efeefe - interface http://efeefe.no-ip.org/taxonomy/term/829/0 pt-br Laboratórios Experimentais: interface rede-rua http://efeefe.no-ip.org/livro/lpd/labs-interface-rede-rua <p>Qualquer cidade pode ser entendida como justaposi&ccedil;&atilde;o de fluxos de informa&ccedil;&atilde;o que se entrecortam, afetam-se uns aos outros e no processo criam realidades, oportunidades e tamb&eacute;m limita&ccedil;&otilde;es. Essa vis&atilde;o quase &oacute;bvia sugere incont&aacute;veis formas de intervir na realidade local. H&aacute; alguns meses eu estava procurando um foco espec&iacute;fico para concentrar esfor&ccedil;os, um formato para inspirar e orientar. A imagem da <i>interface</i> pareceu um caminho interessante.</p> <h2>Inova&ccedil;&atilde;o de ponta vs. inova&ccedil;&atilde;o nas pontas</h2> <p>H&aacute; pouco tempo eu estava assistindo (com alguns anos de atraso) ao document&aacute;rio <a href="http://www.zeitgeistaddendum.com/" rel="nofollow">Zeitgeist Addendum</a>. Naturalmente, n&atilde;o consigo concordar com todas as teses expostas por ali. Me incomoda em particular a vis&atilde;o de um futuro impec&aacute;vel pintada por <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacque_Fresco" rel="nofollow">Jacque Fresco</a>, que de certa forma coloca a tecnologia de ponta <i>acima</i> de todo o restante do conhecimento humano. Seu <a href="http://www.thevenusproject.com/" rel="nofollow">Venus Project</a>&nbsp;tem uma vis&atilde;o algo datada de tecnoutopia, em alguns sentidos ing&ecirc;nua e em outros at&eacute; opressora. Ele parece exigir convers&atilde;o total para funcionar. Em outras palavras, demanda um contexto social em que n&atilde;o existe dissenso. Uma esp&eacute;cie de ditadura dos inventores - um futuro que eu n&atilde;o desejo para ningu&eacute;m.</p> <p>Por outro lado, n&atilde;o posso deixar de concordar quando ele sugere que uma postura inovadora em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s tecnologias poderia resolver uma s&eacute;rie de problemas que consideramos inevit&aacute;veis. Um dos exemplos que ele d&aacute; s&atilde;o os acidentes com autom&oacute;veis, um tipo de ocorr&ecirc;ncia que poderia ser amenizado se o foco do desenvolvimento tecnol&oacute;gico fosse a <i>solu&ccedil;&atilde;o de problemas</i>. Faz sentido. Mas a minha proje&ccedil;&atilde;o de inova&ccedil;&atilde;o aplicada para futuros melhores n&atilde;o &eacute; centralizada nem depende de grandes estruturas. Pelo contr&aacute;rio, ela est&aacute; <i>nas pontas</i>, conversando com as ruas, presente nas gambiarras do dia a dia, naturalizada como pr&aacute;tica cultural que alia adaptabilidade, autodidatismo e desejo de mudan&ccedil;a. Essa vis&atilde;o de a&ccedil;&atilde;o inovadora que transforma o cotidiano me parece extremamente necess&aacute;ria em um pa&iacute;s repleto de desigualdades.</p> <p>Alta tecnologia e apropria&ccedil;&atilde;o cotidiana s&atilde;o extremos complementares do mesmo espectro. A <i>inova&ccedil;&atilde;o de ponta</i> requer especializa&ccedil;&atilde;o, grandes capitais orientados &agrave; cria&ccedil;&atilde;o de mercados que sustentem todo o processo. A <i>inova&ccedil;&atilde;o nas pontas</i> precisa essencialmente de generosidade, criatividade transdisciplinar e intelig&ecirc;ncia de rede. A inova&ccedil;&atilde;o de ponta tem formatos e estruturas estabelecidos - reconhecidamente na fronteira entre <i>mercado, universidade e ci&ecirc;ncia</i>. A inova&ccedil;&atilde;o nas pontas tem cada vez mais se dinamizado a partir de espa&ccedil;os aut&ocirc;nomos - laborat&oacute;rios experimentais que operam em rede promovendo a apropria&ccedil;&atilde;o cr&iacute;tica de tecnologias. Que tipo de fun&ccedil;&atilde;o esses laborat&oacute;rios podem assumir na sociedade atual?</p> <h2>Conhecimento compartilhado e o mundo l&aacute; fora</h2> <p>Atrav&eacute;s da internet, as redes sociais e os ambientes colaborativos online t&ecirc;m possibilitado a constru&ccedil;&atilde;o e circula&ccedil;&atilde;o de conhecimento compartilhado - em especial naqueles ecossistemas informacionais que usam <i>licen&ccedil;as livres</i> como ferramenta de dissemina&ccedil;&atilde;o e replica&ccedil;&atilde;o. Independente da licen&ccedil;a mais adequada para cada caso, a ideia de <i><a href="http://www.gpopai.usp.br/wiki/index.php/O_que_s%C3%A3o_Commons%3F" rel="nofollow">commons</a>&nbsp;</i>(an&aacute;loga ao que os espanhois est&atilde;o chamando de <a href="http://medialab-prado.es/laboratorio_del_procomun" rel="nofollow">procom&uacute;n</a>) &eacute; essencial.</p> <p>Tendo em vista o horizonte amplo de inova&ccedil;&atilde;o aplicada, muito mais importantes do que m&uacute;sica e v&iacute;deo disponibilizados online s&atilde;o os <i>bancos compartilhados de conhecimentos espec&iacute;ficos</i> que ensinam qualquer pessoa a solucionar uma infinidade de problemas. Desde receitas de comida ou de medicina natural at&eacute; dicas de afina&ccedil;&atilde;o para instrumentos musicais. De tutoriais para criar rob&ocirc;s com peda&ccedil;os de sucata eletr&ocirc;nica at&eacute; guias sobre como cuidar de beb&ecirc;s ou construir casas que gastem menos energia. Informa&ccedil;&otilde;es sobre a hist&oacute;ria e geografia de localidades no mundo inteiro. Opini&otilde;es sobre equipamentos, servi&ccedil;os, organiza&ccedil;&otilde;es. Um volume imenso de informa&ccedil;&atilde;o honesta, livre, relevante e remix&aacute;vel. Mas esse universo em expans&atilde;o n&atilde;o parece ter nenhuma rela&ccedil;&atilde;o direta com os dispositivos informacionais da cidade contempor&acirc;nea.</p> <p>De fato, a vida urbana como a entendemos n&atilde;o tem - ainda - nenhuma conex&atilde;o <i>estruturada e intencional</i> com o <i>conhecimento livre</i> dispon&iacute;vel na internet. Voltando &agrave; met&aacute;fora da cidade como sistema: bibliotecas podem ser entendidas como esta&ccedil;&otilde;es de acesso ao mundo editorial. Ag&ecirc;ncias de correios nos p&otilde;em em contato com qualquer pessoa que tenha um endere&ccedil;o f&iacute;sico. As inst&acirc;ncias administrativas como C&acirc;mara de Vereadores e Prefeitura abrem caminho para a participa&ccedil;&atilde;o na pol&iacute;tica representativa. Escolas e Universidades proporcionam o contato com conhecimento acad&ecirc;mico, homog&ecirc;neo e est&aacute;vel (com algumas not&aacute;veis exce&ccedil;&otilde;es, que v&atilde;o muito al&eacute;m disso). O transporte p&uacute;blico nos leva de um lugar ao outro. Podemos analisar atrav&eacute;s dos fluxos de informa&ccedil;&atilde;o tamb&eacute;m os bancos, postos de sa&uacute;de, centros comunit&aacute;rios, escrit&oacute;rios de contabilidade, ag&ecirc;ncias de motoboys, e por a&iacute; vai.</p> <p>Por sua vez, as lanhouses e telecentros oferecem de fato o acesso &agrave; internet, em toda a sua pot&ecirc;ncia. Mas se tecnicamente t&ecirc;m tudo que algu&eacute;m precisa para vivenciar aquele conhecimento comum disponibilizado nas redes, elas n&atilde;o t&ecirc;m nenhuma <i>orienta&ccedil;&atilde;o estrat&eacute;gica</i> nesse sentido. T&ecirc;m as m&aacute;quinas e o acesso, mas a inten&ccedil;&atilde;o e o horizonte de atua&ccedil;&atilde;o s&atilde;o amplos demais, e por consequ&ecirc;ncia algo superficiais. &Eacute; &oacute;bvio que existem muitos telecentros e algumas lanhouses que v&atilde;o al&eacute;m, criam programa&ccedil;&atilde;o local voltada &agrave; autonomia, &agrave; apropria&ccedil;&atilde;o das tecnologias em rede, ao desenvolvimento de projetos. Mas o modelo mental sobre o qual est&atilde;o montados &eacute; sempre um fator de limita&ccedil;&atilde;o: a prioridade no <i>acesso</i> a algo que est&aacute; remoto e estabelecido.</p> <h2>Acesso e constru&ccedil;&atilde;o</h2> <p>Eu sempre acho estranho que um monte de ONGs (e escolas) brasileiras que se dizem influenciadas pelo pensamento de Paulo Freire - um cr&iacute;tico contundente da pr&oacute;pria ideia de &quot;transmiss&atilde;o de conhecimento&quot; - permitam-se pensar a internet como quest&atilde;o de mero acesso. Para Paulo Freire, o conhecimento &eacute; criado na viv&ecirc;ncia, no momento mesmo do di&aacute;logo.</p> <p>Se &eacute; poss&iacute;vel uma analogia das teorias de Paulo Freire com a internet, a relev&acirc;ncia n&atilde;o estaria no conte&uacute;do publicado, mas na <i>rela&ccedil;&atilde;o</i> criada a cada instante, quando se trava contato com diferentes informa&ccedil;&otilde;es, pessoas e contextos. Aquela hora em que a gente manda uma mensagem para um grupo de centenas de pessoas espalhadas por todas as regi&otilde;es do Brasil ou do mundo e curiosamente se sente em casa. O momento em que queremos aprender sobre algum assunto e encontramos pela rede uma pessoa que publicou, espontaneamente, um verdadeiro roteiro de aprendizado justamente sobre aquele tema. O conhecimento gerado no processo, na viv&ecirc;ncia, na troca, no compartilhamento.</p> <p>Se queremos fortalecer os aspectos transformadores das redes colaborativas e enriquecer os contextos locais com suas possibilidades, precisamos <i>ultrapassar o paradigma do acesso</i>. Na MetaReciclagem temos insistido na import&acirc;ncia da <i>apropria&ccedil;&atilde;o, da experimenta&ccedil;&atilde;o e da proximidade com o cotidiano</i> para trilhar essa estrada. &Eacute; a partir dessa experi&ecirc;ncia que tenho pensado sobre Laborat&oacute;rios Locais de Tecnologias Livres.</p> <h2>Labs como interfaces</h2> <p>Atrav&eacute;s da experi&ecirc;ncia <a href="http://redelabs.org" rel="nofollow">Rede//Labs</a>, eu tenho tido a oportunidade de saber um pouco mais sobre iniciativas do mundo inteiro que t&ecirc;m proposto estruturas para experimenta&ccedil;&atilde;o e criatividade distribu&iacute;da. S&atilde;o formatos diversos, com graus variados de autonomia, atuando justamente no di&aacute;logo entre o conhecimento comum das redes e as diferentes realidades locais.</p> <p>Uma iniciativa pioneira de Laborat&oacute;rio no Brasil foi o IP://, criado em 2004 na Lapa carioca. O nome veio das iniciais de &quot;Interface P&uacute;blica&quot;, e essa &eacute; uma ideia que tem ressoado nas minhas andan&ccedil;as por aqui. Laborat&oacute;rios Experimentais locais orientados para o desenvolvimento de inova&ccedil;&atilde;o livre socialmente relevante podem funcionar justamente como <i>interfaces</i> entre os fluxos locais e a abund&acirc;ncia das redes digitais. Tamb&eacute;m me v&ecirc;m &agrave; cabe&ccedil;a dois outros projetos que t&ecirc;m bem clara a natureza de interface: o <a href="http://medialab-prado.es/" rel="nofollow">Medialab Prado</a>, de Madri&nbsp;e o <a href="http://bailux.wordpress.com/" rel="nofollow">Bailux</a>, em Arraial d&rsquo;Ajuda.</p> <p>&Eacute; bom enfatizar aqui o que se entende por interface: aquilo que se coloca como ponto de comunica&ccedil;&atilde;o entre dois campos distintos. A <i>tradu&ccedil;&atilde;o ativa</i> entre contextos ou &aacute;reas de conhecimento diversos. O portal entre mundos. O buraco de minhoca que possibilita saltos qu&acirc;nticos. O IP://, o Medialab Prado, o Bailux e tantos outros se colocam justamente nessa posi&ccedil;&atilde;o de fronteira.</p> <p>Algumas dezenas ou mesmo centenas de projetos em todo o Brasil t&ecirc;m potencial para tornarem-se esse tipo de interface. S&oacute; precisam tomar algumas decis&otilde;es. Preocupar-se menos com a ideia abstrata de p&uacute;blico e de oficinas de forma&ccedil;&atilde;o, e mais com o <i>desenvolvimento de tecnologias</i> em si, solu&ccedil;&atilde;o de problemas. Tentar criar um ambiente acolhedor, que receba visitas n&atilde;o agendadas sem intimidar as pessoas. Que proporcione liberdade de a&ccedil;&atilde;o e facilite a cria&ccedil;&atilde;o colaborativa. Que tenha um m&iacute;nimo de infraestrutura (cadeiras, bancadas, tomadas, cabos de rede). Uma mistura de <a href="http://rede.metareciclagem.org/listas/esporos" rel="nofollow">esporo de MetaReciclagem</a>, Ponto de Cultura, <a href="http://saopaulo.the-hub.net/public/" rel="nofollow">The Hub</a>, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Hacklab" rel="nofollow">hacklab</a>, centro comunit&aacute;rio e incubadora de startups. Podem ter programa&ccedil;&atilde;o de encontros e oficinas, complementada por um cotidiano de experimenta&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento de projetos. E mais importante, que promovam a colabora&ccedil;&atilde;o a partir da liberdade e da diversidade, e assumam seu papel de <i>interface entre as redes digitais e as redes tecidas na vida da cidade</i>. Projetos que se posicionam dessa forma mais ampla s&atilde;o o <a href="http://odc.betahaus.de/" rel="nofollow">Open Design City</a>&nbsp;em Berlim, o <a href="http://www.citilab.eu/" rel="nofollow">Citilab Cornell&aacute;</a>&nbsp;em Barcelona, entre outros.</p> <p>Como eu sugeri em um <a href="http://blog.redelabs.org/blog/redelabs-caminhos-brasileiros-para-cultura-digital-experimental" rel="nofollow">texto no ano passado</a>&nbsp;, esses n&uacute;cleos n&atilde;o precisam se definir somente como &quot;laborat&oacute;rios de m&iacute;dia&quot;. N&atilde;o devem limitar-se &agrave; produ&ccedil;&atilde;o de &quot;conte&uacute;do&quot;. Tratam, na verdade, de <i>criatividade aplicada</i>, busca de <i>solu&ccedil;&otilde;es</i> em m&uacute;ltiplas &aacute;reas de conhecimento. Um laborat&oacute;rio experimental pode, claro, produzir v&iacute;deos, programas de r&aacute;dio, cobertura online de eventos, material gr&aacute;fico, websites. Mas tamb&eacute;m desenvolve pesquisa em capta&ccedil;&atilde;o e armazenamento de energia alternativa, monitoramento ambiental com sensores, redes de aprendizado distribu&iacute;do, instala&ccedil;&otilde;es imersivas, projetos de rob&oacute;tica educacional. Pode trabalhar com media&ccedil;&atilde;o de conflitos, democracia experimental, pol&iacute;tica cultural, financiamento solid&aacute;rio de pequenos projetos. Elabora e implementa planos cr&iacute;ticos para cidades digitais. N&atilde;o existem limites para laborat&oacute;rios que se proponham a atuar como interfaces entre o mundo cotidiano e a multiplicidade das redes.</p> interface livro metareciclagem pós-digitais redelabs Tue, 10 May 2011 16:45:21 +0000 felipefonseca 10717 at http://efeefe.no-ip.org