James Wallbank é diretor do Access Space, em Sheffield, criado em 2000 como o primeiro “free media lab” do Reino Unido. O Access Space foi um dos primeiros projetos no mundo a trabalhar com o reuso criativo de tecnologias, usando software livre e convidando a comunidade a se apropriar do espaço. James também criou a Low Tech, que trabalha “onde tecnologia, criatividade e aprendizado se encontram”. O Access Space e a Low Tech desenvolveram uma ação chamada “Grow Your Own Media Lab”, que mostrava como montar laboratórios autônomos e virou um guia impresso. Em 2009, ele liderou um workshop sobre Laboratórios de Mídia durante o Sommercamp Workstation, em Berlim. James também é integrante da rede Bricolabs.
Levei uma conversa com James por email. Trechos relevantes abaixo:
efeefe: James, como eu te falei antes, estou começando um projeto com o Ministério da Cultura do Brasil que tem a ver com laboratórios de mídia, mas sob uma perspectiva diferente. Eu estou sugerindo que a ideia de laboratório de mídia está associada a referências que podem ter se tornado defasadas. Sem dúvida, o tipo de experiência coletiva que a gente tem hoje em dia é essencialmente mediada, mas eu acredito que essa mediação é menos importante do que seu aspecto enredado. O tipo de experimentação que temos visto e projetado (com software livre, hardware reutilizado e aberto, ambientes colaborativos em rede, engajamento distribuído e até num futuro próximo a cena de impressoras 3D) pode ser melhor entendida sob uma perspectiva de redes do que sob uma perspectiva da “mídia”. Chamar essa experimentação de midiática evoca um monte de limitações. Muito do ativismo midiático recente tem suas raízes nos anos noventa, quando as pessoas precisavam ter acesso às novas ferramentas eletrônicas. Agora o horizonte é outro.
James: Eu entendo o que você quer dizer – eu nunca fiquei feliz com o termo “Laboratório de Mídia” (Media Lab). Nós tivemos muitas conversas online sobre qual melhor termo poderia ser usado para descrever o Access Space. Não gostamos do termo “mídia” que descreve alguma coisa ou alguém que media (ou seja, fica no meio) e nós não gostamos do termo “laboratório” que sugere algumas coisas boas (experimentação, pesquisa) mas também sugere algumas coisas ruins (exclusividade, academia, desconexão da prática). Um pesquisador que debateu isso com a gente em um simpósio falou “vocês deveriam descrever o Access Space como um ‘espaço de acesso’ . É exatamente isso que ele é. O problema de vocês é simplesmente fazer as pessoas entenderem esse termo”.
É claro que muita gente pensa que o “acesso” do Access Space se refere a acesso a tecnologias. Na verdade, se trata de acesso a pessoas, a habilidades, a inspiração, a amizade. Nós começamos a entender que a tecnologia em si é como um dedo apontando alguma coisa – a criança olha para o dedo, o adulto olha para onde ele aponta. Para nós, a tecnologia aponta para auto-expressão, interconexão, compartilhamento, desenvolvimento de habilidades, confiança, criatividade e capacidades.
De volta às palavras, nós discutimos muitos termos – aqui vão duas listas que nós desenvolvemos no Sommercamp Workstation em Berlim no ano passado (em uma oficina liderada por mim e Jordi Claramonte):
Lista 1 – Função:
Mídia, Comídia, Social, Cidade, Transformacional, Inovação, Mudança, Inspiração, Informação, Tecnologia, Realidade, Ofício, Praxis, Epistemológico, Aprendizado, TI, Experimental, Pesquisa, Inter-, Operativo, Coletivo, Acesso, Crescimento, Imaginação, Comunidade, Crítica, Vizinhança, Co-, Comum, Ação, Aberto, Humano, Conexão, Compartilhamento.
(os hífens indicam prefixos)
Lista 2 – Lugar:
Lab, Utopia, Oásis, Bem, Espaço, Jardim, Fazenda, Playground, Complexo, Rede, Kibutz, Agrupamento, Cozinha, Nodo, Cruzamento, Intersecção, Junção, Conexão, Enxame, Cardume, Rebanho, Horda, Ninho, Teia, Colmeia, Obervatório, Coletivo, Centro, Nó, Oficina, Comunidade, Nuvem, Rossio, Estrutura, Lugar, Plataforma de Lançamento.
Nós debatemos e debatemos, mas não conseguimos encontrar uma resposta. Foi muito divertido. No final sugerimos que seria ótimo criar uma ferramenta online onde você pudesse pôr seus valores, ou apenas palavras aleatórias, e a ferramenta diria o que seu centro (lugar, espaço, o que for) se chamaria.
Algumas respostas, como “Agrupamento de Inovações” carregavam claramente insinuações corporativas, mas muitas eram realmente interessantes e iluminadas. Nós particularmente gostamos de “Jardim de inovação”, “Nuvem transformacional” e “Cozinha Epistemológica”.
efeefe: nós estamos chamando esse novo projeto de Redelabs – laboratórios enredados. Não tenho ideia de onde ele vai parar, mas a ideia geral é ultrapassar o modelo de laboratório de mídia (estrutura, ferramentas, exclusividade) para uma estratégia mais distribuída (ações enredadas entre laboratórios).
James: Muito interessante! Redelabs pode ser um termo melhor do que “Laboratórios de Mídia” mas ainda pode ter questões – a palavra “rede” também é fetichizada e mal-interpretada. Eu consigo imaginar “network labs” sendo um novo aplicativo do Google ou o nome de um novo plugin para o Facebook
efeefe: Heh, de fato. Mas nossa estratégia é usar “rede” mais como um desvio do que um objetivo em si. Estamos elaborando isso como uma crítica à insistência em “laboratórios de mídia” como um termo genérico. Não estamos tentando somente substituir o termo por outro, mas sim propor uma multiplicidade de definições – como a lista que vocês elaboraram no Sommercamp.
James: Eu tenho que dizer que apesar de eu gostar (e concordar totalmente com) a proposição de que o valor real está na “conexão” que acontece dentro, entre e ao redor de laboratórios, também é necessário haver um centro de gravidade – um espaço físico onde as pessoas se encontram na vida real. É crucial que seja um espaço onde as pessoas se encontram acidentalmente, além de quando elas planejam, e esse espaço deve ter as ferramentas que possibilitam que coisas aconteçam.
efeefe: Claro. Quando falamos de uma estratégia em rede, não é uma 100% virtual ou planejada. Na verdade, estamos totalmente baseados em espaços, pessoas e o significado criado quando essas duas coisas se misturam. O que é mais importante estrategicamente em definir o projeto como enredado não é em oposição a situado, mas em oposição a institucionalizado, centralizado. Estamos na verdade respondendo a uma demanda cultural percebida pelo Ministério da Cultura no Fórum da Cultura Digital, mas invertendo a perspectiva – em vez de criar novos espaços/laboratórios de mídia, estamos propondo que os diversos espaços existentes trabalhem juntos. É isso que estamos definindo como “enredados” nesse contexto. Diversidade, diferença e serendipidade são cruciais.
James: Se você tem somente encontros que são planejados, e você não tem um lugar consistentemente aberto fica difícil engajar novas pessoas, exceto pessoas que você já conhece, e que por isso são de alguma forma parecidas com você.
Diversidade é importante para a inteligência coletiva (ver “A sabedoria das multidões de James Surowecki sobre isso). Sem diferença interna de integrantes, é difícil para qualquer organização realmente entender a si mesma, seus efeitos, e sua relação com o mundo exterior.
É crucial para a diversidade dos laboratórios que as pessoas que são diferentes dos membros existentes em termos sociais, de atitude, educação e cultura tenham a chance de participar. É por isso, acredito eu, que um enredamento hábil é importante, e conexão arbitrária é importante também. Um dos problemas com a internet é que, quando você pode se conectar com milhões de pessoas diferentes, é fácil acabar só se conectando com o seu tipo de gente. (Pense em adolescentes que falam com amigos que gostam todos das mesmas bandas, usam as mesmas roupas, compram nos mesmos lugares… pense em adultos que gravitam em torno de websites políticos que reforçam suas próprias opiniões, onde debatem com pessoas que concordam com as ideias deles).
efeefe: Sim, o efeito câmera de eco. Mas quando se trata de espaços enredados, eu acredito que isso pode ser superado por um grande diálogo com eventos públicos – trazer arbitrariamente pessoas anônimas para os espaços com frequência.
E sobre a percepção de um movimento desde “mídia” para “redes” – faz algum sentido para você? Quais as consequências disso?
James: Eu acredito que nós ainda temos um problema em descrever o conceito que estamos tentando agarrar. Nós lutamos diariamente para explicar o que o Access Space é em uma frase simples. Mas eu acredito que o conceito central pode estar se tornando mais claro. TICs (essencialmente, tecnologias de conexão) têm uma tedência a centralizar – elas centralizam oportunidades, visibilidade, riqueza, habilidades, capacidades, fama, dinheiro, poder, transporte, pessoas, recursos… Dessa centralização também decorre um aumento na especialização – a sociedade pede que as pessoas façam coisas cada vez mais especializadas. Quase parece que a humanidade é subserviente à lógica tecnológica – o ideal humano se torna somente mais um componente tecno-industrial. Existem muitas razões (de integridade, sanidade e robustez) para dizer que essa tendência à centralização, à especialização e à inequalidade podem ser uma coisa ruim.
O que estamos buscando são intervenções locais que revertam o fluxo – que cooptem as tecnologias de conexão digital para distribuir, para descentralizar, para empoderar localmente, para criar possibilidades de autonomia. Posto de outra forma, estamos querendo ver como a tecnologia pode se conformar às necessidades humanas, e não o contrário.
Voltando à questão de nomes (e pensando mais sobre a “multiplicidade de termos” que, como você mencionou, tende a emergir quando a gente começa a tentar melhorar o termo “laboratório de mídia”) eu sou levado a pensar sobre os modelos de negócios dos labs. Eu penso que nossa dificuldade em nomear esses “laboratórios” locais ou “espaços sociais” ou “commons” vem da multiplicidade de propósitos deles. Eu quero dizer o seguinte:
Muitas pessoas (principalmente patrocinadores) nos perguntam “Qual é o modelo de negócios do Access Space?”. Minha resposta (depois de oferecer uma planilha e um diagrama da organização que faz com que eles se sintam seguros) é isso:
Todo negócio ou organização no nosso sistema sócio-econômico atual tem exatamente o mesmo modelo de negócios: focar em alguma coisa – fazê-la melhor, mais barato, mais rápido, de maneira mais eficiente ou mais conveniente. Essa é a “Proposta Única de Vendas” do negócio. Otimize a maneira como você entrega a coisa para o mercado, e você terá sucesso.
Perceba que esse modelo de negócios não se aplica somente a negócios “com fins lucrativos”. Ele se aplica até a coisas sem fins lucrativos, como igrejas! (Melhor pregador, fácil de chegar, maior estacionamento, construção mais esperta, vitral mais inspirado… etc. etc.).
O Access Space (em comum com muitos Bricolabs) tem um modelo de negócios diferente. Nosso modelo diz “não pegue uma coisa que você faz melhor – faça as coisas que precisam ser feitas. Não foque em otimizar a eficiência – em vez disso continue indo e responda às diversas questões relacionadas à medida que elas surgem. Não interrompa suas práticas que funcionam para responder questões emergentes de maneira mais eficiente – apenas faça o melhor que puder, com os recursos disponíveis. Permaneça flexível e tente ao máximo fazer você mesmo.
Perceba que há apenas uma palavra-chave na minha descrição do modelo que oferece apenas um foco – “relacionadas“. Eu sugiro que é possivelmente inviável mediar, explicar e então envolver pessoas com sucesso se você não tem nenhuma temática (a nossa é o reuso criativo de tecnologias), mas eu queria ver alguém tentar!
Então, será que nossa dificuldade com nomes é um sintoma da nossa resistência ao foco e à otimização?
Enquanto isso, acho que começo a perceber alguma outra coisa (sobre a qual provavelmente é muito cedo para falar, mas vou tentar). Com o Access Space ou qualquer outro projeto semelhante, “o produto é o processo“. Em outras palavras (três tentativas):
O trabalho de reconstruir computadores cria um computador reutilizado. Mas isso é um subproduto de valor limitado. O computador pode quebrar durante a remontagem, mas o processo ainda será útil. O produto real e duradouro é o conhecimento, a habilidade, o envolvimento, o prazer, e atividade da pessoa que o faz. O trabalho de organizar uma exposição – as habilidades, capacidades, redes e inspiração criadas ao organizar uma exposição de arte no Access Space são os valores mais significativos adicionados. A mostra em si é, mais uma vez, somente um subproduto do processo. A localização do valor adicionado no Access Space é na atividade e na conexão – o que as pessoas estão criando é de importância secundária, porque a coisa principal que eles estão criando é a si mesmas, suas comunidades e suas experiências.Uma hipótese: será que nos nossos termos para esses espaços de mídia e redes, deveríamos incluir palavras como “fluido”, “flexível” e “configurável”? Talvez cada uma dessas coisas não seja um laboratório de mídia, mas de maneira mais precisa, uma “rede flexível de atividade local“. Mas de novo, talvez “flexível” seja muito “mole” – essas redes também precisam ser coerentes… ou talvez o nome “névoa de ação“?
efeefe: isso me faz lembrar do encontro dos Bricolabs no Wintercamp ano passado, e sua tentativa de entender o que os integrantes da rede Bricolabs têm em comum como algo difícil de identificar – menos interesses objetivos, e mais algo subjetivo como um aroma. Esse tipo de identidade fluida é mesmo difícil de definir…
James: definir significa pensar “sobre o fim de”. O tipo de prática na qual estamos interessados não tem um fim, uma borda ou um limite. Descrever significa “desenhar uma linha em volta”. Se o que estamos considerando desaparece sem traços, o lugar onde se desenha a linha é arbitrário, e sempre inclui uma proporção maior ou menor do fundo.
O que estamos tentando fazer é encontrar o centro (ou a zona mais densa da neblina!). O fato de uma coisa não ter um limite não quer dizer que não tenha um centro. O fato de uma coisa ter uma forma flexível não quer dizer que não tenha propriedades consistentes.
efeefe: e sobre intercâmbios em rede?
James: me parece que no momento os únicos intercâmbios de valor (ou seja, interações) que existem entre espaços são acadêmicos, teóricos, conceituais e inspiracionais. Existem intercâmbios pessoais de amizade e comunalidade também – mas esses são difíceis de avaliar.
Existem muitos intercâmbios concretos menores (expertise “dura”) e quase nenhum intercâmbio de valor agregado (serviços). Eu acho que seria bom aumentar o número e diversificar o tipo de intercâmbio. Suspeito que o desenvolvimento dessas redes sugeriria maneiras pelas quais nós (coletivamente) poderíamos atrair recursos.