Escrevi há dois anos um artigo que seria publicado como caderno submidiático #7 do des).(centro e posteriormente no livro Apropriações Tecnológicas. O que segue abaixo é uma tentativa de contar a mesma história sob a perspectiva dos laboratórios de mídia.
Em 2002, quando começou a articulação para a realização de um “Laboratório de Mídia Tática” em São Paulo, eu demorei alguns meses para entender porque o chamavam de “laboratório”. Entendi menos ainda quando o festival Mídia Tática Brasil finalmente aconteceu, muito mais focado em colocar as pessoas em contato do que em fazer coisas novas acontecerem ou promover experimentação. De qualquer maneira, ele promoveu o contato e a troca entre um monte de gente que se reencontraria várias vezes nos anos seguintes. Teve ainda o mérito de propor atividades no telecentro da Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, uma ação incipiente mas promissora de convergência entre o referencial ativista internacional e a realidade brasileira. Isso se aprofundaria, por exemplo no projeto Autolabs, criado e desenvolvido em 2004 por integrantes dos coletivos que estavam no MTB. O Autolabs sim acabou assumindo um papel mais experimental. Apesar de ser antes de tudo um projeto focado na educação midiática, ele proporcionou um ritmo de convivência entre as pessoas que levou a um grande nível de experimentação – técnica, social e administrativa. As bases do que foi desenvolvido e testado por ali seriam depois replicadas em muitos outros projetos, entre eles a ação cultura digital nos Pontos de Cultura.
No fim de 2003, alguns dos participantes do MTB fomos convidados para a última edição do Next Five Minutes, na Holanda. Conhecemos lá o pessoal do Sarai (Nova Déli), que tinha uma plataforma de intercâmbio com a fundação Waag (Amsterdam). Eles estavam lançando uma chamada para projetos para a plataforma. Pediam que se enviassem propostas para a criação de um centro de mídia para promover intercâmbio “sul-sul”. Foram selecionadas propostas do coletivo Mídia Tática – que propunha um ônibus que circulasse pelo Brasil – e da MetaReciclagem – que já tinha dois espaços de trabalho, em São Paulo e Santo André.
Ao longo do desenvolvimento do projeto nos meses seguintes, o Mídia Tática propôs uma estratégia para a criação de três centros de mídia – em Campinas, São Paulo e Rio. No Rio, Ricardo Ruiz e Tatiana Wells chegaram a criar o IP, um espaço na Lapa. Já a MetaReciclagem, à medida que se espalhava para novos espaços – o próprio IP, novas iniciativas em outros lugares do Brasil e a perspectiva iminente de implementação dos Pontos de Cultura, além de outros projetos públicos – decidiu não propor nenhum centro, mas pensar uma estratégia em rede para a ocupação de espaços que já existiam. Ela propunha não laboratórios, mas “esporos”, espaços auto-geridos que se comunicariam através de uma rede aberta.
Essas duas perspectivas foram apresentadas no encontro da plataforma no fim de 2004, na Índia. Segundo a avaliação dos parceiros internacionais, nenhuma das duas propostas no Brasil “estava pronta” para desenvolver um centro. Na opinião deles, ainda estávamos em uma fase prematura de organização. Hoje eu tenho mais elementos para afirmar que, pelo contrário, estávamos propondo uma forma de para-organização (como sugere Jamie King nesse PDF aqui). A plataforma Waag/Sarai se propôs a promover a residência de dois integrantes da MetaReciclagem no projeto Cybermohalla, em Nova Déli; e a apoiar uma publicação e um evento organizados pela Mídia Tática. O evento tornou-se a Submidialogia, que teve sua primeira edição em 2005 em Campinas, e depois outras edições ao longo dos anos – em Olinda, Lençois, Belém, Atins e Arraial d’Ajuda – a próxima será na Baía de Paranaguá.
Naquela primeira edição da Submidialogia, foram dados os primeiros passos para estabelecer-se o des).(centro, que incorporou desde o início todo o referencial de ação em rede e produção colaborativa – suas assembleias se realizam através da internet, e não existe a figura do presidente ou qualquer eufemismo equivalente. O próprio nome da associação já traz uma visão crítica do caminho tradicional das organizações – que muitas vezes começam com grupos de afinidade mas acabam tendendo à centralização, à especialização e à alienação.
Ao longo de todos esses anos, esse grupo bastante heterogêneo e disperso, assumindo diversas identidades dinâmicas e formando subgrupos que se mesclam e reformam o tempo todo, também realizaram outras ações e eventos – o festival Findetático, o encontro Digitofagia, as próprias conferências Submidialogia e muitos encontros e ações entremeadas no meio do cenário cultural e político. Agregou ainda muitas pessoas interessadas em diversos aspectos da apropriação de tecnologias. Realizou experimentação em diversas áreas, inclusive em formatos de organização e trabalho coletivo – até na própria implementação da cultura digital nos Pontos de Cultura, que incorporou princípios de autonomia, conhecimento livre, aprendizado em rede e outros, promovendo um diálogo profundo do formato hacklab com a realidade institucional no governo. E continua se refazendo a todo instante.