias sobre como cuidar de beb&ecirc;s ou construir casas que gastem menos energia. Informa&ccedil;&otilde;es sobre a hist&oacute;ria e geografia de localidades no mundo inteiro. Opini&otilde;es sobre equipamentos, servi&ccedil;os, organiza&ccedil;&otilde;es. Um volume imenso de informa&ccedil;&atilde;o honesta, livre, relevante e remix&aacute;vel. Mas esse universo em expans&atilde;o n&atilde;o parece ter nenhuma rela&ccedil;&atilde;o direta com os dispositivos informacionais da cidade contempor&acirc;nea.</p> <p>De fato, a vida urbana como a entendemos n&atilde;o tem - ainda - nenhuma conex&atilde;o <i>estruturada e intencional</i> com o <i>conhecimento livre</i> dispon&iacute;vel na internet. Voltando &agrave; met&aacute;fora da cidade como sistema: bibliotecas podem ser entendidas como esta&ccedil;&otilde;es de acesso ao mundo editorial. Ag&ecirc;ncias de correios nos p&otilde;em em contato com qualquer pessoa que tenha um endere&ccedil;o f&iacute;sico. As inst&acirc;ncias administrativas como C&acirc;mara de Vereadores e Prefeitura abrem caminho para a participa&ccedil;&atilde;o na pol&iacute;tica representativa. Escolas e Universidades proporcionam o contato com conhecimento acad&ecirc;mico, homog&ecirc;neo e est&aacute;vel (com algumas not&aacute;veis exce&ccedil;&otilde;es, que v&atilde;o muito al&eacute;m disso). O transporte p&uacute;blico nos leva de um lugar ao outro. Podemos analisar atrav&eacute;s dos fluxos de informa&ccedil;&atilde;o tamb&eacute;m os bancos, postos de sa&uacute;de, centros comunit&aacute;rios, escrit&oacute;rios de contabilidade, ag&ecirc;ncias de motoboys, e por a&iacute; vai.</p> <p>Por sua vez, as lanhouses e telecentros oferecem de fato o acesso &agrave; internet, em toda a sua pot&ecirc;ncia. Mas se tecnicamente t&ecirc;m tudo que algu&eacute;m precisa para vivenciar aquele conhecimento comum disponibilizado nas redes, elas n&atilde;o t&ecirc;m nenhuma <i>orienta&ccedil;&atilde;o estrat&eacute;gica</i> nesse sentido. T&ecirc;m as m&aacute;quinas e o acesso, mas a inten&ccedil;&atilde;o e o horizonte de atua&ccedil;&atilde;o s&atilde;o amplos demais, e por consequ&ecirc;ncia algo superficiais. &Eacute; &oacute;bvio que existem muitos telecentros e algumas lanhouses que v&atilde;o al&eacute;m, criam programa&ccedil;&atilde;o local voltada &agrave; autonomia, &agrave; apropria&ccedil;&atilde;o das tecnologias em rede, ao desenvolvimento de projetos. Mas o modelo mental sobre o qual est&atilde;o montados &eacute; sempre um fator de limita&ccedil;&atilde;o: a prioridade no <i>acesso</i> a algo que est&aacute; remoto e estabelecido.</p> <h2>Acesso e constru&ccedil;&atilde;o</h2> <p>Eu sempre acho estranho que um monte de ONGs (e escolas) brasileiras que se dizem influenciadas pelo pensamento de Paulo Freire - um cr&iacute;tico contundente da pr&oacute;pria ideia de &quot;transmiss&atilde;o de conhecimento&quot; - permitam-se pensar a internet como quest&atilde;o de mero acesso. Para Paulo Freire, o conhecimento &eacute; criado na viv&ecirc;ncia, no momento mesmo do di&aacute;logo.</p> <p>Se &eacute; poss&iacute;vel uma analogia das teorias de Paulo Freire com a internet, a relev&acirc;ncia n&atilde;o estaria no conte&uacute;do publicado, mas na <i>rela&ccedil;&atilde;o</i> criada a cada instante, quando se trava contato com diferentes informa&ccedil;&otilde;es, pessoas e contextos. Aquela hora em que a gente manda uma mensagem para um grupo de centenas de pessoas espalhadas por todas as regi&otilde;es do Brasil ou do mundo e curiosamente se sente em casa. O momento em que queremos aprender sobre algum assunto e encontramos pela rede uma pessoa que publicou, espontaneamente, um verdadeiro roteiro de aprendizado justamente sobre aquele tema. O conhecimento gerado no processo, na viv&ecirc;ncia, na troca, no compartilhamento.</p> <p>Se queremos fortalecer os aspectos transformadores das redes colaborativas e enriquecer os contextos locais com suas possibilidades, precisamos <i>ultrapassar o paradigma do acesso</i>. Na MetaReciclagem temos insistido na import&acirc;ncia da <i>apropria&ccedil;&atilde;o, da experimenta&ccedil;&atilde;o e da proximidade com o cotidiano</i> para trilhar essa estrada. &Eacute; a partir dessa experi&ecirc;ncia que tenho pensado sobre Laborat&oacute;rios Locais de Tecnologias Livres.</p> <h2>Labs como interfaces</h2> <p>Atrav&eacute;s da experi&ecirc;ncia <a href="http://redelabs.org" rel="nofollow">Rede//Labs</a>, eu tenho tido a oportunidade de saber um pouco mais sobre iniciativas do mundo inteiro que t&ecirc;m proposto estruturas para experimenta&ccedil;&atilde;o e criatividade distribu&iacute;da. S&atilde;o formatos diversos, com graus variados de autonomia, atuando justamente no di&aacute;logo entre o conhecimento comum das redes e as diferentes realidades locais.</p> <p>Uma iniciativa pioneira de Laborat&oacute;rio no Brasil foi o IP://, criado em 2004 na Lapa carioca. O nome veio das iniciais de &quot;Interface P&uacute;blica&quot;, e essa &eacute; uma ideia que tem ressoado nas minhas andan&ccedil;as por aqui. Laborat&oacute;rios Experimentais locais orientados para o desenvolvimento de inova&ccedil;&atilde;o livre socialmente relevante podem funcionar justamente como <i>interfaces</i> entre os fluxos locais e a abund&acirc;ncia das redes digitais. Tamb&eacute;m me v&ecirc;m &agrave; cabe&ccedil;a dois outros projetos que t&ecirc;m bem clara a natureza de interface: o <a href="http://medialab-prado.es/" rel="nofollow">Medialab Prado</a>, de Madri&nbsp;e o <a href="http://bailux.wordpress.com/" rel="nofollow">Bailux</a>, em Arraial d&rsquo;Ajuda.</p> <p>&Eacute; bom enfatizar aqui o que se entende por interface: aquilo que se coloca como ponto de comunica&ccedil;&atilde;o entre dois campos distintos. A <i>tradu&ccedil;&atilde;o ativa</i> entre contextos ou &aacute;reas de conhecimento diversos. O portal entre mundos. O buraco de minhoca que possibilita saltos qu&acirc;nticos. O IP://, o Medialab Prado, o Bailux e tantos outros se colocam justamente nessa posi&ccedil;&atilde;o de fronteira.</p> <p>Algumas dezenas ou mesmo centenas de projetos em todo o Brasil t&ecirc;m potencial para tornarem-se esse tipo de interface. S&oacute; precisam tomar algumas decis&otilde;es. Preocupar-se menos com a ideia abstrata de p&uacute;blico e de oficinas de forma&ccedil;&atilde;o, e mais com o <i>desenvolvimento de tecnologias</i> em si, solu&ccedil;&atilde;o de problemas. Tentar criar um ambiente acolhedor, que receba visitas n&atilde;o agendadas sem intimidar as pessoas. Que proporcione liberdade de a&ccedil;&atilde;o e facilite a cria&ccedil;&atilde;o colaborativa. Que tenha um m&iacute;nimo de infraestrutura (cadeiras, bancadas, tomadas, cabos de rede). Uma mistura de <a href="http://rede.metareciclagem.org/listas/esporos" rel="nofollow">esporo de MetaReciclagem</a>, Ponto de Cultura, <a href="http://saopaulo.the-hub.net/public/" rel="nofollow">The Hub</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Hacklab" rel="nofollow">hacklab</a>, centro comunit&aacute;rio e incubadora de startups. Podem ter programa&ccedil;&atilde;o de encontros e oficinas, complementada por um cotidiano de experimenta&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento de projetos. E mais importante, que promovam a colabora&ccedil;&atilde;o a partir da liberdade e da diversidade, e assumam seu papel de <i>interface entre as redes digitais e as redes tecidas na vida da cidade</i>. Projetos que se posicionam dessa forma mais ampla s&atilde;o o <a href="http://odc.betahaus.de/" rel="nofollow">Open Design City</a>&nbsp;em Berlim, o <a href="http://www.citilab.eu/" rel="nofollow">Citilab Cornell&aacute;</a>&nbsp;em Barcelona, entre outros.</p> <p>Como eu sugeri em um <a href="http://blog.redelabs.org/blog/redelabs-caminhos-brasileiros-para-cultura-digital-experimental" rel="nofollow">texto no ano passado</a>&nbsp;, esses n&uacute;cleos n&atilde;o precisam se definir somente como &quot;laborat&oacute;rios de m&iacute;dia&quot;. N&atilde;o devem limitar-se &agrave; produ&ccedil;&atilde;o de &quot;conte&uacute;do&quot;. Tratam, na verdade, de <i>criatividade aplicada</i>, busca de <i>solu&ccedil;&otilde;es</i> em m&uacute;ltiplas &aacute;reas de conhecimento. Um laborat&oacute;rio experimental pode, claro, produzir v&iacute;deos, programas de r&aacute;dio, cobertura online de eventos, material gr&aacute;fico, websites. Mas tamb&eacute;m desenvolve pesquisa em capta&ccedil;&atilde;o e armazenamento de energia alternativa, monitoramento ambiental com sensores, redes de aprendizado distribu&iacute;do, instala&ccedil;&otilde;es imersivas, projetos de rob&oacute;tica educacional. Pode trabalhar com media&ccedil;&atilde;o de conflitos, democracia experimental, pol&iacute;tica cultural, financiamento solid&aacute;rio de pequenos projetos. Elabora e implementa planos cr&iacute;ticos para cidades digitais. N&atilde;o existem limites para laborat&oacute;rios que se proponham a atuar como interfaces entre o mundo cotidiano e a multiplicidade das redes.</p> interface livro metareciclagem pós-digitais redelabs Tue, 10 May 2011 16:45:21 +0000 felipefonseca 10717 at http://efeefe.no-ip.org