efeefe - historinhas http://efeefe.no-ip.org/taxonomy/term/255/0 pt-br Legumes http://efeefe.no-ip.org/textos/legumes <blockquote> Publicado originalmente no <a title="col em qualquer" href="http://qualquer.org/col" rel="nofollow">COL</a> 143, em 21/02/2000. &Eacute;poca meio neur&oacute;tica. Acho que comecei a escrever durante um blecaute em sampa, mas isso pode ser engano. As duas ilustra&ccedil;&otilde;es s&atilde;o da <a title="cau no flickr" href="http://flickr.com/photos/striemer" rel="nofollow">Cau</a>. </blockquote> <p><img align="right" width="398" height="500" alt="Legumes 1, por Striemer" src="http://farm3.static.flickr.com/2036/2047394266_ab225060ab.jpg?v=0" /><strong>Legumes</strong><br /> Acreditem em mim. Ah, ol&aacute;, meu nome &eacute; Veco. Ali&aacute;s, meu nome n&atilde;o &eacute; Veco, mas as pessoas me chamam assim porque... Porqu&ecirc; porra nenhuma! N&atilde;o interessa. O que voc&ecirc;s precisam saber &eacute; que eu me chamo Veco e tenho uma hist&oacute;ria pra contar. &Eacute;, uma hist&oacute;ria, com moral e tudo. Mas j&aacute; que eu n&atilde;o sou escritor infantil, vou dar a moral (!!! nunca tinha pensado na origem dessa express&atilde;o) logo no in&iacute;cio. &Eacute; essa, sempre que voc&ecirc;s tiverem duas escolhas, uma certamente ruim e outra que parece boa, escolham a ruim. E a&iacute;, gostaram? Acharam um incentivo ao conformismo? Bom, foda-se, ningu&eacute;m vai responder, e, se responder, eu nunca vou ouvir. Ah, pensando bem, eu tenho outra moral para essa hist&oacute;ria. Mas essa eu conto no final.<br /> <br /> Bom, vamos &agrave; hist&oacute;ria, que come&ccedil;ou no meu apartamento. Um ap&ecirc; enorme, no vig&eacute;simo primeiro andar de um edif&iacute;cio constru&iacute;do no in&iacute;cio dos anos setentas. Desde essa &eacute;poca, ele foi habitado pela minha tia. Em noventa e nove, a megera morreu. Chamo de megera, porque quando eu era pi&aacute; eu fiquei uma noite na casa dela, porque meus pais tinham que sair e n&atilde;o havia mais nenhum parente com quem me deixar. A velha fez uma sopa de legumes. Eu nunca gostei de legumes, ent&atilde;o tomei o caldo da sopa e botei aqueles peda&ccedil;os de coisas nojentas no lixo (&eacute;, eu era um guri de cinco, seis anos, mas muito educadinho). E voltei pra frente da tev&ecirc; com um caderno e um l&aacute;pis na m&atilde;o. Fiquei ali desenhando. Quando a bruxa viu que os legumes tavam no lixo, ficou possessa. Me deu um puta serm&atilde;o e me deixou a noite inteira trancado num quarto escuro. Cada vez que eu come&ccedil;ava a chorar alto ou gritar, ela dava umas porradas na porta, do lado de fora. Eu pranteei em sil&ecirc;ncio at&eacute; dormir. Na manh&atilde; do dia seguinte, meus pais brigaram com ela e n&oacute;s nunca mais a vimos.<br /> <br /> Meus pais morreram, juntos, uns seis meses antes dela. Como n&atilde;o havia outros herdeiros, essa porra de apartamento ficou pra mim. Eu fui morar nele.<br /> <br /> Voltemos, ent&atilde;o, &agrave; hist&oacute;ria. Eu havia me mudado uns dez dias antes. J&aacute; tinha deixado tudo arrumado. O ap&ecirc; estava perfeito. Eu chamei a Lu pra conhecer. Lu &eacute; a mulher da minha vida. Eu tenho outras, ela tem outros, mas isso n&atilde;o nos incomoda. Bom, ela foi l&aacute; em casa, com um bal&atilde;o desses prateados que flutuam no ar, no formato do Rei Le&atilde;o.<br /> <br /> Esse foi o primeiro filme, se &eacute; que posso cham&aacute;-lo de filme, que n&oacute;s vimos juntos no cinema.<br /> <br /> Foi a primeira vez em que nos tocamos. Ela chegou l&aacute; em casa com o Rei Le&atilde;o e um vinho, eu j&aacute; tinha preparado a janta e a noite foi perfeita. At&eacute; que eu a convidei pra morar comigo no ap&ecirc;. Porra, a mulher quase teve um ataque. &quot;Porque tu quer tirar a minha liberdade! Eu tenho minha vida, cara. N&atilde;o vou entrar nesse teu esquema de vidinha a dois!&quot;<br /> <br /> Tentei argumentar enquanto ela se vestia, mas a mina parecia louca. Antes de bater a porta, ainda falou &quot;N&atilde;o adianta, cara. J&aacute; fez a cagada, j&aacute; era.&quot;<br /> <br /> Vivi tr&ecirc;s dias como um zumbi. Passava o tempo inteiro deitado vendo tev&ecirc;, levantava, ia na cozinha pra comer, no banheiro pra cagar e mijar e deitava de novo.</p> <p><br /> At&eacute; que, na terceira noite, ou quarta, incluindo a que ela foi embora, deu um estouro na rua e faltou luz. &quot;Puta que pariu, a tev&ecirc;.&quot; Acendi uma vela azul que tinha na sala e fui pra sacada. Em todas as outras ruas os apartamentos estavam iluminados. &quot;Velha filhadaputa, tinha que comprar esse muquifo bem nessa porra de rua?, falei. &Agrave;s vezes, parece que meus pensamentos s&oacute; valem se eu os falo. Mesmo que seja falar bem baixinho, como foi o caso.<br /> <br /> Peguei uma cerveja na geladeira, fui pra sala e sentei apoiado na mesa. Acendi um cigarro. Eu j&aacute; tinha comido, mas tive uma vontade repentina de tomar sopa de legumes.<br /> <br /> Olhei pra vela. A fuma&ccedil;a do cigarro, na frente da vela, subia reta. Mas eu sentia um vento, a janela estava aberta. &quot;T&ocirc; precisando dum banho.&quot; Fui pro banheiro, deixei a vela em cima da pia de m&aacute;rmore. Entrei no box e abri a torneira. &quot;Putz, &aacute;gua gelada.&quot; Mas era melhor assim. Banho frio acorda, e, podem ter certeza, dormir era o que eu menos tinha vontade de fazer naquele instante. Embaixo do chuveiro, fiquei alguns minutos parado, observand a luz difusa da chama no box de acr&iacute;lico.<br /> <br /> Fechei o chuveiro, me sequei e voltei pra sala. Fiquei sentado no sof&aacute;, pensando como seria bom se eu pudesse ligar o som. Ou se a Lu ligasse. Gastei uns segundos avaliando o que valia mais pra mim, a Lu ou o som. Acho que o som estava ganhando, mas parei antes de chegar a uma conclus&atilde;o. Na real, eu at&eacute; podia viver sem a Lu, mas sem m&uacute;sica &eacute; foda. Me arrependi de n&atilde;o ter escutado m&uacute;sica nos tr&ecirc;s dias anteriores. Foi ent&atilde;o que vi um vulto se mexendo ao lado do sof&aacute;. Pulei para o lado oposto e paralisei. Fiquei olhando fixo para o lugar, at&eacute; que apareceu. Era aquela merda de Rei Le&atilde;o, j&aacute; meio murcho, balan&ccedil;ando com o vento. Joguei ele pela janela e voltei ao sof&aacute;. &quot;H&aacute;, eu sabia. Nem me assustei&quot;, pensei e falei. Nisso, a vela apagou. J&aacute; tinha derretido at&eacute; o fim. &quot;N&atilde;o d&aacute; nada.&quot;</p> <p>Levantei e entrei no corredor. Eu ia dormir, no dia seguinte a luz teria voltado e eu ia sair de casa, dar uma volta. Deitei. S&uacute;bito, ouvi um barulho na cozinha. Vesti uma bermuda, uma camiseta e calcei os chinelos. Cheguei na cozinha e identifiquei o barulho. A pilha de pratos sujos n&atilde;o deixava d&uacute;vida. Eu estava sentindo uma necessidade urgente de sair daquele ap&ecirc;. Decidi descer os vinte e um andares da escada para conversar com o porteiro. Se eu ficasse, n&atilde;o ia conseguir dormir mesmo. Eu tinha plena convic&ccedil;&atilde;o de que poderia sentir-me melhor l&aacute; embaixo.<br /> <br /> Vou me intrometer para explicar que &eacute; aqui o ponto da decis&atilde;o que eu falei pra voc&ecirc;s. Era certo que ficar no apartamento era ruim. E eu achava que seria melhor sair. Continuando, sa&iacute; direto da cozinha, pela porta dos fundos. Desci dois andares e s&oacute; ent&atilde;o percebi que em nenhum deles havia portas. S&oacute; a escada. &quot;Esses edif&iacute;cios antigos,<br /> ...&quot; Tava muito escuro.<br /> <br /> &quot;Meu isqueiro!&quot; Porra, era prov&aacute;vel que eu ficasse algumas horas l&aacute; embaixo. Tinha que levar cigarro e isqueiro. E aproveitava pra iluminar a escada, vai que tem alguma coisa no caminho. Subi dois andares, mas n&atilde;o tinha mais a porta da minha casa. &quot;Devo ter contado errado.&quot; Subi mais dois andares. Nada de portas. Desci os dois novamente.<br /> <br /> &quot;Porra, me perdi.&quot; Resolvi descer tudo e esperar. N&atilde;o tinha mais ningu&eacute;m na escada. S&oacute; por um momento, senti-me observado. Virei para tr&aacute;s e parecia que uma senhora me observava. Subi correndo as escadas e n&atilde;o havia nada. Nem a velha, nem qualquer barulho de passos que denunciasse haver mais algu&eacute;m por ali. Continuei<br /> descendo.<br /> <br /> Desci. Desci. J&aacute; perdera a conta de quantos andares tinha passado.<br /> <br /> Cansado, sentei num degrau. Um vento frio bateu nas minhas costas e voltei a descer.<br /> <br /> <img align="right" alt="Legumes 2, por Striemer" src="http://farm3.static.flickr.com/2264/2047371752_28130a01de.jpg?v=0" /> Logo, topei com uma porta. &quot;Ah, o t&eacute;rreo.&quot; Cheguei ao sagu&atilde;o do edif&iacute;cio e a porta fechou atr&aacute;s de mim. N&atilde;o havia ningu&eacute;m no sagu&atilde;o. Ali&aacute;s, s&oacute; havia um caderno e um l&aacute;pis num canto. E, com exce&ccedil;&atilde;o da porta que vinha da escada, n&atilde;o existiam outras sa&iacute;das. Nem janelas. Tornei a abrir a porta da escada. N&atilde;o havia mais escada. Atr&aacute;s da porta, uma parede. Pensei em gritar, mas era melhor ficar quieto. N&atilde;o quero fazer nenhum barulho. E digo pra voc&ecirc;s, o pior n&atilde;o &eacute; estar confinado neste lugar escuro. O que mais me angustia s&atilde;o duas coisas. Primeira, n&atilde;o tenho a m&iacute;nima no&ccedil;&atilde;o de quanto tempo j&aacute; fiquei aqui. Segunda, n&atilde;o sei se estou vivo, morto, dormindo, em coma ou louco. Mas eu sei de uma coisa. Ah, eu sei. Sei que, amanh&atilde; de manh&atilde;, meus pais v&atilde;o chegar e me tirar daqui.<br /> <br /> Antes que eu me esque&ccedil;a, a segunda moral da hist&oacute;ria:<br /> <br /> SEMPRE COMAM OS LEGUMES DA SOPA.<br /> <br /> --Izq&mdash;</p> contos ficção historinhas Tue, 20 Nov 2007 23:59:15 +0000 felipefonseca 2876 at http://efeefe.no-ip.org Mujeres http://efeefe.no-ip.org/textos/mujeres <blockquote> Publicado originalmente no <a title="COL" href="http://qualquer.org/col/" rel="nofollow">COL</a> 146, em 14/03/2000. Na &eacute;poca eu lia bastante Rubem Fonseca. A ilustra&ccedil;&atilde;o &eacute; atual, feita pela <a title="Striemer no Flickr" href="http://flickr.com/photos/striemer" rel="nofollow">Cau</a>. </blockquote> <p><strong> MUJERES</strong><br /> <em> ---Izq---</em><br /> <a title="Ilustra&ccedil;&atilde;o - Carolina Striemer" href="http://flickr.com/photos/striemer" rel="nofollow"><img align="right" width="314" height="500" alt="Mujeres" src="http://farm3.static.flickr.com/2103/2047371780_3278347a36.jpg" /></a>Paula olha mais uma vez para sua m&atilde;e dentro do carro. Pisca o olho. V&ecirc; os l&aacute;bios dela proferindo um &quot;boa sorte&quot;. Vira-se e entra na porta girat&oacute;ria do banco. A porta tranca. Paula abre o z&iacute;per de cima da bolsa e mostra para o guarda as chaves, o celular, o estojo de maquiagem de metal. Como previsto, o guarda n&atilde;o pede para ela tirar as coisas. Lu&iacute;sa e M&aacute;rcia j&aacute; est&atilde;o dentro do banco, a primeira na fila do caixa, a outra atr&aacute;s do outro seguran&ccedil;a. &Eacute; quarta-feira, metade do m&ecirc;s, onze da manh&atilde;. N&atilde;o h&aacute; mais do que quatro clientes na ag&ecirc;ncia. S&oacute; um caixa funcionando, uma mocinha com jeito de delicada. Mais dois funcion&aacute;rios atr&aacute;s do balc&atilde;o. No lado oposto do banco, dois gerentes.</p> <p>Paula se posiciona ao lado do guarda da porta e abre o z&iacute;per do meio da bolsa. Coloca as duas m&atilde;os para dentro. M&aacute;rcia, no fundo da ag&ecirc;ncia, gira a pesada bolsa, que tem um tijolo dentro, e acerta a nuca do outro guarda. Quando o da porta percebe, j&aacute; tem duas pistolas apontadas para si, uma para o rosto e a outra para o saco. Lu&iacute;sa pega outra arma da bolsa de Paula e aponta para a mo&ccedil;a atr&aacute;s do caixa. O guarda tenta, lentamente, levar a m&atilde;o &agrave; cintura. Paula age r&aacute;pido. Tiro na cabe&ccedil;a. O guarda cai, Paula vira-se e joga uma das armas para M&aacute;rcia, que a pega no ar e dispara no outro guarda, que jazia desmaiado. Lu&iacute;sa tira da bolsa uma dessas sacolas de viagem, dobrada, e manda a caixa encher de dinheiro. A menina n&atilde;o se mexe. N&atilde;o pisca, talvez tenha parado de respirar. Lu&iacute;sa pula o balc&atilde;o e segura a caixa pelo pesco&ccedil;o, apontando a arma para sua cabe&ccedil;a. Grita para os funcion&aacute;rios encherem a sacola de dinheiro, notas altas. Eles ficam se olhando, parados. M&aacute;rcia atira no bra&ccedil;o de um deles. O outro diz que n&atilde;o pode fazer nada, s&oacute; o gerente pode abrir o cofre. Paula manda os gerentes se aproximarem. Eles relutam.</p> <p>M&aacute;rcia atira na perna de um deles, o careca baixinho. O outro gerente, acompanhado por Paula, vai at&eacute; o cofre e o abre. Sob ordem de Paula e consentimento do gerente, o funcion&aacute;rio enche a sacola com notas de cinq&uuml;enta e cem reais. Paula, M&aacute;rcia e Lu&iacute;sa despedem-se, agradecendo a coopera&ccedil;&atilde;o de todos. Antes de sa&iacute;rem, Paula volta e caminha na dire&ccedil;&atilde;o do gerente, que tem uma express&atilde;o apreensiva no rosto. Ele aguarda que ela se proxime. Paula leva a boca &agrave; orelha dele, d&aacute; uma leve mordida e sussurra: &quot;te espero em Floripa, amor&quot;.<br /> ---Izq</p> contos ficção historinhas microcontos Tue, 20 Nov 2007 01:18:51 +0000 felipefonseca 2874 at http://efeefe.no-ip.org Histórias velhas http://efeefe.no-ip.org/textos/historias-velhas <p>Umas historinhas antigas que eu enviei pro <a title="COL no qualquer" href="http://qualquer.org/col/" rel="nofollow">COL</a> l&aacute; por 1999/2000. Agora saindo com ilustra&ccedil;&otilde;es da <a title="striemer no flickr" href="http://flickr.com/photos/striemer" rel="nofollow">Cau</a>.</p> contos ficção historinhas Tue, 20 Nov 2007 01:08:25 +0000 felipefonseca 2873 at http://efeefe.no-ip.org