Escrevi esse texto há alguns meses, para uma revista que acabou não sendo publicada. Talvez ainda seja no futuro, mas enquanto isso me autorizaram a postar por aqui. Nada de novo para o universo rede//labs, com exceção de uma ou outra frases de efeito - mas foi bom para exercitar a argumentação.
Vivemos tempos de mudanças. O mundo está cada vez mais enredado, não somente nos grandes centros como também em cidades pequenas e localidades isoladas. As redes interconectadas abriram espaço para a circulação de informação entre boa parte (e cada vez maior) da população mundial, possibilitando novas dinâmicas de aprendizado e comunicação. Geraram também um novo conjunto de problemas sociais e econômicos, acompanhando o desenraizamento do trabalho e a crise de representatividade da política tradicional e das instituições, o que demanda a criação de novas formas de produção e trabalho.
As culturas brasileiras se inserem nesse cenário com um potencial imenso, aliando a sociabilidade instintiva dos mutirões - redes espontâneas e dinâmicas - à inovação distribuída das gambiarras - soluções para problemas cotidianos que aproveitam quaisquer recursos disponíveis de forma criativa e orientada a resultados. Muita gente aponta o Brasil como uma referência no que se refere a lidar com tempos incertos. Há décadas que entendemos que tempos de instabilidade, crise permanente e conflito latente são também tempos de oportunidades e transformações.
Nos últimos anos, o Brasil tornou-se um dos epicentros de um movimento internacional - a emergência da produção aberta e livre em rede. O software livre encontrou por aqui espaço de convívio com a produção cultural, tanto a partir de projetos independentes quanto de políticas públicas inovadoras. Alguns resultados foram a instrumentalização digital de projetos ligados às culturas populares, a naturalização do remix e da generosidade intelectual como estratégias criativas e o aprofundamento conceitual das ideias de conhecimento e cultura livres.
Em uma análise superficial, esse universo trata do acesso a conteúdo. Existem entretanto implicações muito mais profundas. Até há poucos anos, corríamos em direção a um futuro imaginário forjado durante a guerra fria: uma sociedade próspera com recursos abundantes, isenta de conflitos, em que todos poderiam comprar a própria felicidade. Hoje essa miragem é esvaziada pela desigualdade social, pelo iminente colapso ambiental e pela precariedade generalizada. Estamos justamente no ponto de influenciar coletivamente os modelos de futuro que queremos perseguir, e sabemos que eles precisam ser diferentes.
É justamente nesse contexto que surgem os laboratórios experimentais: locais para prototipar e testar tecnologias, metodologias e formatos de trabalho de um futuro colaborativo e hiperconectado. Para integrar criativamente a abundância de informação disponível livremente nas redes com as demandas crescentes da vida cotidiana. Para desalienar a inovação tecnológica, fazendo com que ela volte a responder a necessidades locais. Para investigar e desenvolver um campo que pode ser descrito como "cultura digital experimental", ou "pós-digital": internet das coisas, computação física, realidade aumentada, mídia locativa, fabricação digital e a economia do comum. Para despertar talentos, promover encontros e reunir pessoas que podem fazer coisas juntas. Para juntar arte, ciẽncia, educação e comunicação. Para fazer o amanhã imaginando o depois de amanhã.
Eu tenho trabalhado em duas pontas dessa questão: desenvolvendo o Ubalab, um laboratório experimental em Ubatuba, litoral norte de São Paulo; e articulando a plataforma Rede//Labs, que desde o ano passado promove ações com o objetivo de criar pontes entre laboratórios em diferentes configurações no Brasil inteiro e articulando mecanismos de apoio ao intercâmbio entre eles. São perspectivas complementares: a escala local e a rede distribuída com integrantes no país inteiro. Do ponto de vista da rede de laboratórios, estamos percebendo a necessidade de construir ações em conjunto, de facilitar o apoio aos processos de desenvolvimento (em vez de produtos) e a circulação de pessoas entre as diferentes localidades. Já no contexto local, uma das maiores necessidades que tenho percebido é por estruturas que permitam o desenvolvimento pleno dos talentos locais, para que não precisem migrar aos grandes centros. E por estruturas não me refiro necessariamente a equipamentos ou espaço físico, mas fundamentalmente a um nível mais abstrato: maneiras de aprender, criar e sobreviver disso.
A institucionalidade burocrática e seus vícios são grandes entraves ao desenvolvimento de inovação socialmente relevante. Muito esforço precisa ser despendido em enfrentar os longos e complexos processos para viabilizar projetos nesse sentido. Grande parte das oportunidades de financiamento exigem algum desvio de rota, focando não na inovação ou na troca de conhecimento mas em responder a exigências de produtos, obras finalizadas, apresentações, oficinas ou visibilidade. Todos esses aspectos são também importantes, mas acabam soterrando o que deveria ser o coração dessas ações. Outro ponto crítico é a administração de expectativas. Frequentemente, projetos parceiros dos labs esperam que eles funcionem como prestadores de serviços diversos - cursos, suporte técnico, criação de websites, produção de vídeo e som, etc. A princípio, um laboratório se diferencia fundamentalmente de produtoras, consultorias e estúdios por ter autonomia para estabelecer a própria agenda de pesquisa. Isso implica na necessidade de incorporar o erro como um dos resultados esperados de suas ações. Já relações de prestação de serviços precisam minimizar a ocorrência de erros. É uma distinção importante: a inovação precisa estimular a ocorrência de erros. Nesse contexto, o erro é a matéria prima do acerto. Precisamos pensar em maneiras de viabilizar essa condição, que certamente dá resultados no futuro. No equilibrismo de verbas, pessoas, parcerias e metodologias é que os labs brasileiros vão encontrar identidade e voz próprias.
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Escrevi esse texto há alguns meses, para uma revista que acabou não sendo publicada. Talvez ainda seja no futuro, mas enquanto isso me autorizaram a postar por aqui. Nada de novo para o universo rede//labs, com exceção de uma ou outra frases de efeito - mas foi bom para exercitar a argumentação.
Vivemos tempos de mudanças. O mundo está cada vez mais enredado, não somente nos grandes centros como também em cidades pequenas e localidades isoladas. As redes interconectadas abriram espaço para a circulação de informação entre boa parte (e cada vez maior) da população mundial, possibilitando novas dinâmicas de aprendizado e comunicação. Geraram também um novo conjunto de problemas sociais e econômicos, acompanhando o desenraizamento do trabalho e a crise de representatividade da política tradicional e das instituições, o que demanda a criação de novas formas de produção e trabalho.
As culturas brasileiras se inserem nesse cenário com um potencial imenso, aliando a sociabilidade instintiva dos mutirões - redes espontâneas e dinâmicas - à inovação distribuída das gambiarras - soluções para problemas cotidianos que aproveitam quaisquer recursos disponíveis de forma criativa e orientada a resultados. Muita gente aponta o Brasil como uma referência no que se refere a lidar com tempos incertos. Há décadas que entendemos que tempos de instabilidade, crise permanente e conflito latente são também tempos de oportunidades e transformações.
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